Fábio Chazyn
Há
controvérsias. Nosso grande Machado de Assis preferiu refrasear o provérbio que
ouvíamos da Vovó: “A ocasião faz o furto. O ladrão nasce feito”.
Quem
sabe os dois estão certos. Vovó queria dizer que a ocasião explica, enquanto
Machadão queria dizer que a ocasião não justifica!
De fato,
quem não tem compromisso em respeitar as fronteiras entre o Bem e o Mal, não
tem porque respeitar fronteiras entre o que é legitimamente seu e o que não é.
Toda
nação está exposta a influências culturais do Mal. Na nossa tivemos a “Lei de
Gerson” exaltando vantagens quando não nos importamos com questões morais ou
éticas. Não podemos afirmar se essa “Lei” é causa do mau-caratismo que assola o
País ou se é efeito dele. O fato é que ele contaminou todos os nossos compatriotas.
É uma
‘doença escrupulária’ com quadro de ‘psicopatia coletiva’ aguda, que se
manifesta antes, durante e após as refeições. Indistintamente ao sexo, crença
ou etnia. Basta que dois brasileiros se coloquem em face de algo que desejam
para disputá-lo com uma brutalidade imoral de causar vergonha à mais bruta “Lei
das Selvas”.
Ainda
que os homens-públicos, pela evidência dos seus cargos, protagonizem os
escândalos de corrupção e outros atentados à cidadania, produzindo indignação
em todos nós, condená-los não lava a nossa alma. Eles, sem respeitar as
fronteiras entre o público e o privado se despiram da honra da ilibada
reputação. Nós, cidadãos comuns, enquanto não temos que nos vestir daquela
honra, vamos seguindo dentro da lei. Só que é a “Lei de Gerson”, a única lei
que respeitamos por espontânea vontade...
Os tais
homens-públicos fracos de caráter não resistiram ao canto-da-sereia e foram
engolidos pelo buraco
moral-político-econômico-financeiro-social-jurídico-constitucional-diplomático-institucional.
Nós outros, seguimos esperando pelo Salvador-da-Pátria sentados no
‘banco-esplêndido’, como se não tivéssemos nada a ver com esses desmandos. Não
dá pra aceitar com passividade quando o nosso navio corre o risco de afundar e
muito menos a atitude daqueles que ainda ajudam a tempestade a colocá-lo a
pique, como na fábula do sapo e o escorpião. Dá pra explicar, mas não dá pra
justificar.
A
promiscuidade incestuosa da natureza do nosso presidencialismo-de-coalizão
permitiu que os “representantes do povo” pudessem dar um prejuízo à Nação de
proporções mundialmente inusitadas do nível de 8 trilhões de reais, sem se
intimidar em tripudiar seus conterrâneos com a desfeita de que “corrupção é pra
quem pode e não pra quem quer” e nos demonstrar que a impunidade do bandido
está mais viva do que nunca e que, no ‘Brasil deles’, é o bandido que coloca o
mocinho na cadeia!
Como
explicar o processo de transmutação do homem-público em
ladrão-de-colarinho-branco com ambição desenfreada e ganância desmedida, sem
apontar para o defeito de funcionamento da nossa democracia, que não logrou que
o povo pudesse “emanar o seu poder” através dos seus representantes que elegeu?
Como acreditar na quimera de que, sem
interceder na estrutura de poder, as coisas irão entrar nos eixos?
Os
pseudo-representantes usam o poder conferido em benefício próprio e,
despudoradamente fazem divulgar insinuações de seus malfeitos. Alguns, mais
ousados, transformaram as portas dos presídios em portas-giratórias sob
pretextos cada vez menos tímidos e barganhas cada vez mais ousadas. A
dissimulação e a desinformação são as armas dos escroques travestidos de
homens-públicos. O aparelho midiático a serviço dessa “classe-política” sem
classe foi aliciado para divulgar uma confusão paradoxal e, por isso,
dissimuladora, promovendo a idéia de que política é coisa de bandido e que o
cidadão de bem não pode gostar da política. Exploram o fato de que um cidadão
desinformado é manipulável.
Na
guerra da cultura do mal, a alternativa do mocinho é refugiar-se na trincheira
da Pátria. É o lado positivo das coisas: na trincheira da Pátria, o cidadão
passa a entender o valor da união entre os patriotas e o perigo da sua
desagregação; fica claro que só a Pátria protege o cidadão.
À
exceção de alguns poucos que ainda acreditam que o Lula é o mocinho e o Sérgio
Moro é o bandido, o resto da sociedade escapou do controle da mídia extrema dos
bandidos que não conseguiu esconder os vazamentos sobre o Mensalão e a
Lava-Jato abrindo a brecha fatal do movimento popular em torno do
‘verde-e-amarelo’.
O
(des)serviço dos sabotadores da Pátria ficou mais difícil. Mas, se coibir
crimes é atitude necessária, não é suficiente para tirar o barco da tempestade.
Cada um de nós tem que assumir a responsabilidade de remar organizadamente para
ele avançar e de participar da escolha da melhor rota para atingir o
porto-seguro.
Na
trincheira da Pátria, a cultura é do Patriotismo. Este também alvo das injúrias
de quem ignora os contextos para gravar estigmas e desvalorizar o conceito. É o
caso da polêmica entre Patriotismo e Nacionalismo.
Seria o
Patriotismo um sentimento inseparável do desejo de poder e prestígio? Ou, como
o acusam alguns, é um sentimento lamentável que força o patriota ser inimigo do
resto da humanidade, enquanto outros o veem como o inimigo da fé-religiosa ou,
ainda, como o inimigo do “proletariado internacional”?
Questões
semânticas que, retiradas de contextos próprios, servem para sabotar a
organização dos mocinhos em torno da bandeira do patriotismo, que é para os
brasileiros, aqui e agora, o sentimento de amor à Pátria e solidariedade a
outros cidadãos que têm o mesmo sentimento. No Brasil, hoje, o
Patriotismo é o único remédio contra a prática do “cada-um-pra-si” e do
“salve-se-quem-puder”. É o único caminho para assegurar a segurança do cidadão
e o futuro da Nação.
Não basta punir o transgressor, é
preciso atacar a causa que gera a transgressão. É preciso incutir no cidadão o
espírito de cidadania!
É
verdade que a ocasião propicia a oportunidade para um mau caráter roubar.
Precisamos nos curar da doença que nos contaminou e nos prepararmos para evitar
recaídas. É preciso formular nosso ‘Projeto Estratégico de Nação’ para embasar
a reforma da nossa Constituição Federal, essencial para reconstruir o cidadão
brasileiro.
Precisamos
de uma Constituição que promova o patriotismo e os meios para a nossa participação direta na política sem termos de
recorrer a representantes lobos-em-pele-de-cordeiro.
Só pela
participação do cidadão na política é que um país pode desenvolver-se
genuinamente como Nação. Sem excluir o interregno de um regime de exceção para
viabilizar o redesenho do Estado, só o regime democrático pode pavimentar o
caminho do cidadão informado e opinativo, pois ainda que a democracia não seja
capaz de garantir o poder aos melhores, é através dela que se evita que os
piores fiquem lá para sempre.
Fabio Chazyn, empresário,
engenheiro, cientista político, mestre em história econômica pela London School
of Economics e escultor.
Autor do livro: “Consumo Já!” – Por
um Novo Itamaraty (2019) - fchazyn@chazyn.com
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