Pedro Valls Feu Rosa
Dia desses, distraidamente, comecei a reparar na imensa
quantidade de cones que passou a integrar o nosso cotidiano. Alguns são
pacatos, daqueles utilizados para sinalizar obras e desvios em nossas ruas.
Trata-se, na verdade, de cones infelizes, que vivem sujos, expostos ao tempo.
Vez por outra acabam atropelados por algum motorista mais desatento. Não, não
será destes cones que falaremos. A estes só nos resta manifestar nossa simpatia
e solidariedade.
É hora de falarmos de outros cones – aqueles que
bloqueiam os acessos à grande maioria dos nossos prédios públicos. Lá estão
eles, impávidos, guardando todas as entradas e saídas. Andam sempre limpos,
impecáveis em suas listras brancas e vermelhas – não me lembro de ter jamais
visto um deles sujo ou descomposto.
Não julgue esses cones pelo tamanho – a força deles não é
física, é moral. Cada cone desses projeta em torno de si uma barreira
intransponível, que pobres mortais não ultrapassam impunemente.
Cada um desses cones tem à disposição um humano,
encarregado de mudar-lhe o lugar de vigília sempre que alguma autoridade
superior necessitar passar. Concluída a passagem, no entanto, lá estará o cone
de volta, inflexível em seu poder. Por conta de prestarem tão relevantes
serviços, a esses cones é dispensado um tratamento especial – eles sempre são
objeto de inspirados cuidados por parte dos administradores.
Enquanto isso, há
poucos anos a Controladoria Geral da União detectou irregularidades no uso de
verbas públicas em 73% dos municípios. E lá está, à entrada das entidades
públicas suspeitas, o cone – ele, sempre ele, limpo e impecável.
Segundo um estudo
do Banco Mundial, o Brasil está em 122º lugar entre 178 países pesquisados
sobre a extensão da carga burocrática. Por conta dela nossas empresas
gastam 2.600 horas por ano só no cumprimento de exigências fiscais. É um
recorde mundial. Na China, por exemplo, são apenas 584 horas por ano. E lá
está, à porta dos órgãos que criaram todos estes entraves, ele! O cone!
Brilhando e brilhante em sua tarefa de sinalizar aos leigos que há algo
superior após ele.
No não tão
distante ano de 2007 o Tribunal de Contas da União identificou 400 obras
paralisadas no país após terem consumido R$ 2 bilhões – e este foi um avanço:
em 1995 eram 2.214 obras inacabadas que já tinham custado R$ 15 bilhões de
verbas públicas. Bem, pode ser que as obras não estejam merecendo os
devidos cuidados. Mas, lá na frente de cada órgão responsável por elas, não se
descuida nem por um momento dele – do cone, claro! Ei-lo sempre bonito e
fagueiro, algumas vezes até com a sigla da repartição que tão majestosamente
protege.
A ineficiência das
nossas leis custa, segundo cálculos do IDESP, uns bons US$ 100 bilhões a cada
ano. Estimou-se que o Brasil tem uma perda acumulada de 20% ao ano no
crescimento da economia só por não ter um sistema legal eficiente. E eis
que, no meio destes números, agiganta-se a figura pequenina na matéria, mas
imensa no simbolismo, do cone – sempre atento à porta das instituições, e
objeto dos mais eficientes cuidados por parte dos humanos encarregados de
assisti-lo.
Fico a imaginar no que um desses cones falaria se a ele
fosse dado o poder de expressar-se! Talvez dissesse, a algum cidadão desatento
que ousasse tentar passar por ele sem observar a devida cerimônia, que “meu
nome é Cone. Agente Cone”.
Diário do Poder
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