Leandro Roque
Devo confessar que até fiquei temporariamente animado — mas só
um pouco! — com o governo interino de Michel Temer após ele ter tomado, logo de
início, duas medidas politicamente incorretíssimas: a extinção do Ministério da
Cultura (o que irritou a
endeusada classe artística, provando que a medida era correta) e a
montagem de um ministério sem
mulheres (uma afronta às feministas e aos seguidores da
ideologia de gênero).
Após essas duas medidas, pensei: esse sujeito é corajoso.
Logo no primeiro dia, ele já afronta dois dos mais poderosos grupos de
interesse do país.
Mas aí, como que para provar que o meu espanto era justificado,
o libanês rapidamente capitulou e não apenas criou uma tal Secretaria
Nacional da Cultura, para apaziguar a classe artística, como ainda
anunciou que não abre mão de que ela seja chefiada por uma
mulher, para apaziguar as feministas.
Ou seja, como diriam na cultura popular, Temer
"arregou".
Já está claro, portanto, que dele não poderemos esperar atitudes
corajosas. Normal, afinal ele é um político de carreira. Nossa única, e
escassa, esperança pairará então sobre o novo Ministro da Fazenda, Henrique
Meirelles. Pelo menos voz e aparência de durão ele tem. Resta ver
se isso é só pose ou se ele de fato é tudo aquilo que seus admiradores juram
que ele é.
Em suas recentes entrevistas, Meirelles tem deixado claro que a
prioridade do governo interino será controlar os
gastos do governo, estancar o
crescimento da dívida pública, e até mesmo reduzir a dívida
pública.
Pois bem. Dizer que o governo interino deve reduzir ministérios e demitir
imediatamente todos os apaniguados que a máquina petista
incrustou no estado para aparelhá-lo é chover no molhado. Isso é o mínimo
que se espera. Se Temer e Meirelles não tiverem coragem de fazer nem esse
básico — o que talvez teria o apoio até mesmo da classe artística —, então não
há motivos nenhum para eles estarem o poder.
Por isso, as medidas tomadas devem ser mais agressivas e
ousadas. Se o objetivo de Meirelles é controlar os gastos, estancar o
crescimento da dívida pública e até mesmo reduzi-la, há uma única medida que
ele pode tomar imediatamente, e que lograria esses três objetivos.
Ministro, feche o BNDES e acabe com o Bolsa-Empresário.
Como funciona o BNDES
Desde que Guido Mantega deixou a presidência do BNDES e se
tornou Ministro da Fazenda, em março de 2006, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social tornou-se uma peça-chave no modelo de
desenvolvimento proposto pelo governo petista.
Só que o BNDES, quando despido de toda a propaganda ideológica,
não passa de uma perniciosa máquina de redistribuição de renda às
avessas. Uma vez que você entende como realmente funciona este suposto
banco de desenvolvimento, torna-se claro seu mecanismo espoliativo.
Originalmente, os recursos do BNDES eram oriundos do FAT (Fundo
de Amparo ao Trabalhador — fundo destinado a custear o seguro-desemprego e o
abono salarial). Só que, dado que os recursos do FAT advêm das
arrecadações do PIS e do PASEP, na prática os recursos do BNDES eram originados
dos encargos sociais que incidem sobre a folha de pagamento das empresas.
Esse dinheiro era então direcionado para as grandes empresas a juros
subsidiados.
Este arranjo, por si só, já denotava um grande privilégio.
Por que, afinal, as pequenas empresas devem financiar os juros subsidiados das
grandes empresas?
O problema é que essa matriz, já ruim, foi alterada para pior a
partir de 2009. As leis nº 11.948/09,
nº 12.397/11,
nº 12.453/11,
nº 12.872/13,
nº 12.979/14 e
nº 13.000/14 autorizaram
a União a conceder empréstimos ao BNDES, com um "módico" limite de R$
378 bilhões.
Ou seja, se antes o BNDES se financiava exclusivamente via
impostos, a partir de 2009 ele passou a se financiar também via repasses
diretos do Tesouro, na forma de empréstimos.
