Megan Williams
Cidade de Prato, na Toscana, abriga
centenas de pequenas fábricas têxteis onde chineses trabalham sob péssimas
condições. Em visita à localidade, papa Francisco pede luta contra "câncer
da corrupção e da exploração".
A
periferia de Prato, na região italiana da Toscana, é marcada por ruas ladeadas
por dezenas de pequenas oficinas, conhecidas como capannoni. A cidade já
foi conhecida como líder mundial na produção de tecidos de lã de alta
qualidade, tendo exportado 7 bilhões de dólares em têxteis no ano 2000. Até que
veio a concorrência de países com mão de obra barata – do Leste Europeu, da
África, de Bangladesh e, naturalmente, da China.
Desde
então, mais da metade das fábricas fechou, e o restante das empresas têxteis
transferiu suas operações para poder sobreviver. No entanto, em vez de
permanecer abandonados, os edifícios foram ocupados por um novo negócio:
fábricas têxteis chinesas, que operam em grande parte como se leis trabalhistas
e de segurança fossem uma ideia abstrata proveniente de um país estrangeiro.
Uma prática que autoridades locais têm tentado corrigir, mas com poucos
resultados.
Nesta
terça-feira (10/11), o papa Francisco visitou Prato, hoje conhecida como
"pequena China italiana". Ao discursar, o pontífice denunciou as
condições desumanas de trabalhadores na cidade, afirmando ser necessário lutar
contra "o câncer da corrupção e da exploração do trabalho e o veneno da
ilegalidade".
Exploração de mão de obra
Há
alguns anos, durante uma das muitas blitz numa das centenas de empresas
chinesas de Prato, policiais encontraram um espaço do tamanho de um pequeno
ginásio esportivo repleto de fileiras de máquinas de costura e montes de
retalhos de tecido, com plástico escuro cobrindo qualquer raio de luz natural
que pudesse entrar pelas janelas. Folhas de compensado foram usadas para fazer
minúsculos quartos improvisados, forrar as paredes e formar um banheiro sujo e
uma cozinha no canto do edifício.
Por
volta de duas dezenas de pessoas, a maioria de 20 e poucos anos, surgiram dos
cubículos, esfregando os olhos. Elas pareciam estar mais resignadas do que com
medo.
Enquanto
a polícia checava os documentos – três das cerca de 20 pessoas estavam ilegais
na Itália – os trabalhadores a contragosto começaram a encher sacos de lixo com
todo tipo de coisa, de roupas a computadores, de panelas a alimentos
congelados. Os policiais bloquearam as portas dos quartos e selaram as máquinas
de costura com fitas plásticas. Sem muita delonga, a porta da fábrica foi
acorrentada, e os trabalhadores subiram em carros que apareceram, de repente,
para levá-los para outra oficina.
Essa foi
uma das mais de 2 mil operações que as autoridades realizaram desde 2008. As
fábricas inspecionadas foram fechadas, por exemplo, por violação das leis de
segurança e trabalhistas, mas é amplamente sabido que pequenas empresas
simplesmente se mudam para outro prédio e são reabertas com um nome diferente.
A última
vez que a questão ganhou as manchetes italianas foi no final de 2013, quando um
incêndio tomou conta de um desses cappanoni nas primeiras horas da manhã e
provocou a morte de sete trabalhadores, que ainda estavam dormindo em seus
quartos feitos de madeira compensada.
Fechando os olhos
O
incêndio fez com que as autoridades intensificassem as inspeções nas fábricas e
levou a acusações de homicídios contra cinco pessoas, incluindo dois italianos
que eram proprietários do edifício. Uma verdade desconfortável sobre os
cappanoni é que a maioria deles ainda está em mãos de italianos, que se
contentam com o aluguel e fecham os olhos para o que está acontecendo em sua
propriedade.
Mais
tarde, os ministros chinês e italiano da Justiça assinaram um memorando de
cooperação na luta contra o crime organizado transnacional. Apesar da medida,
Franco Roberti, um promotor italiano antimáfia, afirmou que a comunidade
chinesa em Prato seria muito "fechada e difícil de penetrar" e que,
até então, a cooperação com as autoridades chineses havia sido inexistente.
É
desnecessário dizer que a grande presença de trabalhadores chineses em Prato
elevou as tensões culturais e legais na cidade. Embora seja difícil saber a
quantidade exata de chineses vivendo ali, as autoridades estimam que, entre
legais e ilegais, esse número gira em torno de 20% da população da cidade de
191 mil habitantes, perfazendo a maior concentração de chineses na Itália e uma
das mais altas da Europa.
As
situações de tensão têm surgido a partir de tudo, desde o barulho proveniente
de restaurantes de comida chinesa, abertos geralmente até tarde da noite, ao
ressentimento italiano contra empresários do país asiático, que não se
envergonham de exibir sua nova riqueza em carros de luxo.
Uma voz chinesa em Prato
Marco
Wong, um empresário chinês do setor de importação e exportação, nascido e
criado na Itália, afirmou que quando surge um conflito, geralmente é o lado
chinês que sai perdendo. Ele mencionou uma recente briga de rua entre um grupo
de homens chineses e italianos do lado de fora de um restaurante de comida
chinesa.
"As
autoridades consideraram verdadeira a versão contada pelos italianos e, pouco depois,
eles inspecionaram o restaurante. Muitos chineses em Prato viram isso como um
sinal de perseguição."
Wong tem
feito o que pode para dar uma voz política a seus concidadãos na cidade
italiana. Ele concorreu – e perdeu – duas vezes para a câmara municipal da
cidade pelo partido SEL, de orientação de esquerda. Na primeira vez, há seis
anos, ele obteve 24 votos; na eleição do ano passado, 241.
O
empresário disse que esse aumento no número de votos a seu favor dissipa uma
queixa comum contra os trabalhadores chineses na cidade – a de que eles se
aproveitam dos serviços de bem-estar social italianos, não pagam impostos e,
então, voltam para a China depois de anos de trabalho em Prato. "Existem
agora muito mais cidadãos italianos de origem chinesa. Pequim não reconhece a
dupla cidadania, o que significa que essas pessoas se comprometeram a ficar na
Itália."
Mais apoio, mais integração
Prato
também tem feito progressos para uma melhor integração ao menos de algumas das
empresas chinesas. Recentemente, o escritório da Confederação Italiana da
Indústria Manufatureira e de Pequenas e Médias Empresas em Prato anunciou que
vai oferecer mais apoio para companhias chinesas com registro legal, em todos
os campos, de informações sobre saúde e segurança à capacitação profissional.
Mas
conter a onda de trabalhadores chineses sendo contrabandeados para a Itália, a
partir de outros países europeus ou da China, vai continuar a ser uma tarefa
árdua – da mesma forma que os bilhões de euros não tributados, que estão sendo
enviados ilegalmente para o país asiático. Em parte, essa é uma das razões
pelas quais os trabalhadores não se sentem explorados: eles executam a mesma
longa jornada que realizariam em seu país, mas ganham de 2 a 3 euros por hora –
pelo menos o dobro que na China.
Esse é o caso, por exemplo, de Wei
Dingwen, operário têxtil chinês de 28 anos. Em Prato, ele disse trabalhar sete
dias por semana, 18 horas diárias, e ganhar aproximadamente 40 euros por dia.
Seu primeiro ano de salário foi destinado exclusivamente ao pagamento dos
traficantes de pessoas que o trouxeram até lá. Apesar disso, ele diz gostar de
trabalhar ali, "porque trabalho significa dinheiro."
DW
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