José Pio Martins
Daqui a
algumas semanas, o Congresso Nacional retorna com o tema da reforma tributária.
Uma coisa aprendi com a história política do país: nunca houve uma reforma
tributária que tenha diminuída a carga de impostos pagos pela população. Por
mais que o sistema tributário seja caótico, disforme, complicado, caro e
injusto, não vejo como desta vez será diferente. Aliás, tem havido
aumentos de impostos no Brasil inteiro quase silenciosamente.
Citemos
dois exemplos. Um, a elevação do imposto sobre veículos (o IPVA) de 2,5% para
3,5%, que representou aumento de 40% no total a pagar. Na conta de energia,
quase metade do valor são tributos, e chegou a esse ponto sem a população
perceber claramente, pois os impostos sobre energia são principalmente
indiretos, estão embutidos (escondidos) no preço.
Nas mais
importantes revoluções ao longo da história, a revolta contra os impostos
esteve presente. A Revolução Inglesa (1689), A Revolução Americana (1776) e A
Revolução Francesa (1789) tiveram, como uma das causas, a revolta contra o
excesso de tributação interna ou contra a tributação imposta pelo império sobre
a colônia. Aqui mesmo no Brasil, tivemos movimentos sangrentos contra a pesada
tributação imposta por Portugal. Tiradentes morreu por lutar contra a
“derrama”, a cobrança forçada dos impostos atrasados, o chamado “quinto”.
Na
Revolução Inglesa, chamada de “gloriosa”, houve grande revolta contra os altos
impostos e o direito do rei de elevar tributos a qualquer momento e em qualquer
medida. A Inglaterra vivia sob a monarquia absoluta, o rei detinha poderes
plenos e não se submetia às mesmas leis impingidas aos cidadãos. O resultado
foi a substituição da monarquia absoluta pela monarquia parlamentar, o rei
deixou de ser soberano, e expressiva parcela de seus poderes foi transferida ao
parlamento formado por representantes eleitos. Nascia o princípio de que não
pode haver tributação sem representação.
Na
Revolução Americana, uma das causas da revolta e da declaração de independência
dos Estados Unidos em relação à Inglaterra foi a “Revolta do Chá”, em 1773. A
coroa britânica sobretaxou o chá exportado para os Estados Unidos e provocou
indignação geral, inclusive entre os próprios ingleses que haviam emigrado para
a América do Norte.
Na
Revolução Francesa, produtores enraivecidos se revoltaram contra as
arbitrariedades no aumento de tributos e contra a figura dos contratadores (ou
rendeiros gerais), que detinham o direito, cedido a eles pelo rei mediante
pagamento, de cobrar tributos sobre determinado produto ou região. O famoso
cientista Antoine Lavoisier, considerado pai da química moderna, foi
guilhotinado pelos revoltosos em dezembro de 1771 porque era um contratador, ou
rendeiro geral.
Esses
fatos históricos nos remetem aos poderes concedidos a prefeitos, governadores e
presidente da República para criar e aumentar tributos sem passar pelos
representantes do povo. O chefe do Poder Executivo também é eleito pelo povo,
mas como ele administra os gastos públicos, não se deve dar-lhe poderes para
criar ou elevar tributos. Isso é como dar ao síndico de um prédio o direito de
cobrar taxas dos moradores sem submeter à votação e aprovação deles.
É
essencial para a segurança jurídica, a previsibilidade econômica e a paz social
que a criação ou a elevação de tributos seja votada pela câmara de
representantes. A divisão de poderes entre legislativo, executivo e judiciário,
que devem ser harmônicos e independentes entre si, com poderes limitados, é
fundamental para a defesa do indivíduo contra os excessos e o arbítrio do
governo e dos governantes.
Um dos
problemas da existência dessa entidade chamada “Estado” e de seu braço
executivo, o governo, é que não há anjos na Terra. É grande a parcela de
governantes e burocratas, inclusive os concursados, que uma vez no governo
colocam seus interesses pessoais acima dos interesses daqueles que os puseram
lá. Uma das facetas dessa realidade é que, uma vez no cargo público, o eleito
ou concursado mude de lado. Isto é, ele passa a representar o Estado, não a
sociedade. Seria esperar muito da natureza humana que fosse diferente.
Não nos
iludamos: o primeiro objetivo de quem disputa eleição é conseguir o poder; o
segundo é manter-se no poder. Para muitos, o objetivo é mandar e se enriquecer
no cargo. Então, a sociedade deve cuidar para que haja limitação dos poderes do
governo e o controle das ações dos governantes, coisas das quais não gostam os
governantes com inclinação autoritária. Entre as limitações, deve estar a
limitação do direito de impor tributos.
José Pio Martins, economista, é
Reitor da Universidade Positivo.
Alerta Total
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