Pedro Valls Feu Rosa
Dia
desses li um interessante texto sobre um efeito denominado “Inverno da Fome
Holandês” – que me levou a meditar sobre a simplicidade de diversos conceitos
simplesmente esquecidos por uma sociedade a cada mais conflituosa como é a
nossa.
Nos idos
de 1944 houve um grande surto de fome na Holanda, devido à Segunda Guerra
Mundial – segundo consta, os alemães carregaram toda a comida disponível para
seu país, deixando toda a população à míngua. Milhares morreram. Logo depois,
com o fim do conflito, rapidamente o país retomou sua normalidade.
Décadas
depois, médicos das universidades de Utrecht e de Amsterdam analisaram os dados
de 7.845 mulheres que viveram naquela época de escassez. Constataram, em mães e
filhos, um sensível aumento dos índices de doenças cardíacas e obesidade.
Repito, para máxima clareza: pessoas que ainda eram fetos durante o período da
fome apresentaram, quando adultas, claras “cicatrizes”, na forma de diversas
doenças.
Esse
estudo me conduziu a um outro, realizado por pesquisadores da Universidade
McGill, de Montreal, no Canadá. Após análise dos cérebros de 24 crianças
vítimas de suicídio, constatou-se que os daquelas submetidas a abusos
apresentavam claras deformações em nível genético.
Ainda
mais conclusiva foi uma pesquisa realizada na Nova Zelândia, ao longo de vinte
anos, com milhares de pessoas. Constatou-se que indivíduos submetidos a graves
abusos durante a infância eram mais propensos a ações violentas na idade
adulta.
Lembrei-me
em seguida de Devin Moore. Trata-se de um jovem norte-americano que viciou-se
em um violento videogame cujo objetivo é roubar carros e matar policiais.
Passados alguns anos, em um dado dia, sem o menor motivo, o rapaz saiu pelas
ruas decidido a roubar um carro. Acabou preso.
Na
Delegacia, conseguiu pegar uma arma e matou três policiais. Condenado à morte,
declarou que “a vida é como um videogame: em alguma hora você morre”. Enquanto
isso, diversos estudos concluíram que 80% das crianças norte-americanas se
divertem com jogos similares – aliás, descobri até um cujo objetivo é estuprar
mulheres. Vamos aos resultados: segundo a Escola de Medicina de Nova York,
essas crianças são onze vezes mais propensas a apresentar comportamentos
agressivos.
Recordei-me,
então, de um alerta da Associação Americana de Psicologia no sentido de que
antes de completar o 1º grau as crianças norte-americanas já viram 8.000
assassinatos e 100.000 atos de violência na TV.
Sociedades
cada vez mais violentas deixam antigos valores pelo caminho, diz autor
Encerrei
minhas divagações recordando um excepcional editorial do jornal The Japan
Times: “A urbanização e o colapso da convivência familiar privaram as crianças
de espaços físicos e sociais onde eles se sentiam queridos e onde podiam
desenvolver amizades. E os pais estão tão preocupados com o tempo e perturbados
pelo trabalho que já quase não interagem com seus filhos. Muitas crianças que
se tornam violentas carregam um profundo sentimento de terem sido
negligenciadas ou ignoradas”.
Diante
disto tudo, pense agora nas escolas – de ontem e de hoje. Aguce sua memória e
converse com algum professor idoso. Descubra a chocante queda no nível de
civilização das salas de aula, independentemente de elas se situarem em locais
pobres ou ricos.
Agora
simplesmente olhe para sua rua. Perceba nela uma sociedade a cada dia mais
violenta e desigual, angustiada pela falta brutal de, em uma expressão,
espiritualidade.
Pois é.
Será que temos ignorado a boa e velha matemática?
Pedro Valls Feu Rosa
Desembargador
desde 1994, foi presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) no
biênio 2012/2013.
Congresso em Foco
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