Só que há um detalhe óbvio: o Tesouro não tem dinheiro sobrando
para emprestar ao BNDES. Consequentemente, para conseguir esse dinheiro,
o Tesouro tem de se endividar. Ato contínuo, ele emite títulos da dívida
com o intuito de arrecadar esse dinheiro.
Repetindo: como, a partir de 2009, o BNDES não tinha todo o
dinheiro que o governo queria destinar a seus empresários favoritos — como o
hoje falido Senhor X, as empreiteiras, e demais "campeãs
nacionais", como BRF, Oi, JBS/Friboi —, o Tesouro começou a
emitir títulos da dívida com o intuito de arrecadar esse dinheiro e repassá-lo
para o BNDES.
Consequentemente, o BNDES foi anabolizado. Sua capacidade
de fazer empréstimos subsidiados aumentou quase que exponencialmente.
O gráfico a seguir mostra a evolução dos empréstimos do BNDES,
atualmente com um saldo de R$ 656 bilhões. Observe a guinada ocorrida em
meados de 2009, exatamente quando essa nova modalidade foi implantada.
Gráfico 1: Evolução dos empréstimos concedidos pelo BNDES. A
linha vermelha (que foi descontinuada em 2013) representa a soma da linha azul
(empresas) com a linha verde (pessoas físicas).
Já o gráfico abaixo mostra o crescimento da quantidade de
títulos emitida pelo Tesouro. Na prática, o gráfico abaixo mostra a
evolução da dívida bruta do Tesouro. Observe que os saltos ocorridos em
2009 e 2010 coincidem com o aumento dos financiamentos do BNDES.
Observe também o atraso de um ano entre o salto ocorrido nos
financiamentos do BNDES em 2014 e na emissão de títulos em 2015. Esse
atraso de um ano foi exatamente por conta das "pedaladas fiscais".
Gráfico 2: evolução da dívida bruta do Tesouro
As quatro consequências nefastas da existência do BNDES
1) Inflação
Em primeiro lugar, vale deixar bem claro que a atual política de
repasses do Tesouro para o BNDES éinerentemente inflacionária.
Como explicado, o Tesouro emite títulos (se endivida) para financiar o
BNDES. E quem compra esses títulos emitidos pelo Tesouro? O sistema
bancário. Como ele compra? Criando dinheiro do nada, pois opera
com reservas fracionárias.
Ou seja, o endividamento do Tesouro para financiar o BNDES é
algo que ocorre via inflação monetária.
Portanto, além de aumentar o endividamento do governo, este
mecanismo utilizado pelo Tesouro para financiar o BNDES também aumenta a
quantidade de dinheiro na economia. E, como mostra o gráfico acima, desde
2009, o BNDES, sozinho, foi o responsável por jogar praticamente R$ 450 bilhões
na economia.
(Todos os bancos estatais em conjunto despejaram na economia,
nesse mesmo intervalo de tempo, R$ 1,2 trilhão (veja o gráfico 6 deste artigo),
o que significa que apenas o BNDES responde por quase 40% desse valor.
Nesse mesmo período, os bancos privados jogaram "apenas" R$
586 bilhões).
Portanto, a primeira consequência direta do BNDES é a inflação
monetária, que gera uma pressão direta sobre os preços.
2) Deterioração da situação fiscal do governo
Além de ter causado uma grande inflação monetária — algo que,
por si só, pressiona a carestia —, esse mecanismo de financiamento do BNDES,
via endividamento do Tesouro, também ajudou a deteriorar o quadro
fiscal do governo. A dívida bruta está em 66,2% do
PIB. Para que se tenha uma ideia, no final de 2013, a dívida
bruta do Brasil estava em 56,7% do PIB.
Ou, falando em termos nominais, a dívida bruta, que estava em R$
2 trilhões ao final de 2009 está hoje em R$ 4 trilhões. Aumento de 100%.
Esse valor da dívida bruta — mais ainda, essa tendência de
aumento —, não apenas foi a responsável direta pelaperda do grau de
investimento (investment grade) concedido pelas três agencias de
classificação de risco ao país, como também ajudou a acelerar a depreciação do real,
o que turbinou ainda mais a inflação de preços.
