domingo, 7 de julho de 2019

Os estudantes que constroem seus dormitórios por causa dos aluguéis estratosféricos na Alemanha

Kate Brady

Uma enorme caixa de madeira emerge no terreno de um antigo hospital militar americano, nos arredores da cidade alemã de Heidelberg. A estrutura de 14 metros quadrados, com janelas e móveis, parece à primeira vista mais uma cabana de jardim do que uma casa.
Mas trata-se do protótipo de um dormitório estudantil de quatro andares - uma tentativa de proporcionar conforto para jovens em meio à crise habitacional pela qual passa a Alemanha.

Como muitas cidades ao redor do mundo, Heidelberg está tendo dificuldades para abrigar um influxo rápido de jovens profissionais e estudantes. Isso deu origem a um lucrativo mercado de aluguel e, por consequência, falta de moradia. Desde 2010, os aluguéis na cidade universitária aumentaram quase 25%. Para os estudantes, que costumam morar em apartamentos compartilhados, o valor de um quarto não sai por menos do que 437 euros por mês, em média - cerca de R$ 1.950.


A fim de amenizar a crise nacional de habitação, o governo da chanceler alemã, Angela Merkel, prometeu construir 1,5 milhão de apartamentos em todo o país até o fim de seu quarto mandato, em 2021.

O cenário adverso motiva diversas alternativas, como o grupo de 25 estudantes universitários que tomou a iniciativa de construir, com as próprias mãos, seus dormitórios estudantis em Heidelberg: o Collegium Academicum.

"Queremos criar um espaço acessível, onde os estudantes possam viver juntos e aprender juntos", diz à BBC Capital Ina Kuhn, estudante de psicologia de 22 anos e membro do projeto do dormitório.

Os aluguéis no Collegium Academicum, com 226 quartos dentro de 46 apartamentos compartilhados, devem girar em torno de 300 euros (R$ 1.330), em média, por mês, com a possibilidade de cair ainda mais no futuro, assim que o empréstimo bancário for liquidado.

A sustentabilidade também é um objetivo fundamental do projeto. O terreno foi comprado da prefeitura. Equipado com janelas de vidro triplo e totalmente construído em madeira, o Collegium Academicum será o maior edifício da Alemanha sem suporte de metal. Mas, orçado em 16 milhões de euros (R$ 70 milhões), esse projeto sustentável não sai barato.

A maior parte do dinheiro veio de empréstimos bancários, recursos públicos e do instituto de crédito alemão para revitalização. Ainda assim, 2 milhões de euros do custo total (ou 12,5%) tinham que vir de capital próprio.
A construção deve começar dentro das próximas semanas, e os primeiros inquilinos devem se mudar no início de 2021.

Universidades gratuitas
Fundada em 1386, a Universidade de Heidelberg é a mais antiga da Alemanha e uma das três mais prestigiadas do país. Rankings internacionais de educação a posicionam na 47ª colocação entre as melhores do mundo. Por isso, todos os anos, recebe milhares de novos alunos. Atualmente, cerca de 40 mil dos 160 mil cidadãos da cidade são estudantes.

Além disso, sua pitoresca paisagem, emulando uma "cidade de brinquedo", também vem se tornando uma atração à parte para os estrangeiros. De acordo com a prefeitura, a maior parte dos novos moradores de Heidelberg nos últimos anos veio da China, Itália, Romênia, Índia e Polônia - e têm entre 18 e 30 anos.

Mas, em comparação com estudantes universitários nos EUA e no Reino Unido, os alunos alemães apresentam uma significativa vantagem financeira. Em 2014, todos os 16 Estados alemães aboliram as taxas de ensino universitário para estudantes de graduação, o que significa que tanto estudantes de graduação alemães quanto estrangeiros estudam gratuitamente nas universidades públicas. A maioria deles paga uma pequena taxa semestral de custos administrativos.

Demanda maior do que a oferta
Apesar disso, o semestre que se inicia em outubro é especialmente difícil para os estudantes que procuram moradia, diz Studierendenwerk, uma organização estatal sem fins lucrativos que dá apoio a universitários que estão em busca de acomodação.

"Nessa época, muitas vezes há mais estudantes tentando encontrar um lugar para morar do que acomodações - especialmente acomodações acessíveis", diz Tanja Modrow, diretora da Studierendenwerk Heidelberg.
Sendo assim, muitos deles têm que viver mais longe ou se submeter aos altos custos de vida. A forte presença de áreas verdes também faz com que cada vez mais recém-formados escolham morar na cidade universitária para dar o pontapé em suas carreiras ou construir suas famílias, aumentando ainda mais a pressão sobre a escassa oferta de moradia. No estado de Baden-Württemberg, onde fica Heidelberg, o Partido Verde da Alemanha está atualmente liderando as pesquisas de opinião com 32%.

Escassez de moradias pelo mundo
Os estudantes de Heidelberg não estão sozinhos em sua luta para encontrar moradia acessível na Alemanha. O último índice de preços do Instituto de Economia alemão mostra que os custos dos aluguéis de estudantes nas cidades universitárias alemãs subiram de 9,9% para 67,3% desde 2010.
Em abril, milhares de pessoas protestar nas ruas da capital Berlim para pressionar o governo. A cidade, que se tornou um dos mercados imobiliários de maior crescimento do mundo, realizará em breve um referendo sobre a expropriação em massa de propriedades pela cidade.
A escassez de moradias e de aluguéis acessíveis são um problema muito comum para estudantes de outras cidades universitárias.

Em Hobart, na ilha da Tasmânia, na Austrália, a Universidade da Tasmânia comprou recentemente um hotel de três estrelas em uma tentativa de alojar os estudantes que não conseguem acomodação a um preço acessível.

Um crescente número de turistas e a expansão do Airbnb têm desempenhado um papel significativo na crise habitacional pela qual passa a cidade.

Enquanto isso, na costa oeste dos EUA, na Universidade da Califórnia, em Berkeley, um novo programa está unindo estudantes de pós-graduação a aposentados que têm um quarto sobrando. Em troca de um teto, os estudantes proporcionam aos aposentados interação social, ajuda na casa, além de aluguel mensal de menos de US$ 1 mil (R$ 4 mil) - menos de um terço dos preços médios dos apartamentos em Berkeley.

BBC Capital

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