Nathalia Passarinho
O cabelo muito
loiro, penteado de maneira curiosa, as gafes, as frases polêmicas, o estilo que
destoa dos políticos tradicionais e o nacionalismo são algumas das
características usadas para descrever este líder.
Poderíamos estar falando do presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump, mas trata-se do novo primeiro-ministro do Reino Unido,
Boris Johnson, que assumiu a chefia de governo do país e a liderança do Partido
Conservador na quarta (24/7).
As semelhanças entre os dois governantes já rendem a
Johnson o apelido de "Trump do Reino Unido" ou "Trump
britânico".
"Ele é um homem bom, é duro e é inteligente. Eles o
chamam de Trump do Reino Unido. Isso é uma coisa boa. Eles gostam de mim lá. É
o que eles queriam, é o que eles precisam. Boris vai fazer um bom trabalho",
disse Donald Trump, após a vitória de Johnson ser anunciada na disputa pela
liderança do Partido Conservador.
Se as comparações forem justas, Trump já tem um sósia na
América do Sul e na Europa. Afinal, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, é
apelidado de "Trump dos trópicos" pela imprensa internacional - e se
orgulha disso.
Mas o que as supostas semelhanças entre Johnson e Trump
podem representar para as relações do Brasil de Jair Bolsonaro com o Reino
Unido? Há espaço para uma aliança transatlântica entre esses líderes?
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que os
interesses comerciais do Reino Unido e a defesa de Bolsonaro ao liberalismo
econômico devem contar muito mais para uma aliança com Johnson do que
similaridades de personalidade ou de ideologia.
Além disso, há diferenças substanciais entre Johnson e
Trump, principalmente em relação à defesa de direitos LBGT, igualdade de gênero
e meio-ambiente, que tornam a aproximação a nível pessoal entre Bolsonaro e o
novo premiê britânico improvável.
"Em termos de posição sobre direitos sociais,
direitos humanos e questões de costumes, Bolsonaro e Trump são criaturas
completamente diferentes de Boris Johnson", disse à BBC News Brasil o
professor de Relações Públicas Internacionais Christopher Sabatini, da
Universidade de Columbia, em Nova York.
"Mas a necessidade de o Reino Unido firmar acordos
comerciais pode promover uma aliança de conveniência com o Brasil",
completa Sabatini, que também integra a Chatham House, uma das instituições de
pesquisa mais respeitadas do Reino Unido.
As semelhanças
Trump-Boris-Bolsonaro
A comparação de Boris Johnson com Trump não é estimulada
só pelo presidente americano. A oposição no Reino Unido também se utiliza dela,
mas para atacar o premiê.
Durante a primeira participação de Johnson em uma sessão
do Parlamento, o líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, destacou que o
novo primeiro-ministro é conhecido como "Trump britânico".
"As pessoas temem que, longe de tomar de volta o
controle sobre os rumos do nosso país, o primeiro-ministro nos torne um Estado
vassalo da América de Trump", disse.
Na visão do professor de Relações Internacionais da
Fundação Getúlio Vargas Oliver Stuenkel, o que aproxima Johnson de Trump é o
estilo "populista" de vender "soluções fáceis para problemas
complexos".
"Eles se assemelham na dimensão da retórica. Usam
argumentos que não se sustentam do ponto de vista acadêmico e científico para
promover propostas que carecem de detalhes", afirma.
Para difundir propostas sem ter de respaldá-las com dados
que comprovem eficácia, os dois líderes se utilizam, segundo Stuenkel, das
paixões evocadas pelo nacionalismo.
No caso de Johnson, a principal agenda é o Brexit- a
saída do Reino Unido da União Europeia. O atual primeiro-ministro foi um dos
líderes da campanha pelo Brexit no plebiscito realizado em 2016.
Apostando em ideias nacionalistas, de resgate da
soberania e de retorno a um império global, o premiê aposta numa ruptura
radical com a União Europeia apesar de o Banco da Inglaterra (equivalente ao
Banco Central brasileiro) apontar para o risco de o Reino Unido entrar numa
recessão pior que a provocada pela crise financeira internacional de 2008.
"Vejo semelhanças nessa estratégia de oferecer
soluções simplistas a problemas que são muito complexos e que requereriam
participação ativa da população", avalia Stuenkel.
O professor americano Christopher Sabatini também aponta
o nacionalismo, a retórica e a aparência como principais semelhanças entre
Trump e Johnson.
"Claramente tanto Boris Johnson quanto Trump
compartilham da vontade de sacudir o sistema internacional atual e os dois são
nacionalistas. Boris Johnson quer um Brexit radical e Trump tem focado nos
interesses dos Estados Unidos em acordos comerciais com a União Europeia e em
decisões da ONU", diz.