3) Aumento dos juros e restrição do mercado de crédito apenas
para os grandes
Porém, talvez a mais nefasta consequência da existência do BNDES
é exatamente aquela que é menos comentada: o BNDES é o responsável direto pelos
juros serem tão altos no Brasil.
De um lado, ao conceder empréstimos subsidiados para as grandes
empresas — o Programa de
Sustentação do Investimento, que ficou conhecido como "Bolsa
Empresário", cobrava taxas de juros
de apenas 2,5% ao ano, quando a inflação estava acima de 6% ao ano
—, o BNDES anula completamente os efeitos da SELIC.
A taxa básica de juros estipulada pelo Banco Central tem efeito nulo sobre
os empréstimos do BNDES. No entanto, ela afeta diretamente os custos do
Tesouro para financiar o BNDES. Na prática, o Tesouro (ou seja, o povo
brasileiro) paga a taxa SELIC (14,25%) para financiar o BNDES, e o BNDES cobra
2,5% para financiar as grandes empresas. Ou seja, em termos líquidos, o povo
brasileiro paga para financiar as grandes empresas favoritas do governo.
De outro lado, e esse talvez seja o efeito mais nefasto, os
baixíssimos juros cobrados pelo BNDES têm o efeito de fazer uma segmentação do
mercado de crédito: exatamente por cobrar juros tão baixos, o BNDES irá
emprestar somente para as empresas que têm o melhor perfil de risco e a maior
capacidade de honrar suas dívidas. Consequentemente, os melhores
tomadores serão todos capturados pelo BNDES, deixando as outras empresas —
principalmente as pequenas e as médias, que têm risco maior — para o restante
do sistema bancário.
E como o sistema bancário ficará agora apenas "com as
sobras", os juros cobrados para estes — que têm risco maior e histórico de
crédito mais duvidoso — inevitavelmente serão maiores.
Ou seja, ao fornecer crédito farto e barato para as grandes, o
BNDES captura as empresas com o melhor perfil de risco, deixando para os bancos
privados todas as outras empresas de maior risco. Em economia, tal efeito
é rotulado de "seleção adversa".
E com uma injustiça adicional: dado que o Tesouro paga 14,25%
para qualquer um que lhe emprestar dinheiro, os bancos só irão emprestar para
essas outras empresas a juros muito maiores do que 14,25%. Óbvio.
Qual pequena empresa pode concorrer com o governo federal? Se o banco
pode emprestar a 14,25% para o governo, sem risco nenhum, por que ele
emprestaria a 2,5% para uma pequena empresa qualquer, e ainda correndo muito
risco de calote?
Portanto, as pequenas e médias empresas, além de arcarem com a
dívida do Tesouro para financiar o BNDES, ainda são expulsas do mercado de
crédito pelo próprio BNDES, só conseguindo empréstimos se pagarem juros
estratosféricos.
4) Ineficácia da política monetária
Se há uma máquina cujo funcionamento exige uma criação volumosa
de dinheiro, e se tal dinheiro é emprestado a juros exíguos e imunes à SELIC,
então é óbvio que tal máquina cria uma grave distorção na política monetária.
Como dito acima, de meados de 2009 até hoje, o BNDES sozinho foi
o responsável por jogar R$ 450 bilhões de reais na economia, cobrando juros
baixos e indiferentes a alterações na SELIC. Consequentemente, e por uma
questão de lógica, apenas para contrabalançar os efeitos inflacionários do
BNDES, a SELIC tem de estar constantemente em um nível muito acima daquele em
que poderia estar caso não houvesse o BNDES criando essa distorção no mercado.
Sem o BNDES, os juros poderiam ser menores e, com isso, as
pequenas e médias empresas poderiam ter acesso a mais crédito. Sem esse
fenômeno da "seleção adversa", a expansão da economia privada poderia
ser maior.
Conclusão
Portanto, os empréstimos subsidiados do BNDES, além de
expulsarem as pequenas e médias empresas do mercado de crédito, geram aumento
da dívida do governo, aumentam a inflação de preços e forçam a SELIC a
patamares mais elevados. A SELIC mais elevada, por sua vez, encarece o
serviço da dívida e complica ainda mais a situação da dívida pública, o que eleva
a desconfiança dos investidores — como explicado neste artigo, dívida cara
e em contínua elevação significa temor de novos impostos; e o temor de novos
impostos afeta a intenção de se fazer investimentos de longo prazo; e sem
investimentos, não há crescimento econômico e nem empregos.
