Elena
Landau
Regras do
setor elétrico estão velhas e órgão regulador assiste pacificamente esse
descalabro
Hoje é Dia das Crianças. Há exatamente cinco anos, nesse dia, Dilma
enriqueceu o anedotário nacional com uma de suas inesquecíveis pérolas: “Sempre
que você olha uma criança há sempre uma figura oculta, que é um cachorro
atrás”. E completou “O que é algo muito importante”.
A ex-presidente nos deixou muitas heranças, afora sua grande
contribuição para o anedotário político. Além da crise fiscal e do desemprego
recorde, Dilma, supostamente uma especialista em energia, se empenhou
pessoalmente na implementação da Medida Provisória 579, de 11 de setembro de
2012, que levou ao desmonte do setor elétrico.
Foi a mais nefasta interferência do governo no setor da nossa
história. Ela nos legou uma Eletrobrás quase falida ao derrubar as receitas da
estatal, elevação das tarifas, riscos regulatórios altíssimos e judicialização
que interfere nas transações comerciais.
Os aumentos de tarifas deste ano, muito acima da inflação, acenderem
finalmente o sinal de alerta para os problemas do setor elétrico. O consumidor,
em geral, não sabe como se forma exatamente o valor que aparece na cobrança,
por isso, tende a colocar toda a culpa na sua distribuidora de energia.
Ele não sabe, por exemplo, que 2/3 do que paga são decorrentes de
encargos (que carregam os custos de subsídios e as ineficiências decorrentes da
desastrosa MP), tributos e da compra de energia. A distribuidora é mera
repassadora desses custos.
Ele também não sabe que está consumindo uma energia mais cara porque o
governo em vez de fazer uma campanha incentivando o uso eficiente de energia,
prefere colocar para operar térmicas caríssimas e disfarçar problemas de
oferta. O trauma político decorrente do racionamento de 2001 interditou
qualquer iniciativa de redução no consumo, mesmo que seja através de uma
campanha esclarecedora. Ao usuário do serviço não é dada muita escolha.
Ele não tem como administrar sua conta porque no Brasil estamos muito
atrasados em relação ao resto do mundo em utilizar tecnologia e regulação que
permita saber quanto gasta e consome ao longo do dia. Ele só tem certeza de uma
coisa: está pagando caro demais.
As regras do setor elétrico estão velhas, ultrapassadas e não dão
conta das mudanças que vêm afetando a produção, distribuição e consumo em todo
o mundo. Nosso modelo não se preocupa com preços, mas apenas em colocar à
disposição energia a qualquer custo. Nunca deu prioridade à eficiência.
O órgão regulador assiste passivamente a esse descalabro como mero
ratificador das más ideias que saem da cabeça de políticos de passagem pelo
Executivo.
Competição é tudo que o setor elétrico precisa no momento. É
necessário eliminar a herança maldita da MP 579, aumentar a participação do
mercado livre, melhorar os sinais de preços e dar liberdade ao consumidor para
administrar seus custos com energia. E, obviamente, concluir a privatização da
Eletrobrás.
A ideia da liberação ampla do mercado não é nova e vem sendo defendida
há muitos anos por especialistas da área. Programas dos candidatos de
centro-liberal nessa eleição trazem a ideia de mais competição e liberdade para
o setor.
No segundo turno temos, teoricamente, duas visões opostas sobre o
funcionamento da economia e do papel do Estado. De um lado, Haddad como
representante do modelo intervencionista que faliu o setor. Como o PT não é
muito chegado a uma autocrítica, difícil acreditar que daí vem alguma mudança.
De outro lado, Bolsonaro, tradicionalmente intervencionista, se apoiou em uma
equipe com viés liberal. A julgar pela sua política de segurança, ele tem
realmente a ideia de Estado mínimo: terceirizou o combate à violência aos
cidadãos que devem usar armas para a própria defesa. Mas sobre economia? Uma
grande incógnita.
Em tese, há um grande apoio a uma desregulamentação do setor. Mas o
diabo mora nos detalhes. E esses ninguém conhece. Abandonar o modelo atual é
uma transição técnica difícil, que exige uma equipe com experiência em
políticas públicas e conhecimento dos detalhes da legislação setorial,
particularmente complexa. A reforma demanda diálogo afinado com autoridades
reguladoras, Legislativo, Judiciário e todos os agentes do setor, ainda
traumatizados pela intervenção de 2012. Colocar essa agenda em prática não é
simples. Mas o mercado não pode continuar sendo uma figura oculta.
Em tempo: nesta data, em 1808, foi fundado o Banco do Brasil. Incrível
que passados 210 anos a sua privatização ainda seja tabu.
O
Estado de São Paulo
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