sexta-feira, 3 de abril de 2020

A triste realidade da pequena China italiana

Megan Williams

Cidade de Prato, na Toscana, abriga centenas de pequenas fábricas têxteis onde chineses trabalham sob péssimas condições. Em visita à localidade, papa Francisco pede luta contra "câncer da corrupção e da exploração".

A periferia de Prato, na região italiana da Toscana, é marcada por ruas ladeadas por dezenas de pequenas oficinas, conhecidas como capannoni. A cidade já foi conhecida como líder mundial na produção de tecidos de lã de alta qualidade, tendo exportado 7 bilhões de dólares em têxteis no ano 2000. Até que veio a concorrência de países com mão de obra barata – do Leste Europeu, da África, de Bangladesh e, naturalmente, da China.

Desde então, mais da metade das fábricas fechou, e o restante das empresas têxteis transferiu suas operações para poder sobreviver. No entanto, em vez de permanecer abandonados, os edifícios foram ocupados por um novo negócio: fábricas têxteis chinesas, que operam em grande parte como se leis trabalhistas e de segurança fossem uma ideia abstrata proveniente de um país estrangeiro. Uma prática que autoridades locais têm tentado corrigir, mas com poucos resultados.

Nesta terça-feira (10/11), o papa Francisco visitou Prato, hoje conhecida como "pequena China italiana". Ao discursar, o pontífice denunciou as condições desumanas de trabalhadores na cidade, afirmando ser necessário lutar contra "o câncer da corrupção e da exploração do trabalho e o veneno da ilegalidade".

Exploração de mão de obra
Há alguns anos, durante uma das muitas blitz numa das centenas de empresas chinesas de Prato, policiais encontraram um espaço do tamanho de um pequeno ginásio esportivo repleto de fileiras de máquinas de costura e montes de retalhos de tecido, com plástico escuro cobrindo qualquer raio de luz natural que pudesse entrar pelas janelas. Folhas de compensado foram usadas para fazer minúsculos quartos improvisados, forrar as paredes e formar um banheiro sujo e uma cozinha no canto do edifício.

Por volta de duas dezenas de pessoas, a maioria de 20 e poucos anos, surgiram dos cubículos, esfregando os olhos. Elas pareciam estar mais resignadas do que com medo.

Enquanto a polícia checava os documentos – três das cerca de 20 pessoas estavam ilegais na Itália – os trabalhadores a contragosto começaram a encher sacos de lixo com todo tipo de coisa, de roupas a computadores, de panelas a alimentos congelados. Os policiais bloquearam as portas dos quartos e selaram as máquinas de costura com fitas plásticas. Sem muita delonga, a porta da fábrica foi acorrentada, e os trabalhadores subiram em carros que apareceram, de repente, para levá-los para outra oficina.

Essa foi uma das mais de 2 mil operações que as autoridades realizaram desde 2008. As fábricas inspecionadas foram fechadas, por exemplo, por violação das leis de segurança e trabalhistas, mas é amplamente sabido que pequenas empresas simplesmente se mudam para outro prédio e são reabertas com um nome diferente.

A última vez que a questão ganhou as manchetes italianas foi no final de 2013, quando um incêndio tomou conta de um desses cappanoni nas primeiras horas da manhã e provocou a morte de sete trabalhadores, que ainda estavam dormindo em seus quartos feitos de madeira compensada.

Fechando os olhos
O incêndio fez com que as autoridades intensificassem as inspeções nas fábricas e levou a acusações de homicídios contra cinco pessoas, incluindo dois italianos que eram proprietários do edifício. Uma verdade desconfortável sobre os cappanoni é que a maioria deles ainda está em mãos de italianos, que se contentam com o aluguel e fecham os olhos para o que está acontecendo em sua propriedade.

Mais tarde, os ministros chinês e italiano da Justiça assinaram um memorando de cooperação na luta contra o crime organizado transnacional. Apesar da medida, Franco Roberti, um promotor italiano antimáfia, afirmou que a comunidade chinesa em Prato seria muito "fechada e difícil de penetrar" e que, até então, a cooperação com as autoridades chineses havia sido inexistente.

É desnecessário dizer que a grande presença de trabalhadores chineses em Prato elevou as tensões culturais e legais na cidade. Embora seja difícil saber a quantidade exata de chineses vivendo ali, as autoridades estimam que, entre legais e ilegais, esse número gira em torno de 20% da população da cidade de 191 mil habitantes, perfazendo a maior concentração de chineses na Itália e uma das mais altas da Europa.

As situações de tensão têm surgido a partir de tudo, desde o barulho proveniente de restaurantes de comida chinesa, abertos geralmente até tarde da noite, ao ressentimento italiano contra empresários do país asiático, que não se envergonham de exibir sua nova riqueza em carros de luxo.

Uma voz chinesa em Prato
Marco Wong, um empresário chinês do setor de importação e exportação, nascido e criado na Itália, afirmou que quando surge um conflito, geralmente é o lado chinês que sai perdendo. Ele mencionou uma recente briga de rua entre um grupo de homens chineses e italianos do lado de fora de um restaurante de comida chinesa.

"As autoridades consideraram verdadeira a versão contada pelos italianos e, pouco depois, eles inspecionaram o restaurante. Muitos chineses em Prato viram isso como um sinal de perseguição."

Wong tem feito o que pode para dar uma voz política a seus concidadãos na cidade italiana. Ele concorreu – e perdeu – duas vezes para a câmara municipal da cidade pelo partido SEL, de orientação de esquerda. Na primeira vez, há seis anos, ele obteve 24 votos; na eleição do ano passado, 241.

O empresário disse que esse aumento no número de votos a seu favor dissipa uma queixa comum contra os trabalhadores chineses na cidade – a de que eles se aproveitam dos serviços de bem-estar social italianos, não pagam impostos e, então, voltam para a China depois de anos de trabalho em Prato. "Existem agora muito mais cidadãos italianos de origem chinesa. Pequim não reconhece a dupla cidadania, o que significa que essas pessoas se comprometeram a ficar na Itália."

Mais apoio, mais integração
Prato também tem feito progressos para uma melhor integração ao menos de algumas das empresas chinesas. Recentemente, o escritório da Confederação Italiana da Indústria Manufatureira e de Pequenas e Médias Empresas em Prato anunciou que vai oferecer mais apoio para companhias chinesas com registro legal, em todos os campos, de informações sobre saúde e segurança à capacitação profissional.

Mas conter a onda de trabalhadores chineses sendo contrabandeados para a Itália, a partir de outros países europeus ou da China, vai continuar a ser uma tarefa árdua – da mesma forma que os bilhões de euros não tributados, que estão sendo enviados ilegalmente para o país asiático. Em parte, essa é uma das razões pelas quais os trabalhadores não se sentem explorados: eles executam a mesma longa jornada que realizariam em seu país, mas ganham de 2 a 3 euros por hora – pelo menos o dobro que na China.

Esse é o caso, por exemplo, de Wei Dingwen, operário têxtil chinês de 28 anos. Em Prato, ele disse trabalhar sete dias por semana, 18 horas diárias, e ganhar aproximadamente 40 euros por dia. Seu primeiro ano de salário foi destinado exclusivamente ao pagamento dos traficantes de pessoas que o trouxeram até lá. Apesar disso, ele diz gostar de trabalhar ali, "porque trabalho significa dinheiro."


DW

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