William Waack
Vista de fora do Brasil, a onda
bolsonarista desafia interpretações
Vista de
Nova York, onde estou palestrando para investidores estrangeiros, a onda que
levou Bolsonaro aos seus 50 milhões de votos no primeiro turno é uma jabuticaba
política brasileira ou simplesmente a expressão de um fenômeno autoritário com
variadas ramificações mundo afora?
Pelo
menos três elementos a política brasileira tem em comum com ondas semelhantes
na Ásia, Europa e Estados Unidos. Eles são: o descrédito e a desconfiança do
eleitor em relação a instituições tradicionais, incluindo perda de
credibilidade dos grandes órgão de imprensa; a presença de fortes redes sociais
que impulsionam “outsiders”; uma situação de crise ou paralisia na economia (no
caso brasileiro, a pior recessão em gerações).
Aos
elementos acima teríamos de acrescentar partidos desmoralizados, sistema
político destruído, e as consequências da Lava Jato como expressão de
indignação e raiva que vem já desde 2013. Ou seja, aos elementos comuns a
muitos países somam-se fatores domésticos de alta relevância.
O
“fenômeno político Bolsonaro” atraiu enorme atenção fora do Brasil – e dificuldades
de interpretação idem. O mínimo denominador comum encontrado entre publicações
normalmente divergentes entre si (como The Guardian ou Economist), por
exemplo, foi o de ressaltar perigos severos à democracia. A palavra “fascista”
aparece em publicações comoDer Spiegel, revista importante num país no qual
esse vocábulo tem peso muito especial. Mesmo o Financial Times, que
provavelmente tem a melhor cobertura do Brasil na grande imprensa
internacional, vê na figura de Bolsonaro o prenuncio de tempos duros – a
inversão de uma tendência, segundo o FT, que o Brasil também simbolizara ao
sair do regime militar há mais de 30 anos.
Para
comediantes da telinha americana como John Oliver, a eleição brasileira virou
piada pronta, com a exibição das aberrações de propaganda eleitoral produzida
por candidatos a deputado, passando por Lula na cadeia (aqui fora se acha mesmo
piada que um presidiário surgisse como favorito nas pesquisas eleitorais) e
chegando até algumas das frases mais contundentes de Bolsonaro – aqui, segundo
o humorista, acaba a graça.
A
“guerra cultural” brasileira invadiu também o espectro de opiniões nos Estados
Unidos, com o Wall Street Journal reconhecendo em editorial que
progressistas no mundo inteiro ingressaram em “estado de ansiedade” desde que
os brasileiros deram votação tão expressiva a Bolsonaro. Mas não será o próprio
eleitor brasileiro que sabe melhor que ninguém de qual candidato precisa?,
indagou o WSJ.
Quanto
aos investidores estrangeiros, concentrados em grande número em Nova York, a
política brasileira se resume a uma pergunta: “Can he deliver?” – Bolsonaro
consegue entregar o que precisa ser feito, na perspectiva de quem pretende pôr
dinheiro no nosso país, ou seja, ele consegue as reformas necessárias para
atacar a questão do gasto público e a recuperação da capacidade de investimento
na economia?
Confesso
que não consegui dar a eles uma resposta simples. É óbvio que a onda do fim de
semana passado mudou bastante a política e sugere desdobramentos de alcance
maior do que a capacidade de se construir maiorias para votações na Câmara dos
Deputados. A onda desenha uma oportunidade que pode ser ampliada com o “capital
político”, como gostam de dizer os economistas, que Bolsonaro está acumulando.
Soa
esperançoso? Depende para trazer resultados de uma capacidade de articulação e
liderança políticas que até agora ninguém demonstrou.
O Estado de São Paulo
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