Almir Pazzianotto Pinto
Profissões e ofícios surgem e desaparecem como resultado
de avanços tecnológicos e científicos. Tentar proteger empregos arcaicos,
contra a força do conhecimento, é tolice, mas figura no rol dos direitos e
garantias fundamentais, como se lê no art. 7º, XXVII, da Constituição.
Ao folhearmos jornais e revistas das décadas de 1950,
1960 e 1970, encontraremos ofertas de cursos de datilografia, arquivista,
torneiro mecânico, desenhista industrial, linotipista. Quem os concluísse
capacitava-se a preencher emprego bem remunerado.
A indústria automobilística, que conheci quando advogava
para sindicatos de metalúrgicos, oferecia oportunidades de empregos a milhares
de candidatos vindos das mais diferentes regiões do País. Muitos eram
semianalfabetos, cuja aprendizagem se daria na linha de montagem. Entre
funcionários ligados à administração, e operários com macacões sujos de óleo e
graxa, as diferenças faziam-se sentir dos sanitários aos refeitórios.
A moderna montadora de veículos não guarda semelhança com os velhos barracões de fábricas. Milhares de trabalhadores deram lugar a robôs incansáveis e precisos, e a reduzido grupo de técnicos qualificados. O chão da fábrica tornou-se limpo, quase não há ruído, o ar é respirável. O lado ruim da informatização consiste no desemprego, catástrofe que faz mais de 150 milhões de vítimas no mundo e algo em torno de 13,5 milhões no Brasil. São os redundantes ou desalentados que, após meses de inúteis tentativas de recolocação, perderam as esperanças e passaram a sobreviver de bicos, se pejotizaram (palavra não dicionarizada), ou foram para o uber, como derradeiro esforço de readaptação.
Tal qual sucede no setor industrial, a agricultura e o
agronegócio alcançaram expressivos índices de produtividade com a mecanização e
exclusão de trabalhadores. Fazendas de café e engenhos de açúcar mantinham
colônias de moradores que davam conta de muitos alqueires de terra, plantando,
cultivando e colhendo café e cana de açúcar, com enxadas, foices, arados,
sulcadeiras, grades de tração animal e a força de braços. Era conhecida a
figura do trabalhador volante ou boia-fria, contratado às centenas por ocasião
das safras anuais. Prestavam serviços quatro ou cinco meses, e retornavam aos
locais de origem com dinheiro no bolso.
Hoje, o que se observa na zona rural, são tratores,
carregadeiras, plantadoras, fertilizadoras, colheitadeiras, carretas e aviões
destinados à pulverização de defensivos. Há experiências com drones, para
controle de pragas ou contagem do gado. O trabalho braçal quase desapareceu.
Trata-se de espécie em extinção. Os custos da mão de obra e os riscos de
acidentes incentivam a mecanização. A informatização integrou-se à vida rural
com eficiência idêntica à demonstrada na empresa privada e no serviço público.
O computador marca presença nas fábricas de etanol e açúcar, de óleo, de
algodão, torrefações de café e produtoras de papel, da mesma maneira como se
fez indispensável em agências bancárias, escritórios e órgãos públicos.
Somos privilegiadas testemunhas de acontecimentos que
modificarão a história da humanidade. Alguns sociólogos sonham com utópica
sociedade dominada pelo ócio. Para a falta de ocupação o remédio consistiria em
colocar homens e mulheres numa espécie de vadiagem forçada, subsidiada com
recursos públicos. As horas de trabalho diário seriam limitadas a duas ou três,
sem prejuízo do salário. É ilusão acreditar que seremos vítimas dessa
utopia social e econômica. O ser humano adquire dignidade quando trabalha e
produz. “O valor moral de um ser não depende dos dons naturais que recebeu de
início, e sim do que ele faz deles: não da natureza, e sim da liberdade”, ou
“da valorização do trabalho”, escreveu Luc Ferry, filósofo e Ministro da
Educação da França (A Tentação do Cristianismo, Ed. Objetiva, RJ, 2011).
Não consigo imaginar a existência consagrada à
inutilidade. A primeira Revolução Industrial, deflagrada com a invenção da
caldeira a vapor no século XVIII, causou pânico ao proletariado miserável.
Imaginava-se que as primeiras máquinas de fiar e de tecer seriam exterminadoras
do emprego. Não foi o que aconteceu. Há 300 anos, porém, persiste a disputa entre
máquinas, cada vez mais inteligentes, e homens e mulheres em busca de ocupação
digna e remunerada.
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes
estão empenhados na reforma da Previdência Social. A tarefa relevante e urgente
consiste, porém, na eliminação de vergonhosa fila de 13,5 milhões de
desempregados. A qualquer momento poderá se converter em manifestações de rua,
engrossadas por estudantes sob o comando da oposição.
Almir Pazzianotto
Pinto, advogado, foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do
Trabalho. Autor do livro 30 Anos de Crise 1988-2018.
Diário do Poder
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