J.R. Guzzo
Um dos grandes amigos do Brasil e dos brasileiros de hoje
é o calendário. Só ele, e mais nenhum outro instrumento à disposição da
República, pode resolver um problema que jamais deveria ter se transformado em
problema, pois sua função é justamente resolver problemas — o Supremo Tribunal
Federal.
O STF deu um cavalo de pau nos seus deveres e, com isso,
conseguiu promover a si próprio à condição de calamidade pública, como essas
que são trazidas por enchentes, vendavais ou terremotos de primeira linha. Aberrações
malignas da natureza, como todo mundo sabe, podem ser resolvidas pela ação do
Corpo de Bombeiros e demais serviços de salvamento. Mas o STF é outro bicho.
Ali a chuva não para de cair, o vento não para de soprar e a terra não para de
tremer — não enquanto os indivíduos que fabricam essas desgraças continuarem em
ação. Eles são os onze ministros que formam a nossa “corte suprema”, e não
podem ser demitidos nunca de seus cargos, nem que matem, fritem e comam a
própria mãe no plenário.
Só há uma maneira da população se livrar legalmente
deles: esperar que completem 75 anos de idade. Aí, em compensação, não podem
ser salvos nem por seus próprios decretos. Têm de ir embora, no ato, e não
podem voltar nunca mais. Glória a Deus.
Demora? Demora, sem dúvida, e muita coisa realmente ruim
pode acontecer enquanto o tempo não passa, mas há duas considerações básicas a
se fazer antes de abandonar a alma ao desespero a cada vez que se reúne a
apavorante “Segunda Turma” do STF — o símbolo, hoje, da maioria de ministros
que transformou o Supremo, possivelmente, no pior tribunal superior em
funcionamento em todo o mundo civilizado e em toda a nossa história. A primeira
consideração é que não se pode eliminar o STF sem um golpe de Estado, e isso
não é uma opção válida dos pontos de vista político, moral ou prático. A
segunda é que o calendário não para. Anda na base das 24 horas a cada dia e dos
365 dias a cada ano, é verdade, mas não há força neste mundo capaz de impedir
que ele continue a andar. Levará embora para sempre, um dia, Gilmar Mendes,
Antônio Toffoli, Ricardo Lewandowski. Antes deles, já em novembro do ano que
vem e em julho de 2021, irão para casa Celso Mello e Marco Aurélio — será a
maior contribuição que terão dado ao país desde sua entrada no serviço público,
como acontecerá no caso dos colegas citados acima. E assim, um por um, todos
irão embora — os bons, os ruins e os horríveis.
Faz diferença, é claro. Só os dois que irão para a rua a
curto prazo já ajudam a mudar o equilíbrio aritmético entre o pouco de bom e o
muitíssimo de ruim que existe hoje no tribunal. Como é praticamente impossível
que sejam nomeados dois ministros piores do que eles, o resultado é uma soma no
polo positivo e uma subtração no polo negativo — o que vai acabar influindo na
formação da maioria nas votações em plenário e nas “turmas”. Com mais algum
tempo, em maio de 2023, o Brasil se livra de Lewandowski. A menos que o
presidente da época seja Lula, ou coisa parecida, o ministro a ser nomeado para
seu lugar tende a ser o seu exato contrário — e o STF, enfim, estará com uma
cara bem diferente da que tem hoje. O fato, em suma, é que o calendário não
perdoa. O ministro Gilmar Mendes pode, por exemplo, proibir que o filho do
presidente da República seja investigado criminalmente, ou que provas ilegais,
obtidas através da prática de crime, sejam válidas numa corte de justiça. Mas
não pode obrigar ninguém a fazer aniversário por ele. Gilmar e os seus colegas
podem rasgar a Constituição todos os dias, mas não podem fugir da velhice.
O Brasil que vem aí à frente, por esse único fato, será
um país melhor. Se você tem menos de 25 ou 30 anos de idade, pode ter certeza
de que vai viver numa sociedade com outro conceito do que é justiça. Não estará
sujeito, como acontece hoje, à ditadura de um STF que inventa leis, censura
órgãos de imprensa e assina despachos em favor de seus próprios membros. Se
tiver mais do que isso, ainda pode pegar um bom período longe do pesadelo de
insegurança, desordem e injustiça que existe hoje. Só não há jeito, mesmo, para
quem já está na sala de espera da vida, aguardando a chamada para o último voo.
Para estes, paciência.
(Poderiam contar, no papel, com o Senado — o único
instrumento capaz de encurtar a espera, já que só ele tem o poder de decretar o
impeachment de ministros do STF. Mas isso não vai acontecer nunca; o Senado brasileiro é algo geneticamente
programado para fazer o mal).
Para a maioria, a vitória virá com a passagem do tempo.
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