Fernão Lara Mesquita
Por trás
do barulho em torno do impeachment ha um movel muito mais prosaico e
objetivo que as “razões ideológicas” alegadas nos discursos oficiais cuja
elisão torna impossível compreender os papéis assumidos por cada ator do nosso
patético dramalhão.
Ele se chama dinheiro.
Produzir
contas devastadoras sem dar satisfação a ninguém é prerrogativa exclusiva
daquele “nós” do “nós contra eles” de que vivem falando o ex-presidente Lula e
a ainda presidente Dilma. Pagá-las é sempre a cova com palmos medida desses
latifundios que cabe exclusivamente ao “eles”. Este nosso doloroso transe gira
essencialmente em torno de definir quem vai pagar a última, recorde absoluto de
todos os tempos. Como está claro que desta vez não vai ser possivel jogar tudo
nas costas dos “eles” de sempre e os “nós” terão de devolver uma parte
significativa do que tomaram à Nação se quisermos que a economia volte a
respirar, os ânimos estão pra lá de exaltados, com “o exército” adrede
convocado todo ele nas ruas, viajando em ônibus pagos por nós, os “eles”, do
Oiapoque ao Chuí, carregando sempre aquele mesmo elegante conglomerado de
barracas brancas e pontiagudas de onde partem as “manifestações espontâneas”
desses “movimentos sociais” para rugir, seja de dentro dos salões do Palácio do
Planalto, seja nas avenidas paulistas do Brasil, que no que é daqueles tantos
poucos ninguém há de tocar.
A partir
da catastrófica Constituição de 88, quando a carga fiscal estava em 24% do PIB,
em linha com a de países do mesmo nível de desenvolvimento, começa o “ciclo de
expansão fiscal” que a trouxe até os 36% do PIB nominais de hoje aos quais a
orgia petista acresceu outros 10% do PIB de deficit basicamente distribuindo e
incentivando a distribuição de cargos e salários na União, nos estados e nos
municípios enquanto subsidiava o consumo do povão com dinheiro dos impostos
compartilhados com esses entes da falecida federação. Não obstante a excelente
opinião sobre si mesma que tem Dilma Rousseff, foi esse redobrar dos gastos
junto com o minguar da arrecadação para comprar poder dentro do Estado e votos
fora dele que acabou de quebrar o Brasil e enterrar na miséria os eleitores de
2014 que ela tapeou com as nada inocentes “pedaladas” com que tratou de
esconder sua falcatrua.
A
situação resultante é de uma clareza meridiana: nada menos de 46% de tudo que o
Brasil inteiro produz é apropriado pelos 11 milhões e 100 mil indivíduos
humanissimamente humanos (5,4% da população) em que se corporifica a entidade
mítica reverencialmente chamada de Estado. São R$ 2.714.000.000.000,00 (dois
trilhões setecentos e quatorze bilhões de reais) sobre um PIB de 5,9 trilhões
em 2015 mas, cada vez mais, só isso não chega. Tudo se esvai na “sustentação da
máquina” com benefício menor que zero para o contribuinte em matéria de
educação, saude, saneamento, infraestrutura e segurança publica. O governo
investe hoje menos (2,4% do PIB) do que investia em 1988 (3% do PIB), antes da
proporção do PIB que abocanha quase dobrar.
Por cima
dos funcionários que têm qualificação, trabalham e em geral são miseravelmente
pagos, boia a nata cada vez mais grossa dos não concursados filhos do comércio
de “governabilidade” e dos detentores da dita “autonomia administrativa” que se
outorgam supersalários recheados de “auxílios” isentos de imposto de renda. E
acima de todos exibem a sua impunidade os donos dos “cargos de confiança”,
eufemismo para os parentes e amigos mais queridos e para os agentes explícitos
dos ladrões, seus padrinhos, que sugam o sistema naquela medida que fez do país
o campeão mundial da corrupção.
O numero
de funcionários não chega a ser exagerado comparado ao resto do mundo. Mas a
consagração do privilégio oficial e explicitamente como prêmio pela
cumplicidade com esquemas criminosos de perpetuação no poder baniu do serviço
público os últimos traços de meritocracia e sentido republicano. Cada órgão
público, na razão inversa da sua real necessidade para qualquer coisa que
interesse ao contribuinte, incorpora hoje um sistema completo de hotelaria de
luxo onde motoristas e garçons, apenas por terem as costas de quem manda sempre
ao alcance dos seus “tapinhas” de áulicos, ganham mais que professores e
médicos concursados e titulados com mestrado e doutorado; automóveis,
passagens, médicos e dentistas particulares e outras mordomias obscenas criadas
e desfrutadas frequentemente por gente fichada na polícia consomem muito mais
verba que hospitais, escolas e obras de saneamento básico.
O que
tais crimes fizeram com o país é a razão última da queda iminente deste
governo. Mas o discurso oficial quer dar a tudo ares de “disputa ideológica”.
Dá espaço para mais esta fraude a passividade com que a imprensa privilegia as
palavras sobre os fatos. A hora é de fazer contas pois, ainda que vá o governo
para onde merece sua obra deletéria continuará pesando nas costas dos
brasileiros em nome da intocabilidade dos “direitos adquiridos”, mãe de todos
os privilégios adquiridos.
Quantas
CPMF’s poderiam ser poupadas se apenas os tais “auxílios” passassem a pagar
imposto como salários que são? Quantas se o princípio basilar de igualdade
perante a lei fosse aplicado às aposentadorias públicas 33 vezes maiores em
média que as privadas? Se apenas os abusos da chamada “autonomia administrativa”
revertidos em decretos em causa própria (salários e auxílios) fossem anulados
em nome do princípio do “desvio de finalidade”? Se as nomeações (e futuras
aposentadorias e pensões) “de confiança” fossem revertidas?
Sim, os
tres poderes, de tão podres, funcionam neste momento sob o jugo da necessidade.
Mas ao 4º cabe sair da hipnose com a disputa pelo poder em que vive, medir os
dois Brasis e tratar de dar a uma sociedade explorada os argumentos de que vai
necessitar para evitar que mais uma vez, os “nós” safem-se de tudo às custas
dos “eles” e o país permaneça, como sempre, um milímetro acima do limite da
sobrevivência.
VESPEIRO
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