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A cena
chocante aconteceu no domingo (09/02), em meio à grave crise política que
atinge o país da América Central.
A tensão
entre os poderes Executivo e Legislativo culminou não só na ocupação da sede do
Congresso pelas Forças Armadas, alinhadas ao presidente, como também na
realização de uma manifestação popular nos arredores do prédio convocada pelo
governo.
O
presidente do país, Nayib Bukele, está pressionando os parlamentares a aprovar
a negociação de um empréstimo de US$ 109 milhões para implementar seu plano de
segurança pública.
"Vamos
dar uma semana a esses sem-vergonhas", declarou Bukele no domingo.
Na
quinta-feira, o presidente salvadorenho anunciou por meio do Conselho de
Ministros que convocaria uma sessão extraordinária do Congresso para domingo
com o objetivo de aprovar o empréstimo.
A
convocação foi baseada no Artigo 167 da Constituição, que estabelece que entre
os poderes do Conselho de Ministros está "convocar extraordinariamente o
Congresso quando os interesses da República exigirem".
De
acordo com a imprensa local, este dispositivo nunca havia sido acionado.
Os
parlamentares rejeitaram a medida, e muitos afirmaram que não compareceriam à
sessão.
Bukele
lembrou, por sua vez, que a Constituição contempla a possibilidade de uma
insurreição popular contra os parlamentares.
"Eles
são obrigados constitucionalmente a participar da sessão extraordinária. Se
alguém quebra a ordem constitucional, o povo tem o Artigo 87", afirmou o
presidente na sexta-feira.
O Artigo
87 reconhece "o direito do povo à insurreição, com o único objetivo de
restaurar a ordem constitucional alterada pela transgressão das normas
relativas à forma de governo ou ao sistema político vigente, ou pelas graves
violações dos direitos consagrados na Constituição".
Choque de poderes
A
iniciativa de Bukele foi questionada pelo Congresso.
Em comunicado
divulgado após o anúncio do presidente, o Poder Legislativo afirmou que, como o
objetivo da convocação era aprovar um empréstimo, não se tratava de uma
"emergência constitucional".
"Não
há condições materiais que justifiquem a convocação extraordinária, já que a
simples evocação da segurança não é suficiente para permitir o exercício de um
Poder, em cumprimento ao princípio da separação de Poderes, que deve ser
utilizado excepcionalmente", afirmou o Legislativo.
No
sábado à tarde, as tensões aumentaram ainda mais.
O
ministro da Defesa, René Merino Monroy, fez uma declaração destacando que as
Forças Armadas do país são "uma instituição profissional, apolítica e não
deliberativa, subordinada ao poder civil", ratificando que permanecem
"obedientes ao presidente e comandante-geral das Forças Armadas, Nayib
Bukele".
O
diretor da Polícia Civil Nacional, Mauricio Arriaza Chicas, também reiterou seu
apoio a Bukele.
"Em
respeito ao cumprimento de nossas leis, como determina a Constituição da
República, apoiamos o presidente @nayibbukele em sua luta justa para fazer de
nosso país, o país que merecemos", escreveu no Twitter.
No
domingo, foi implantado um forte esquema de segurança em torno do Congresso.
A
presença de militares e policiais não se limitou, no entanto, aos arredores do
prédio — soldados armados com fuzis ocuparam a sala onde são realizadas as
sessões parlamentares, o que gerou fortes críticas não apenas dos políticos da
oposição, como também de organizações internacionais de defesa dos direitos
humanos.
"Em
El Salvador, @nayibbukele decidiu intimidar o Congresso, cercando e invadindo
(o prédio) com militares. Isso ameaça a democracia e deve sem dúvida ser condenado",
escreveu José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da ONG Human Rights
Watch, em sua conta do Twitter.
A
diretora da Anistia Internacional para as Américas, Erika Guevara Rosas, também
repudiou a "ostensiva" presença militar e policial no Congresso.
Mas,
afinal, qual é a origem da crise?
Segurança e poder
O
empréstimo que Bukele quer aprovar se refere à implementação da terceira fase
do Plano de Controle Territorial, que tem como objetivo modernizar o aparato da
Polícia Civil e das Forças Armadas.
O plano
faz parte da estratégia do presidente de combate aos graves problemas de
segurança pública de El Salvador, considerado um dos países mais violentos do
mundo e onde há atuação generalizada de gangues armadas.
O
governo afirma ter feito grandes avanços nesta área desde que Bukele tomou
posse em junho do ano passado. De acordo com o Ministério da Segurança, foram
registrados quase 1 mil homicídios a menos em 2019 que no ano anterior.
Em
agosto do ano passado, Bukele apresentou a terceira fase do plano, que previa a
negociação de um empréstimo de US$ 109 milhões com o Banco Centro-americano de
Integração Econômica.
Em 27 de
janeiro, parlamentares de todos os partidos — com exceção do FMLN, de esquerda
— aprovaram um parecer que permitia ao Executivo negociar o empréstimo com o
banco.
No
entanto, três dias depois, a Arena — partido de direita que detém 37 dos 84
assentos da Casa — decidiu retirar seu apoio à resolução, alegando que o
assunto merecia mais estudos.
Embora
Bukele tenha terminado seus primeiros seis meses de governo com um nível de
aprovação superior a 80%, ele conta com muito pouco apoio no Congresso.
O
presidente não conseguiu concorrer representando o movimento Novas Ideias,
então acabou disputando as eleições sob a sigla da Grande Aliança pela Unidade
Nacional (Gana), que conta com apenas 10 deputados na Assembleia Legislativa.
Assim, a
maioria absoluta do Parlamento está nas mãos dos partidos da oposição Arena e
FMLN, que juntos somam 60 dos 84 assentos.
No
domingo, diante do Congresso praticamente vazio, Bukele manifestou claramente
seu desejo de que haja uma mudança na formação do Parlamento.
"Gostei
de ver esses lugares vazios. Tornou mais fácil imaginá-los cheios de pessoas
honestas trabalhando para o povo. Talvez no 28F, talvez quando o povo
decidir", escreveu o presidente no Twitter, se referindo a 28 de fevereiro
de 2021, para quando estão previstas as próximas eleições legislativas no país.
Porém,
antes desta data, precisamos ver qual será a resposta das forças políticas e
das instituições de El Salvador à atual crise política.
No
domingo, Bukele deu ao Legislativo um ultimato de sete dias para aprovar a
negociação do empréstimo.
"Se
esses sem-vergonhas não aprovarem o plano de controle territorial, voltaremos a
convocar uma sessão para domingo. Esses sem-vergonhas não querem trabalhar para
o povo. Vamos dar a eles uma semana."
"Perguntei
a Deus, e ele me disse: paciência", finalizou o presidente.
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