Jorge
Serrão
O gênio imortal José Sarney cansou de reclamar que a Constituição de
1988 tornava o Brasil ingovernável. A principal crítica era que a Carta fora
concebida para um regime parlamentarista. Assim, o Presidente da República
teria duas opções: Ou “governaria” como um refém do Congresso Nacional. Ou,
então, “negociaria” com os parlamentares. Ou seja, o “Presidencialismo de
Coalizão” só não se tornaria de “Colisão” com a providencial ajuda da corrupção
política.
O formulador da Carta Vilã de 88 foi tão maquiavélico que previu até
um plebiscito para que o povo decidisse se queria o Parlamentarismo ou o
Presidencialismo. O eleitorado, no entanto, não caiu no “golpe”. Votou pela
manutenção do sistema em que o Presidente é o Chefe de Governo e o Chefe de
Estado. O problema é que a concepção constitucional previa uma dependência
maior da gestão do Executivo pelo Legislativo. Tal monstrengo gera nossas
crises políticas – agravadas pelo problema da baixa representatividade e pela
desqualificação dos eleitos.
De fato, o pau vem comendo desde a Era Sarney. Seu sucessor Fernando
Collor de Mello ousou posar de independente e acabou derrubado por um
impeachment. O vice Itamar Franco, que assumiu a Presidência, evitou conflitos
e conseguiu fazer o sucessor graças ao Plano Real. Fernando Henrique Cardoso
teve duas sortes: o hábil negociador político Marco Maciel como vice, e o
deputado baiano Luiz Eduardo Magalhães (filho do senador ACM no comando das
“negociações” Câmara dos Deputados). Estava acordado que Luiz sucederia FHC,
que só teria um mandato, mas um infarto mortal impediu.
FHC “negociou” e aprovou a reeleição e conseguiu um segundo mandato...
Queria um “terceiro”, mas não teve competência para fazer o sucessor. Sem
problemas, fechou um pacto de não agressão com o vencedor, seu “amigo-ínimigo”
Luiz Inácio Lula da Silva. Uma das moedas de troca fora a “pizza” nas
investigações do assassinato do prefeito petista Celso Daniel... Os tucanos nem
criaram problemas para Lula quando estourou o Mensalão, com a briga suicida entre
José Dirceu e Roberto Jefferson. Lula achou mais barato “negociar” com o
“Centrão” para sobreviver...
$talinácio conquistou mais mandato presidencial. Surfando na onda
favorável da economia mundial e abusando dos gastos públicos com populismo,
conseguiu eleger um “poste” (ou “posta”). Na eleição de Dilma Rousseff, o PT
repetiu a fórmula de FHC, escalando um vice que tinha super-articulação com o
Congresso nacional. Até quando foi parceiro, Michel Temer geriu, com
excelência, o clientelismo com o parlamento. O casamento foi lindo e gerou um
novo mandato. Só que a Lava Jato já tinha estourado... Poderosos políticos e
empresários entraram na mira do Ministério Público e de Sérgio Moro – um juiz
federal de Curitiba que foi “um ponto fora da curva” simplesmente porque
condenava...
A Lava Jato ajudou a fortalecer a noção dos prejuízos causados pela
corrupção contra a sociedade. As redes sociais da internet foram usadas,
politicamente, para mobilizar o povo em grandes manifestações de rua. Tal qual
Collor no passado, Dilma se assoberbou, relacionando-se mal com os deputados e
senadores. Resultado: sofreu impeachment. Temer assumiu, mas já estavam criadas
pré-condições para a surpreendente ascensão de alguém que simbolizasse a figura
anti-corrupção + anti-PT, com discurso “conservador”. Jair Messias Bolsonaro,
impulsionado pela covarde facada que quase o matou em 6 de setembro, venceu os
dois turnos.
Vale lembrar que, desde a campanha presidencial, Jair Bolsonaro prega
que não promoverá negociações escusas com o Congresso Nacional. Desde que
assumiu o “trono” do Palácio do Planalto, insiste que não entrará no
“toma-lá-dá-cá”. Repete, exaustivamente, que não repetirá a prática de entregar
ministérios para partidos. Bolsonaro insiste, com toda razão, que isso deu
errado nos últimos governos. No entanto, nos primeiros seis meses de governo,
entre conversas, articulações deficientes, muitas “caneladas” e algumas
“canetadas”, o que se viu foi mais um Presidente refém do parlamento.
Ironicamente, se poderia chamar de “Presidencialismo de colisão com o
Parlamentarismo”.
Agora, injuriado porque o Congresso resolveu atropelar o sistema de
escolha dos dirigentes das Agências Reguladoras, Bolsonaro resolveu se rebelar,
com mais intensidade, contra o “Parlamentarismo de colisão” que subjuga o
Presidente da República. Bolsonaro acusou parlamentares de tentarem reduzir seu
poder: “Pô, querem me deixar como rainha da Inglaterra? Este é o caminho
certo?”. Só faltou Bolsonaro evocar a memória do imortal José Sarney...
Em vez de fazer uma reclamação absolutamente inútil, que levará a
lugar algum, Bolsonaro poderia aproveitar o ápice desse momento político
crítico para se mostrar um líder que apresenta a solução certa para um velho e
incômodo problema sistêmico. É hora de o Presidente partir para a ofensiva no
ponto fundamental da Reforma Política que a maioria dos congressistas não quer
ouvir falar. É o momento para Bolsonaro liderar o movimento popular a favor do
Voto Distrital, já a partir da próxima eleição para prefeitos e vereadores, em
2020.
O Voto Distrital é mais prioritário que o remendo de reforma da
previdência que tende a ser aprovado, do jeitinho que for possível, por uma
maioria apertada da Câmara e do Senado. O Voto Distrital já é uma pré-condição
bastante consolidada popularmente. O tema foi insistentemente discutido pelo
povão nas manifestações populares. Os grupos de debates mais sérios nas redes
sociais apontam o Voto Distrital como o pontapé inicial da imprescindível
Reforma Política. Bolsonaro não pode perder a chance de surfar nessa onda...
O Voto Distrital é fundamental para garantir a representatividade real
dos políticos. O fortalecimento do poder local, a partir dos distritos (ou
bairros) nos municípios, vai aproximar o eleitor de quem ele está escolhendo
como representante nos parlamentos. O Voto Distrital funcionará como um atalho
para a verdadeira renovação política, nos próximos três pleitos. O Voto
Distrital quebra o esquema do poderio econômico. Permite o retorno da campanha
corpo a corpo, na região onde vivem o eleitor e sujeito em quem ele vota. O
custo eleitoral tende a baixar substancialmente. E o melhor para o sistema
democrático será a legítima pressão que será exercida entre eleitor e eleito.
Jair Bolsonaro não pode deixar passar a oportunidade de colocar o Voto
Distrital em 2020 como a prioridade das prioridades políticas. O tema vai
reunir a maioria da opinião pública e do eleitorado em torno de um assunto
capaz de pressionar a classe política, com toda eficácia e legitimidade.
Bolsonaro tem a chance única de dar sua maior contribuição à
construção da Democracia no Brasil. Se perder este “trem”, ficará refém
completo do Congresso – que prefere mantê-lo como “marionete estridente”. Risco
de impeachment Bolsonaro ainda não corre, porque a maioria da classe política
não deseja que Antônio Hamilton Mourão assuma a Presidência da República...
No mais, vamos comemorar São João... As quadrilhas vazaram de Brasília
para suas bases...
Alerta
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