"Eles usam a mesma estratégia de fomentar uma base
eleitoral nacionalista em busca de apoio para isso."
'Outsiders'?
Johnson se vende como irreverente, tem um aspecto físico
até parecido com Trump e é conhecido por frases polêmicas. Mas, diferentemente
do presidente americano, ele não é um "outsider" ou uma figura de
fora da política tradicional.
Foi parlamentar, prefeito de Londres, ministro de
Relações Exteriores e ocupou postos de destaque no partido político mais
tradicional do Reino Unido.
Nisso, Johnson também se difere de Bolsonaro, que embora
tenha sido deputado por 27 anos, sempre foi do baixo clero e nunca ocupou
postos de liderança nos partidos que integrou.
"Boris Johnson pertence ao 'establishment', enquanto
Trump e Bolsonaro não. Boris é mais afeito ao toma-lá-dá-cá da política. Ele é
um produto do partido, embora tenha um aspecto e estilo diferentes dos
políticos britânicos tradicionais", ressalta Sabatini, da Universidade de
Columbia.
Já Stuenkel acredita que, embora Johnson tenha um
currículo tradicional como político britânico, o novo primeiro-ministro se
utiliza de gafes "programadas" e do estilo irreverente para se
apresentar como "diferente dos políticos tradicionais".
"Ele usa de maneira bem pensada gafes para se
diferenciar. Inclusive diz em entrevistas que tem plantado gafes para confundir
seus inimigos. Claro que essa é uma maneira de projetar autenticidade e de
difundir a imagem de que ele não é aquele político cauteloso, burocrata."
Mas a principal diferença entre Bolsonaro, Trump e
Johnson diz respeito a questões de costume e direitos sociais, apontam Sabatini
e Stuenkel. E são essas diferenças que tornam difícil a possibilidade de uma
"tripla aliança".
Igualdade de gênero, aborto e direitos LGBT.
O novo premiê britânico é defensor de amplos direitos
reprodutivos para as mulheres (o aborto é liberado no Reino Unido), do respeito
aos direitos LGBT e de medidas ambiciosas no combate ao aquecimento global.
Como prefeito de Londres, ficou conhecido por estimular o
"transporte limpo" na cidade, com ampliação de ciclovias e estímulo
para que bicicletas passassem a ser distribuídas para aluguel em todos os
pontos da capital britânica.
Johnson também não é afeito a ataques diretos à imprensa
profissional, diferentemente de Trump e Bolsonaro.
"Nesse sentido, acho que Boris Johnson não é como
Trump e Bolsonaro. Ele não tem posições ultraconservadoras em relação a
questões como aborto e liberdade de expressão. Esses não são temas dele.
Johnson tem uma veia mais liberal que os populistas de direita", diz
Stuenkel.
Bolsonaro é um político conservador e eu diria que até
retrógrado em questões relacionadas a inclusão social, direitos LGBT, direitos
das mulheres e direitos humanos em geral", opina Christian Sabatini, da
Universidade de Columbia e da Chatham House.
"Boris Johnson não é isso. O que quer que pensemos
sobre as visões dele sobre Brexit, nacionalismo e populismo, o gabinete dele é
diverso e inclui ingleses de origem indiana, paquistanesa, mulheres... Algo que
está longe de ser do DNA de Bolsonaro."
E como deve ser a relação Reino Unido-Brasil na gestão
Boris Johnson?
Jair Bolsonaro reagiu com entusiasmo à eleição de
Johnson. Como costume, publicou no Twitter sua visão sobre o novo
primeiro-ministro.
"Parabéns @BorisJohnson, novo Primeiro-Ministro do
Reino Unido, eleito com o compromisso louvável de respeitar os desígnios do
povo britânico. Conte com o Brasil na busca por livre comércio, na promoção da
prosperidade para nossos povos, e na defesa da liberdade e da democracia",
escreveu o presidente no Twitter.
Para o professor Oliver Stuenkel, as necessidades
econômicas do Reino Unido em caso de um Brexit radical com a União Europeia
serão o fator decisivo numa relação mais ou menos próxima com o Brasil.
Johnson tem reiterado que seu país vai deixar o bloco
europeu no dia 31 de outubro (data marcada para o Brexit) com ou sem acordo
comercial e de transição com os europeus.
Se isso ocorrer, o Reino Unido terá que firmar
rapidamente acordos comerciais com outros países, para evitar desabastecimento
e suprir o consumo de produtos antes importados a preços baratos da União Europeia.
Atualmente, 28% dos alimentos consumidos pelos britânicos
chegam de países europeus. O Brasil, como um dos maiores exportadores de
commodities do mundo, seria um candidato natural a parcerias comerciais.
Da BBC News Brasil em Londres
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