segunda-feira, 2 de setembro de 2019

O cientista americano que vazou informações sobre a bomba atômica para os soviéticos e se safou

Da Redação

Em 29 de agosto de 1949, a União Soviética tornou-se oficialmente a segunda "nação atômica" quando detonou sua primeira arma nuclear - uma bomba de plutônio conhecida como RDS-1.

O teste surpreendeu os governos ocidentais. De acordo com arquivos da CIA, por exemplo, os agentes dos Estados Unidos achavam improvável que os soviéticos pudessem produzir uma bomba nuclear antes de 1953.

Não foi uma coincidência que a RDS-1 tivesse uma grande semelhança com "Fat Man", a bomba de plutônio que os EUA detonaram sobre a cidade japonesa de Nagasaki em 9 de agosto de 1945.

Informações sobre o projeto da bomba foram passadas para os soviéticos a partir do Projeto Manhattan, o codinome do programa de armas atômicas liderado pelos EUA, em colaboração com a Grã-Bretanha e o Canadá.

Espantosamente foi um cientista americano, Theodore Hall, que ajudou as ambições nucleares de Moscou ao repassar informações sigilosas aos soviéticos.

De fato, Theodore Hall não foi o único cidadão americano que vazou segredos atômicos para os rivais, mas sua particularidade é ter se safado.
Mas como esse cientista nuclear de Nova York, ligado à Universidade Harvard, se tornou um espião?

Segredo de Estado
O sigilo foi crucial. Para citar um artigo da revista Life publicado em 1945, "provavelmente não mais do que algumas dezenas de homens em todo o país conheciam o Projeto Manhattan".

Um desses homens era Theodore Hall.
Nascido em 20 de outubro de 1925, filho de uma dona de casa e de um empresário, Hall cresceu durante a Depressão, uma era cheia de dificuldades para os americanos comuns.

Mas isso não impediu Hall de avançar como um gênio em matemática e física.
Aos 16 anos, ele conseguiu vaga na prestigiosa Universidade Harvard, onde se formou em 1944.

Seu desempenho estelar como estudante não passou despercebido pelas autoridades dos EUA, que estavam procurando pessoas para trabalhar em seu novo programa nuclear.

Hall foi entrevistado para uma posição no laboratório secreto de Los Alamos em 1943.

Colega de quarto comunista
No entanto, o que os oficiais americanos não sabiam era que o jovem físico já havia passado por outro tipo de recrutamento.
Hall era membro da organização estudantil marxista de Harvard e, seu colega de quarto era um aluno chamado Saville Sax.
Filho de imigrantes russos, Sax era um comunista, também nascido e criado em Nova York.

Foi Sax que recrutou Hall para os soviéticos, e serviu como mensageiro dos segredos nucleares.
Em dezembro de 1944, o jovem cientista Hall, com a ajuda de seu ex-colega de quarto, entregou o que é considerado o primeiro segredo atômico vazado de Los Alamos - uma atualização sobre a criação da bomba de plutônio.

"Durante o ano de 1944, eu estava preocupado com os perigos de um monopólio americano de armas atômicas se houvesse uma depressão pós-guerra", disse Theodore Hall em um comunicado escrito publicado no New York Times em 1997, dois anos antes de sua morte por câncer de rins.

'O Jovem'
Hall argumentou que uma URSS nuclear nivelaria o campo de jogo e serviria como contenção aos EUA.
"A União Soviética na época não era o inimigo, mas o aliado dos Estados Unidos." Para Hall, "o povo soviético lutou heroicamente contra os nazistas, a um tremendo custo humano, e isso pode ter salvado os aliados ocidentais da derrota".

O americano tornou-se conhecido pelos soviéticos como "o jovem" e alimentaria ainda mais Moscou com informações tecnológicas específicas, especialmente o trabalho sobre o princípio da implosão - um novo método para detonar bombas feitas de plutônio.

A bomba que os EUA lançaram sobre a cidade japonesa de Nagasaki era baseada em plutônio, ao contrário da que visava Hiroshima, que usava urânio.

Mensagens criptografadas
Os EUA e a URSS podem ter lutado contra o mesmo inimigo na Segunda Guerra Mundial, mas isso nunca impediu que Moscou e Washington se espionassem.

Na verdade, o gigantesco projeto de contrainteligência dos Estados Unidos, dirigido aos soviéticos, conhecido como Venona, começou a funcionar já em fevereiro de 1943.

Em dezembro de 1946, seus decodificadores finalmente conseguiram decifrar as comunicações do NKVD, o Ministério do Interior da União Soviética.

Os cabos telegráficos interceptados revelaram a existência da espionagem soviética no Projeto Manhattan.
Hall estava fazendo seu PhD na Universidade de Chicago em 1950, quando o FBI veio bater à sua porta.

Ele havia sido identificado como colaborador de Moscou em uma mensagem criptografada.

Outro espião de Los Alamos, o físico alemão Klaus Fuchs, havia sido preso no ano anterior, confessando seu papel no envio de segredos nucleares americanos ao inimigo.

No entanto, o FBI não conseguiu extrair uma confissão de Theodore Hall, nem de Saville Sax, a quem eles também interrogaram.

Nenhum cientista foi mencionado nominalmente por nenhum dos outros espiões acusados. O uso da vigilância não produziu nenhuma prova de espionagem, pois Hall estava praticamente inativo depois do Projeto Manhattan.
Havia, claro, as mensagens de Moscou, que poderiam ter sido usadas ​​como prova. Mas as autoridades americanas relutaram em usá-las no tribunal, pois isso tornaria público que elas conseguiram decodificar as mensagens soviéticas.

No final, Hall fugiu, ao contrário de outros que cumpriram pena de prisão, ou foram executados sob a acusação de espionagem.
Mas ainda assim, Hall e sua esposa temiam por sua segurança. Ele deixou seu posto acadêmico em Chicago e aceitou um trabalho de pesquisa discreto em um hospital de Nova York. Então, em 1962, uma oferta de trabalho veio da Universidade de Cambridge, e ele se mudou para o Reino Unido com sua esposa.

Hall se aposentou em 1984 e estava pronto para viver uma vida discreta.
Mas em 1996, seu passado veio à tona. Os telegramas revelando seu contato com os russos perderam o caráter sigiloso e abertos ao público.

Naquela época, todas as testemunhas conhecidas das atividades de Hall já estavam mortas, incluindo Saville Sax.

Exposto
"Até foi dito que eu mudei o curso da história", disse Hall aos repórteres do New York Times.
"Talvez o curso da história, se inalterado, pudesse ter levado à guerra atômica nos últimos 50 anos, por exemplo, uma bomba poderia ter sido lançada sobre a China em 1949 ou no início dos anos 50."
"Bem, se eu ajudei a evitar isso, aceito a acusação", declarou ele.

Não houve ataques nucleares desde Hiroshima e Nagasaki, e Theodore Hall foi até o túmulo acreditando que ele tinha um dedo nisso.

BBC

Nenhum comentário: