Felipe Zmoginski
As
notícias de que a China construirá um hospital com mil leitos em apenas seis
dias, na cidade de Wuhan, epicentro da crise causada pelo coronavírus, causaram
espanto e comoção em todo o mundo. Afinal, como é possível erguer uma obra
deste porte tão rapidamente? Há até um link com transmissão das obras em tempo
real. O hospital, que deve ser inaugurado já no próximo final de semana, entre
os dias 1 e 2 de fevereiro, é um símbolo de como aquele país contorna
obstáculos técnicos e burocráticos, avançando velozmente em direção a seus
objetivos. No caso, assegurar tratamento a todos os doentes de Wuhan, sem
precisar trasladá-los para outras localidades, o que elevaria o risco de
transportar o coronavírus a novas províncias.
Apesar
de o direito à propriedade privada ter se tornado comum após as reformas dos
anos 80, a propriedade dos terrenos onde se constroem casas, fábricas ou
se instalam fazendas é sempre pública, do povo da China. Ou do governo, se
preferir ler assim. Esta é a razão legal que permite ao poder
público deslocar pessoas e ocupar espaços muito rapidamente, apenas
pagando indenizações por "bem-feitorias" ou, basicamente, construções
feitas em terras que, em última análise, são públicas. Por isso, é
mais simples (e barato) abrir estradas, linhas de metrô, fazer grandes obras
públicas.
Além
disso, apesar de ser uma nação oficialmente comunista, a China possui um
sistema público de saúde de fazer corar até os economistas mais liberais
do Ocidente. Não há, por exemplo, saúde pública universal, como o SUS, no
Brasil, e mesmo os hospitais públicos, cobram seus pacientes quando atendidos.
Se não puderem pagar, bem, não serão recebidos.
Para
muitos especialistas, este sistema deve-se menos à maldade dos dirigentes
chineses e mais à demografia. É impossível universalizar a saúde para uma
população que representa 20% de toda humanidade. O que o poder público faz é
subsidiar consultas e medicação. No mais, se você não tiver seguro-privado,
terá que pagar a conta sozinho.
Tal desafio,
sem correlação no mundo, fez da China o paraíso das health techs. Pressionado
por uma população que envelhece e requer cuidados, o governo chinês liberou o
uso de novas tecnologias em saúde que, em muitos países, estão embargadas por
discussões éticas, regulatórias ou simplesmente emperradas por lobbies de
médicos. Com exceção dos funcionários públicos, como professores e policiais
(que podem usar hospitais do governo de graça) e empregados formais de empresas
privadas (que possuem seguro saúde obrigatório, por lei), todos os demais
cidadãos devem arcar com suas despesas médicas. De acordo com a Organização Mundial
de Saúde, 34,4% dos chineses estão nesta situação: sem seguro oferecido pelo
empregador, seja público ou privado.
Empresas
como Ping An Good Doctor, baseada em Shenzhen, e WeDoctor, baseada em Hangzhou,
conquistaram centenas de milhões de clientes ao oferecer planos de saúde de
baixo custo, justamente por otimizarem o atendimento aos pacientes via uso
massivo de tecnologia. No caso da WeDoctor, por exemplo, quiosques e pequenas
clínicas com um só enfermeiro atendem pacientes que se sentem mal. Exames como
medir a pressão, auscultar os pulmões, medir a temperatura e examinar a
garganta são feitos pelo enfermeiro e transmitidos em tempo real para um médico
remoto. A partir da análise, o médico determina a gravidade, pede exames
ou já prescreve o tratamento.
Já o
serviço Good Doctor, designa um médico da família para cada grupo de usuários
em uma mesma casa e os consulta por videoconferência no celular,
periodicamente. Quando necessário, exames são pedidos e consultas presenciais
feitas.
Em ambos
os casos, os exames laboratoriais são lidos por ferramentas de inteligência
artificial, que interpretam os resultados e dão recomendações ao médico.
Estima-se que esta análise automatizada reduza erros médicos em até 40% e eleve
a produtividade dos doutores, sempre um gargalo para universalização da saúde,
em até 25%.
A
liberalidade da legislação de saúde chinesa permitiu, ainda, o surgimento de
unicórnios como o iCarbonX, fundado pelo geneticista Wang Jun. A empresa,
que já vale US$ 4 bilhões, propõe o desenvolvimento de medicações customizadas
para o perfil genético de cada paciente, que tem seu DNA mapeado ao entrar para
a plataforma. O serviço ainda mantém, em nuvem todos os dados médicos de um
paciente, permitindo que médicos de quaisquer época ou especialidade tenham
acesso ao histórico de exames, tratamento e saúde do paciente.
No caso
excepcional das vítimas do coronavírus, um acordo entre os hospitais chineses e
o governo central de Pequim permitirá que todas as vítimas sejam atendidas, sem
custos para o paciente. Para todos os demais casos do dia a dia, serviços
baseados em inteligência artificial e teleconsulta têm sido a solução para
universalizar o acesso médico a uma população que já supera 1,4 bilhão de
pessoas.
UOL
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