Amelia Gonzalez
A notícia pegou de surpresa alguns acadêmicos que andam tentando refletir sobre uma nova ordem mundial. Nos Estados Unidos, berço do capitalismo, uma pesquisa da Universidade de Harvard divulgada na segunda-feira (2) mostrou que 51% dos jovens adultos, ou seja, pessoas que têm entre 18 e 29 anos, rejeitam este sistema em sua forma atual*. Além disso, mesmo entre os mais idosos diminuiu sensivelmente a quantidade de pessoas que defendem o capitalismo.
Para o filósofo francês Jacques Rancière, por muitos considerado um anarquista, que entre outras obras escreveu “O ódio à democracia” (Ed. Boitempo), na qual denuncia este modo de governo como “o reino dos desejos ilimitados dos indivíduos da sociedade de massa moderna” , no entanto, é preciso atentar para o risco de uma crítica ao capitalismo cair numa “fragmentação impotente”. É possível que as falsas promessas do capitalismo estejam, enfim, sendo desmascaradas pelo neoliberalismo que entregou nas mãos do mercado e das corporações o bastão do comando.
“Antes existiam ‘grandes subjetivações coletivas’ (por exemplo, o movimento operário), que permitiam aos excluídos incluir-se no mesmo mundo daqueles a quem combatiam. Mas a virada neoliberal destroçou estas forças”, disse o filósofo.
Também é desafiante se pensar numa forma de estatização geral. Logo, estamos mesmo numa era de incertezas e de buscas. Não há soluções simples, mas a inquietação da juventude norte-americana vem engrossar o caldo de reflexões que venho acompanhando nessa quase década e meia que venho dedicando aos estudos sobre desenvolvimento sustentável. No ano passado, até mesmo a Igreja Católica se juntou à tarefa de identificar um outro cenário futuro.
Na Carta Encíclica “Laudato Si”, o Papa Francisco repete algumas vezes a preocupação com os “hábitos injustos de uma parte da humanidade”:
“Convém evitar uma concepção mágica do mercado, que tende a pensar que os problemas se resolvem apenas com o crescimento dos lucros das empresas ou dos indivíduos. Será realista esperar que quem está obcecado com a maximização dos lucros se detenha a considerar os efeitos ambientais que deixará às próximas gerações”, escreve o Sumo Pontífice.
Num outro extremo de campo teórico, que acaba convergindo com a teoria católica neste emaranhado de teorias, diz Ladislau Dowbor, economista político brasileiro, de origem polonesa, em seu livro “Democracia Econômica” (Ed. Vozes):
“Nossa visão sobre as oportunidades que se abrem não surgem nem dos magos corporativos cujos livros lemos nos aeroportos, nem de superlíderes políticos ansiosos por nos redimir, e sim da apropriação democrática dos processos e dos resultados econômicos. Não basta a democracia limitada a um voto na urna a cada par de anos. A própria economia precisa ser democratizada”.
Voltemos à nossa questão inicial, os jovens que nasceram e vivem na nação mais rica do mundo e que se mostram insatisfeitos com o regime que os governa economicamente. Será que eles querem repensar o capitalismo para que ele seja mais democrático? Mais solidário? Mais justo, que promova mais igualdades? Estarão esses jovens antenados com as questões climáticas, inseridos verdadeiramente no empenho que os 196 líderes mundiais demonstraram quando conseguiram o Acordo de Paris? Estarão eles cientes de que, para baixar as emissões, será preciso mudar radicalmente hábitos, inclusive de consumo?
Ou, pelo contrário, terão eles desenvolvido um ódio a todo e qualquer tipo de regimento, inclusive o democrático? Neste sentido, é bom voltar a Rancière, no momento em que o filósofo analisa os “crimes” da democracia:
“O rebaixamento do político, do sociológico e do econômico a um único plano refere-se de bom grado à análise tocquevilleana da democracia como igualdade de condições. Mas essa referência supõe uma reinterpretação muito simplista de ‘A democracia na América’ (Ed. Martins Fontes). Tocqueville entendia por igualdade de condições o fim das antigas sociedades divididas em ordens, e não o reino de um indivíduo ávido por consumir cada vez mais”, escreve Rancière.
Aqui é preciso voltar a lembrar a obra do economista francês Thomas Piketty, “Capital no Século XXI” (Ed. Intrinseca), que com um conjunto inédito de dados colhidos em 20 países demonstrou que ao longo do século XX a estrutura básica da desigualdade e do capital permaneceu inalterada. E que o capitalismo produziu concentração de riqueza, portanto, cronificou as “sociedades divididas em ordens”, aumentou o fosso entre pobres e ricos. Terá essa situação cansado as novas gerações?
Trazendo o debate para mais perto de nós, é possível pensar que na crise política que estamos vivendo no Brasil os jovens têm tido um protagonismo que vem sendo bem recebido nas redes sociais, sobretudo por pessoas que não querem que o governo seja trocado. Como vivemos numa sociedade desigual, aqui também a questão da divisão de classes é predominante. Jovens de periferia podem estar menos envolvidos, mais preocupados no próprio sustento e no da família, como ficou claro para mim quando conversei com Monique , moradora de Campo Grande. Já aqueles que têm mais tempo e condições, esses estão espalhados, quer seja na luta por melhores escolas, quer seja para exigir que se investigue desvio de verbas na compra de merenda escolar.
As reflexões podem se estender ainda mais, temo cansar o leitor. Não temo, contudo, parecer ingênua ou inocente se me declarar aqui abertamente a favor de uma revisão dos nossos valores como um todo, seja no hemisfério Sul ou Norte. As novidades dão conta de que isso está sendo mais do que urgente, mas, é claro, uma mudança radical não há de trazer bons resultados. Como também gosto de pensar que mudanças particulares, conscientes, locais, podem ser bem produtivas.
Para terminar, não poderia deixar de recorrer à obra extensa de Gilles Deleuze e Felix Guattari – “Mil platôs” (Ed. 34), que aqui no Brasil foi editada em cinco volumes. O subtítulo da reflexão dos dois pensadores franceses, lançada em 1980, antes mesmo de se falar em neoliberalismo, é “Capitalismo e Esquizofrenia”.
Há uma provocação muito forte no sentido de opor o Estado ao homem, que Deleuze e Guattari chamam de “homem de guerra”. O Estado atual se define não pela existência de chefes, mas pela perpetuação de órgãos do poder. E acua o homem, que se vê confrontado e muitas vezes impotente para seguir seu próprio instinto, construir seu próprio território, sem dar ao Estado uma parte importante de seu próprio capital social.
A contribuição dos dois franceses, como se vê, fica mais do que oportuna nessa reflexão.
Amelia Gonzalez
G1/Brasil Soberano e Livre
Comentário do blog:
Capitalismo
selvagem até fins do século XIX.
Capitalismo
liberal até a década de 70 do século XX.
Capitalismo
especulativo, desde então.*
Capitalismo
Social à partir do século XXI ...
*O capitalismo
especulativo também terá seu fim. E deve ter. É condição sine qua non para a própria sobrevivência. Dinheiro se
multiplicando em dinheiro sem nada produzir tem seus limites, e estes estão
chegando. (MBF).
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