terça-feira, 8 de outubro de 2019

A ocasião faz o ladrão

Fábio Chazyn

Há controvérsias. Nosso grande Machado de Assis preferiu refrasear o provérbio que ouvíamos da Vovó: “A ocasião faz o furto. O ladrão nasce feito”.

Quem sabe os dois estão certos. Vovó queria dizer que a ocasião explica, enquanto Machadão queria dizer que a ocasião não justifica!

De fato, quem não tem compromisso em respeitar as fronteiras entre o Bem e o Mal, não tem porque respeitar fronteiras entre o que é legitimamente seu e o que não é.

Toda nação está exposta a influências culturais do Mal. Na nossa tivemos a “Lei de Gerson” exaltando vantagens quando não nos importamos com questões morais ou éticas. Não podemos afirmar se essa “Lei” é causa do mau-caratismo que assola o País ou se é efeito dele. O fato é que ele contaminou todos os nossos compatriotas.

É uma ‘doença escrupulária’ com quadro de ‘psicopatia coletiva’ aguda, que se manifesta antes, durante e após as refeições. Indistintamente ao sexo, crença ou etnia. Basta que dois brasileiros se coloquem em face de algo que desejam para disputá-lo com uma brutalidade imoral de causar vergonha à mais bruta “Lei das Selvas”.

Ainda que os homens-públicos, pela evidência dos seus cargos, protagonizem os escândalos de corrupção e outros atentados à cidadania, produzindo indignação em todos nós, condená-los não lava a nossa alma. Eles, sem respeitar as fronteiras entre o público e o privado se despiram da honra da ilibada reputação. Nós, cidadãos comuns, enquanto não temos que nos vestir daquela honra, vamos seguindo dentro da lei. Só que é a “Lei de Gerson”, a única lei que respeitamos por espontânea vontade...

Os tais homens-públicos fracos de caráter não resistiram ao canto-da-sereia e foram engolidos pelo buraco moral-político-econômico-financeiro-social-jurídico-constitucional-diplomático-institucional. Nós outros, seguimos esperando pelo Salvador-da-Pátria sentados no ‘banco-esplêndido’, como se não tivéssemos nada a ver com esses desmandos. Não dá pra aceitar com passividade quando o nosso navio corre o risco de afundar e muito menos a atitude daqueles que ainda ajudam a tempestade a colocá-lo a pique, como na fábula do sapo e o escorpião. Dá pra explicar, mas não dá pra justificar.

A promiscuidade incestuosa da natureza do nosso presidencialismo-de-coalizão permitiu que os “representantes do povo” pudessem dar um prejuízo à Nação de proporções mundialmente inusitadas do nível de 8 trilhões de reais, sem se intimidar em tripudiar seus conterrâneos com a desfeita de que “corrupção é pra quem pode e não pra quem quer” e nos demonstrar que a impunidade do bandido está mais viva do que nunca e que, no ‘Brasil deles’, é o bandido que coloca o mocinho na cadeia!

Como explicar o processo de transmutação do homem-público em ladrão-de-colarinho-branco com ambição desenfreada e ganância desmedida, sem apontar para o defeito de funcionamento da nossa democracia, que não logrou que o povo pudesse “emanar o seu poder” através dos seus representantes que elegeu? Como acreditar na quimera de que, sem interceder na estrutura de poder, as coisas irão entrar nos eixos?

Os pseudo-representantes usam o poder conferido em benefício próprio e, despudoradamente fazem divulgar insinuações de seus malfeitos. Alguns, mais ousados, transformaram as portas dos presídios em portas-giratórias sob pretextos cada vez menos tímidos e barganhas cada vez mais ousadas. A dissimulação e a desinformação são as armas dos escroques travestidos de homens-públicos. O aparelho midiático a serviço dessa “classe-política” sem classe foi aliciado para divulgar uma confusão paradoxal e, por isso, dissimuladora, promovendo a idéia de que política é coisa de bandido e que o cidadão de bem não pode gostar da política. Exploram o fato de que um cidadão desinformado é manipulável.

Na guerra da cultura do mal, a alternativa do mocinho é refugiar-se na trincheira da Pátria. É o lado positivo das coisas: na trincheira da Pátria, o cidadão passa a entender o valor da união entre os patriotas e o perigo da sua desagregação; fica claro que só a Pátria protege o cidadão.

À exceção de alguns poucos que ainda acreditam que o Lula é o mocinho e o Sérgio Moro é o bandido, o resto da sociedade escapou do controle da mídia extrema dos bandidos que não conseguiu esconder os vazamentos sobre o Mensalão e a Lava-Jato abrindo a brecha fatal do movimento popular em torno do ‘verde-e-amarelo’.

O (des)serviço dos sabotadores da Pátria ficou mais difícil. Mas, se coibir crimes é atitude necessária, não é suficiente para tirar o barco da tempestade. Cada um de nós tem que assumir a responsabilidade de remar organizadamente para ele avançar e de participar da escolha da melhor rota para atingir o porto-seguro.

Na trincheira da Pátria, a cultura é do Patriotismo. Este também alvo das injúrias de quem ignora os contextos para gravar estigmas e desvalorizar o conceito. É o caso da polêmica entre Patriotismo e Nacionalismo.

Seria o Patriotismo um sentimento inseparável do desejo de poder e prestígio? Ou, como o acusam alguns, é um sentimento lamentável que força o patriota ser inimigo do resto da humanidade, enquanto outros o veem como o inimigo da fé-religiosa ou, ainda, como o inimigo do “proletariado internacional”?

Questões semânticas que, retiradas de contextos próprios, servem para sabotar a organização dos mocinhos em torno da bandeira do patriotismo, que é para os brasileiros, aqui e agora, o sentimento de amor à Pátria e solidariedade a outros cidadãos que têm o mesmo sentimento.  No Brasil, hoje, o Patriotismo é o único remédio contra a prática do “cada-um-pra-si” e do “salve-se-quem-puder”. É o único caminho para assegurar a segurança do cidadão e o futuro da Nação.

Não basta punir o transgressor, é preciso atacar a causa que gera a transgressão. É preciso incutir no cidadão o espírito de cidadania!

É verdade que a ocasião propicia a oportunidade para um mau caráter roubar. Precisamos nos curar da doença que nos contaminou e nos prepararmos para evitar recaídas. É preciso formular nosso ‘Projeto Estratégico de Nação’ para embasar a reforma da nossa Constituição Federal, essencial para reconstruir o cidadão brasileiro.

Precisamos de uma Constituição que promova o patriotismo e os meios para a nossa participação direta na política sem termos de recorrer a representantes lobos-em-pele-de-cordeiro.

Só pela participação do cidadão na política é que um país pode desenvolver-se genuinamente como Nação. Sem excluir o interregno de um regime de exceção para viabilizar o redesenho do Estado, só o regime democrático pode pavimentar o caminho do cidadão informado e opinativo, pois ainda que a democracia não seja capaz de garantir o poder aos melhores, é através dela que se evita que os piores fiquem lá para sempre.

Fabio Chazyn, empresário, engenheiro, cientista político, mestre em história econômica pela London School of Economics e escultor.
Autor do livro: “Consumo Já!” – Por um Novo Itamaraty (2019) - fchazyn@chazyn.com

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