Helena Petrovna
Blavatsky
Parte
I
Os
teosofistas são muitas vezes injustamente acusados de infiéis e mesmo de ateus.
É um grave erro, especialmente em se tratando de última acusação.
Numa
Sociedade (1) importante,
formada de membros pertencentes a tantas raças e nacionalidades diferentes;
numa associação onde cada homem e cada mulher é livre de crer o que prefere, e
de seguir ou não, segundo seu desejo, a religião sob a qual nasceu e foi
educado, há pouco lugar para o ateísmo. Quanto à acusação de
"infiel", é contra-senso e fantasia. Para demonstrar o ABSURDO,
basta-nos pedir a nossos difamadores que nos mostrem, no mundo civilizado, a
pessoa que não seja considerada "infiel" por alguém pertencente a uma
fé diferente. Quer se trate dos círculos altamente respeitáveis e ortodoxos, ou
da "sociedade" que se diz heterodoxa, será sempre o mesmo. É uma
acusação mútua, tácita e não abertamente expressa; uma espécie de raquetes
mentais, onde cada um devolve a bola num silêncio educado.
Em
realidade, nenhum teosofista ou não-teosofista pode ser "infiel", e
por outro lado, não há ser humano que não o seja na opinião de um sectário
qualquer. Quanto à acusação de ateísmo, é outro caso.
Que é
ateísmo?, perguntamos em primeiro lugar. Será o fato de não se crer na
existência de um Deus ou deuses, e de negá-la, ou será simplesmente a recusa em
aceitar uma deidade pessoal, segundo a definição um tanto violenta de R. Hall,
que define o ateísmo como um "sistema feroz que nada deixa ACIMA de nós,
para inspirar o terror, e nada ao nosso redor para despertar a ternura"!
Isso é duvidoso para a maior parte dos nossos membros, caso se aceite a
primeira condição, pois que os da Índia e Birmânia, etc., acreditam em deuses,
em seres divinos e temem alguns deles.
Assim,
também, um grande número de teosofistas ocidentais não deixaria de confessar
sua crença completa em espíritos planetários ou do espaço, fantasmas ou anjos. Muitos
dentre nós aceitam a existência de inteligências superiores ou inferiores, de
Seres tão grandes quanto qualquer Deus "pessoal". Isto não é segredo.
A maior parte dentre nós crê na sobrevivência do Ego espiritual, nos Espíritos
Planetários e nos NIRMANAKAYAS, esses grandes Adeptos de eras passadas, que,
renunciando seus direitos ao Nirvana, permanecem nas esferas em que vivemos,
não como "espíritos", mas como Seres espirituais humanos completos.
Eles
permanecem tais como foram, excetuando o que se refere a seus invólucros
corporais visíveis, que abandonaram a fim de ajudar a pobre humanidade, na
medida em que essa ajuda possa ser dada, sem ir de encontro à Lei Kármica. Essa
é realmente a "Grande Renúncia", um incessante sacrifício consciente
através dos EONS e eras, até o dia em que os olhos da humanidade se abrirem e,
em lugar de um pequeno número, TODOS reconhecerem a Verdade Universal. Se
permitissem que o fogo que anima os nossos corações, como idéia do mais puro de
todos os sacrifícios, fosse inflamado pela adoração e oferecido sobre um altar
elevado em sua honra, esses seres poderiam ser considerados como Deus ou
Deuses. Mas, não o querem. Em verdade, é somente no imo do coração que se deve
elevar, neste caso, o mais belo Templo de Devoção; qualquer outra coisa não
seria mais que ostentação profana. Consideremos agora outros Seres invisíveis,
dos quais alguns estão muito acima e outros muito abaixo na escala da evolução
divina. Dos últimos, nada podemos dizer; quanto aos primeiros, nada nos podem dizer,
porquanto nós não existimos perante eles. O homogêneo não pode ter conhecimento
do heterogêneo, e (a não ser que aprendamos a fugir do nosso invólucro material
para "comungar" de espírito a espírito) não podemos esperar conhecer
sua natureza real.
Mas,
todo verdadeiro teosofista afirma que o Eu Superior divino de cada homem mortal
é da mesma essência que a desses Deuses. O Ego encarnado, dotado de livre
arbítrio, possuindo, por isso, maior responsabilidade, é, a nosso ver,
superior, e até, talvez, mais divino que qualquer INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL que
ainda espera a encarnação. Do ponto de vista filosófico, a razão é clara, e
todo metafísico da escola oriental a compreenderá. O Ego encarnado está na
dependência das dificuldades que não existem para a pura Essência divina não
associada à matéria; neste caso, não há nenhum mérito pessoal, ao passo que o
Ego em encarnação está no caminho de seu aperfeiçoamento final através das
provações da existência, da tristeza e do sofrimento.
A sombra
do Karma não pode se estender sobre o que é divino, isento de qualquer ligação
e tão diferente do que somos que não pode haver entre nós relação alguma.