Como bônus, dado que a SELIC alta encarece o serviço da dívida,
há um impedimento para que o Banco Central tenha autonomia para elevar ainda
mais os juros em caso de inflação de preços alta (como ocorre atualmente), o
que pode prolongar o período de carestia, desorganizando toda a economia.
Assim como toda e qualquer intervenção estatal, o BNDES gera
consequências nefastas e não-premeditadas sobre todo o resto da economia.
Ele não apenas é uma máquina de criar privilégios para os empresários
umbilicalmente ligados ao governo, como é também uma máquina de desarranjar a
economia.
(Tudo o que foi dito acima sobre o BNDES também se aplica aos
bancos estatais, com a diferença de que estes, ao menos, ainda estão sujeitos a
regras de mercado, cobram taxas de juros marginalmente maiores em seus
empréstimos e, em tese, ainda visam ao lucro. Sim, os bancos estatais devem ser
privatizados — ou, no mínimo, colocados para operar sob as mesmas regras dos
bancos privados. Como já há um artigo exclusivo sobre os bancos
estatais, eles não foram o escopo deste artigo.)
Henrique Meirelles, portanto, pode resolver seus três problemas
— controlar os gastos, estancar o crescimento da dívida pública e até mesmo
reduzi-la — com uma só medida.
Ao fechar o BNDES, ele irá, no longo prazo, impor uma maior
disciplina aos gastos do governo e estancar o crescimento da dívida. E,
para reduzir a dívida, ele não tem de recriar a CPMF e
nem nenhum "imposto transitório": basta ele exigir que as
grandes empresas que foram privilegiadas com empréstimos subsidiados do BNDES —
imorais por todos os motivos acima, mas principalmente porque pagos pelos
cidadãos brasileiros — devolvam o dinheiro.
Só com o PSI foram gastos R$ 362 bilhões em
empréstimos. Dinheiro do povo jogado fora. Por que somos nós que
agora temos de arcar com essa fatura? As empresas privilegiadas — que majoritariamente fizeram obras no
exterior com esse dinheiro — que se virem para devolver o
esbulho. E observe que isso seria apenas a devolução do principal.
Nem se está considerando os juros.
Tal quantia faria maravilhas em reduzir a dívida pública, que é
a intenção declarada de Meirelles.
Como exatamente ele irá equacionar isso é problema dele, e não
meu. O Ministro é ele e não eu. Capacidade para resolver problemas
ele tem de sobra, como comprova sua exitosa carreira.
É claro que, ao fazer isso, ele estaria prejudicando diretamente
seu ex-empregador, o grupo J&F,
que controla a JBS/Friboi. Hora de provar que sua postura e
sua fala de durão são realmente pra valer.
Editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von
Mises Brasil.
Comentário do blog: Artigo didático e correto, mas eu não fecharia o BNDES. Como diria o saudoso Joelmir Betting, não adianta matar a vaca para acabar com o carrapato.
O nosso
problema é em primeiro lugar político, ou, do sistema político. Ele beneficia
os partidos políticos e lhes dá toda autoridade, inclusive sobre os poderes
constituídos.
São eles
que indicam os candidatos para os cargos do executivo e legislativo, que mesmo
depois de eleitos, continuam como funcionários dos partidos. Sem contar que
esses funcionários, uma vez com a chave do cofre na mão e o poder de decretar
“Leis”, se apressam a nomear os juízes dos Tribunais que logo à seguir os
estarão “julgando”. Detalhe: mais de 500 políticos indiciados no STF até hoje,
e apenas 5 condenados. Está na mídia.
Defendo
há décadas o fim dos partidos políticos. O grande engodo é o dogma de que
democracia não pode prescindir dessas organizações criminosas.
Nas
eleições de uma verdadeira democracia (poder do povo), é o eleitor que deve
escolher o candidato. Continua a representatividade, mas agora sem partidos
políticos, que devem ser extintos e proibidos.(MBF).
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