André
Rehbein Sathler
Autor aborda o
programa de intenções do PMDB “Ponte para o Futuro” à luz da escola econômica
keynesiana: “Diante do propalado terrorismo a ser feito pelos movimentos
sociais, espera-se que qualquer medida de austeridade proposta seja taxada de
austericídio”
Viver
do que era seu (fisco, a propriedade privada do soberano) foi o desafio
proposto pelo Parlamento inglês aos seus monarcas, sucessivamente, ao longo de
um processo secular: que problemas com o fisco não contaminassem o erário
(dinheiro público, do príncipe e do reino). A busca do equilíbrio fiscal esteve
na raiz do surgimento das democracias como vivenciadas na atualidade, pois foi
o leitmotiv da afirmação de autoridade do corpo parlamentar perante o
monarca, até então absoluto.
Não
é à toa que na raiz das grandes revoltas populares sempre estiveram a falta de
pão e o imposto. Esse último esteve galgado, portanto, a condição tão ominosa
quanto a fome. Pois o imposto é uma apropriação que só não é indébita porque
quem a ela recorre é o Leviatã, monstro suficientemente poderoso para impor sua
vontade. Mas, como já dizia o florentino, é muito difícil ao governante ser
amado e temido. Quem planta medo, colhe desamor.
Diante
do descalabro das contas públicas, o programa Ponte para o Futuro, apresentado
pelo PMDB, aponta, como as duas primeiras medidas fundamentais, a busca pelo
equilíbrio fiscal duradouro e o estabelecimento de limite para as despesas de
custeio, inferior ao crescimento do PIB, por meio de lei. Trata-se de uma
questão importante. E por isso é relevante que haja clareza quanto às razões
para sua importância.
Keynes,
inspirador de vertente teórica na Economia que leva o seu nome, afirmou que
muitas vezes prevalece entre as pessoas uma psicologia confusa. Graças a
ela, por exemplo, a posição de equilíbrio fiscal é associada a visões
estritamente neoliberais, enquanto que uma posição desenvolvimentista, de
inspiração keynesiana, deveria assumir o déficit público como
inevitável e necessário. Esquece-se que Keynes ainda trabalhava com uma visão
de governo baseada na arrecadação de impostos, e não em dívida. Para o famoso
economista inglês, o gasto público via endividamento devia ser considerado como
poupança negativa. Dado o papel da poupança como elemento dinâmico no modelo
econômico de Keynes, é possível ter clareza de em que conta ele leva o
endividamento público.
É
fato que Keynes atribuía ao Estado capacidades e competências em relação à
economia das nações. Dava valor à política monetária. Dizia que o Estado tinha
uma posição privilegiada para calcular a eficiência marginal dos bens de
capital a longo prazo e deveria, portanto, ser protagonista na organização
direta dos investimentos, tomando como base o interesse público geral.
Aqueles
desejosos de encontrar nessa afirmação um viés estatizante, contudo, vão se
decepcionar. Pois logo depois Keynes afirma não enxergar qualquer razão que
pudesse justificar o que chamou de socialismo do Estado e rechaça a
propriedade estatal dos meios de produção. Neoliberal? Não por conta disso. Ele
defendia, com igual força, o papel direcionador do Estado, na linha de
assegurar o pleno emprego.
Disse
que esse objetivo requeria uma considerável extensão das funções
tradicionais de governo. Neoliberal? Aliás, a crítica de Keynes à escola
clássica da economia relacionava-se à sua percepção de que essa modelava o
mundo de modo a entendê-lo, só que depois, esquecendo-se de que se trata de um
modelo, passa-se a considerá-lo como o mundo real.
Percebe-se
que Keynes não estava defendendo estritamente o gasto público. No exemplo que é
sempre citado, Keynes dizia que valeria a pena que o governo contratasse
pessoas para abrissem buracos e depois pessoas que fechassem os mesmos buracos.
Descontextualizada, essa afirmação parece justificar justamente o gasto público
inconsequente.
No
contexto em que foi feita, Keynes discutia situações de desemprego rigoroso,
nas quais, o gasto público, ainda que de duvidosa utilidade, teria um
papel compensador, mesmo que apenas por significar uma menor necessidade de
gastar diretamente com assistência. Percebe-se que Keynes estava falando de um
Estado que funcionasse. Não do tamanho do Estado. Funcionando, poderia exercer
papel direcionador dos investimentos e realocador de renda com mais
inteligência do que a mera transferência direta. O Leviatã é mais alto, então
enxerga mais longe. E tem mais força do que qualquer outro agente dentro de uma
economia nacional.
Que
a ponte para o futuro seja construída com cimento sólido é garantia de que não
vai desabar com a primeira onda. Diante do propalado terrorismo a ser feito
pelos movimentos sociais, espera-se que qualquer medida de austeridade proposta
seja taxada de austericídio. Para que seu projeto resista, o construtor da
ponte para o futuro terá que ousar na arquitetura, de modo que as privações
propostas para o dia de hoje sejam suficientemente mitigadas pelas satisfações
prometidas para o dia de amanhã. E precisará ser rigoroso na engenharia, de
modo que as expectativas encontrem âncoras firmes para guiá-las.
Para
tanto, mais do que apresentar novas ideias, esse construtor precisará escapar
das velhas, como afirmou o defunto com o qual conversamos nesse artigo: “A
dificuldade não está nas novas ideias, mas em escapar das velhas, que se
ramificam, para aqueles que foram criados como a maioria de nós foi, por todos
os cantos de nossas mentes”.
André
Rehbein Sathler
Doutor
em Filosofia e docente do Mestrado Profissional em Poder Legislativo da Câmara
dos Deputados.
Congresso em Foco
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