Quanto a essas deidades, que no Panteão esotérico hindu são consideradas
finitas e, por conseguinte, submetidos ao Karma, jamais um verdadeiro filósofo
consentirá em adorá-las; são figuras e símbolos. Seremos nós, então,
considerados ateus porque, crendo nas Falanges Espirituais - nesses seres que
vieram a ser adorados na sua coletividade como um Deus PESSOAL - recusamo-nos terminantemente
a considerá-las como representantes do Uno Incognoscível? Porque afirmamos que
o Princípio Eterno - o TODO NO TODO DO PODER ABSOLUTO, DA TOTALIDADE – não pode
ser expresso por palavras limitadas, nem por ter por símbolo qualquer atributo
condicionado e qualificativo? Ainda mais, deixaremos passar sem protesto a
acusação de idolatria que atiram sobre nós os católicos romanos, os quais
seguem uma religião tão pagã quanto a dos adoradores dos elementos do sistema
solar? Católicos, que tiraram o seu credo, aliás, diminuído e dissecado, do
paganismo existente há muitas eras antes do ano I da Era Cristã; católicos
cujos dogmas e ritos são os mesmos que os de qualquer nação idólatra - se é que
alguma ainda existe.
Sobre
toda a superfície da Terra - do Pólo Norte ao Pólo Sul, dos golfos gelados dos
países nórdicos, às planícies tórridas do sul da Índia, na América Central, na
Grécia e na Caldéia - era adorado o Fogo Solar, como símbolo do Poder Divino,
criador da vida e do amor. A união do Sol (o espírito - elemento masculino) com
a Terra (a matéria -elemento feminino) era celebrada nos Templos do Universo
inteiro. Se os pagãos tinham uma festa comemorativa dessa união - a festa que
celebravam nove meses antes do Solstício de Inverno, quando se dizia que Ísis
tinha concebido - também a têm os católicos romanos.
O grande
e SANTO DIA da ANUNCIAÇÃO, o dia no qual a "Virgem Maria" recebeu o
favor de (seu) Deus e concebeu o "Filho do Altíssimo", é celebrado
pelos cristãos NOVE MESES ANTES DO NATAL. Donde vêm a adoração do fogo, das
luzes e lâmpadas nas igrejas? Por que isso? Porque Vulcano, o Deus do Fogo,
desposou Vênus, a deusa do mar; e é por essa mesma razão que os Magos velavam o
Fogo Sagrado como as Virgens vestais do Ocidente. O Sol era o "Pai"
da eterna Natureza Virgem-Mãe; Osíris e Ísis; Espírito-Matéria, este último
adorado sob seus três aspectos pelos pagãos e cristãos. Daí vêm as Virgens -
dá-se o mesmo no Japão - vestidas de azul estrelado, apoiadas sobre o crescente
lunar, símbolo da Natureza feminina (em seus três elementos: ar, água e fogo);
o Fogo ou o Sol, macho, fecundando-a anualmente pelos seus raios luminosos (as
"línguas de fogo" do Espírito Santo).
No
KALEVALA, o mais antigo poema épico dos finlandeses de Antigüidade pré-cristã,
o que nenhum erudito poderá duvidar, fala-se dos deuses da Finlândia, dos
deuses do ar e da água, do fogo e das florestas, do céu e da terra. Na
magnífica tradução de J. M. Grawford, Rume L. (vol. 11), o leitor achará a
lenda inteira da Virgem Maria em: MARIATTA, filha da beleza, Virgem-Mãe das
Terras Nórdicas... (p. 720) Ukko, o Grande Espírito, cuja moradia é em Yûmala
(o Céu ou Paraíso), escolhe como veículo a Virgem Mariatta para se encarnar por
meio dela em Homem-Deus. Ela concebe colhendo e comendo uma baga vermelha
(marja). Repudiada pelos pais, dá nascimento a um "FILHO IMORTAL"
numa MANJEDOURA DE ESTÁBULO.
Mais
tarde, o "Santo Menino" desaparece e Mariatta se põe a procurá-lo.
Ela pergunta a uma estrela, a "Estrela diretriz dos Países Nórdicos",
onde se esconde o "Santo Menino", mas a estrela irritada
responde-lhe: Se eu soubesse, não t'o diria / Foi teu filho quem me criou / No
frio, para brilhar sempre... e nada mais diz à Virgem. A lua dourada tampouco
consente em ajudá-la, pois o filho de Mariatta a criou e deixou no grande céu:
Aqui para vagar nas trevas, / Para vagar sozinha à noite, / Brilhando para o
bem dos outros... Somente o "Sol Prateado", tendo pena da Virgem-Mãe,
lhe diz: Acolá está a criança dourada / Lá repousa dormindo teu Santo-Menino /
Encoberto pela água até a cintura / Escondido pelos caniços e juncos...
Ela traz
de volta o Santo-Menino e, enquanto o chama de "Flor", outros o
nomeiam o FILHO DA DOR.
Estaremos
em presença de uma lenda pós-cristã? Absolutamente não, pois, como já foi dito,
trata-se de uma lenda DE ORIGEM ESSENCIALMENTE PAGÃ e reconhecidamente
pré-cristã. Resulta que, com tais dados literários em mão, devem cessar as
acusações sempre repetidas de idolatria e ateísmo. Aliás, o termo idolatria é
de origem cristã. Foi empregado pelos primeiros nazarenos durante os dois
primeiros séculos e metade do terceiro da nossa era, contra as nações que
usavam templos e igrejas, estátuas e imagens, porquanto os primitivos cristãos
não possuíam, NEM TEMPLOS, NEM ESTÁTUAS, NEM IMAGENS, e sentiam horror por
essas coisas. Por conseguinte, o termo "idólatras" convém mais aos
nossos acusadores que a nós mesmos, como o provará este artigo. Com suas
Madonas em todas as esquinas, seus milhares de estátuas de Cristo e Anjos de
todas as formas, até a de Santos e Papas, é bastante perigoso para um católico
acusar um hindu ou budista de idolatria. Essa asserção deve agora ser provada.
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