segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Os sucessores da esquerda

J.R. Guzzo

A “esquerda” que as pessoas com algum tipo de interesse por política conhecem, essa do tipo socialismo-comunismo-petismo e outras manifestações apenas patológicas, deixou de ser fator relevante na luta, centenária e fracassada, contra o capitalismo.

Não é nenhuma surpresa, claro. Como alguém com a cabeça em ordem vai acreditar hoje em aberrações do porte das Venezuela, Cuba ou Angola da vida? Ou dessas miseráveis ditaduras africanas que se dizem “socialistas”, mas que são apenas espaços geográficos controlados por gangsters? “O socialismo tem um histórico de fracasso tão flagrante que só mesmo um intelectual poderia ignorar um desastre deste tamanho”, diz o pensador americano Thomas Sowell. O fato é que nem mesmo os “intelectuais de esquerda”, hoje em dia, acreditam mais que a “esquerda” tenha capacidade de eliminar o capitalismo da face da Terra, ou fazer qualquer coisa que não seja cuidar do próprio bolso. Resultado: outras forças assumiram o comando dessa tarefa.

O mais ativo inimigo da liberdade econômica, hoje, é um consórcio disforme, sem comando definido, que age por fora e por cima de partidos políticos. Sua meta é limitar, dificultar e quando possível anular os mecanismos de produção hoje em vigor no mundo. São milhares de grupos que trabalham em projetos apresentados ao público como essenciais, segundo os seus critérios de “bem” e de “mal”, para a melhoria da qualidade de vida na sociedade moderna.

Chamam de “causas” os desenhos que fazem de como o mundo deveria funcionar. Estão presentes de forma maciça em toda a mídia mundial, onde transmitem uma imagem de cruzados em luta para salvar o planeta, nas organizações internacionais, nos departamentos de marketing e nas diretorias de multinacionais assustadas, em governos, em dezenas de milhares de ONGs, nas escolas — enfim, em virtualmente todos os lugares em que possam exercer alguma influência. Não são um sistema lógico de ideias; são uma religião.

Em primeiro lugar, na linha de vanguarda dessa confederação, vêm as mil diferentes modalidades de ambientalistas. São, para resumir a ópera, contra praticamente tudo que esteja ligado de alguma forma à atividade de produzir. São contra a indústria automobilística, porque ela gera emissão de carbono — assim como tudo aquilo que se movimente ou funcione com base em “energia suja”. Também são contra as usinas hidroelétricas que produzem energia limpa, a mais limpa disponível no mundo — pois elas interferem com os rios, estressam os peixes e provocam, a seu ver, todo tipo de desequilíbrio ecológico. São contra estradas, túneis, viadutos. São contra fábricas velhas, que poluem a atmosfera, e também contra as novas, que vão poluir. Na verdade, e como questão de princípio, são contra toda a atividade industrial — se saiu de alguma linha de montagem, ou de um processo automático, deve ser banido. São contra, talvez mais do que tudo, a agricultura moderna — que só consegue alimentar bilhões de pessoas por ser extensiva, mecanizada, tecnológica, resistente a pragas e de alta produtividade. Suas propostas, para substituir isso tudo, são o artesanato, a alimentação orgânica, a vida em comunhão com a natureza e por aí afora — ou algo equivalente à essas coisas.

Aos ambientalistas se juntam os movimentos pelo “fim das fronteiras” ou pela liberdade de imigração. São seus aliados os defensores da “relativização” da identidade nacional de cada país — as nações, segundo eles, deveriam reduzir suas exigências quanto à independência, tender à adoção de leis internacionais e abrir mão de valores próprios. Há os pregadores de uma “maior aceitação do islamismo” por países cristãos, os “animalistas” e toda uma constelação de entidades, grupos ou seitas com objetivos disparatados, mas com a suprema ideia comum de que “o capitalismo fracassou”.

São esses os revolucionários de hoje. Podem se revelar apenas um incômodo. Mas a cada dia vão fazer mais barulho — e levar muitas coisas a mudarem na economia.

(Publicado na edição impressa da Exame)


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