Sérgio Paulo Muniz Costa
É pacífico que a corrupção que lavra hoje no Brasil
é política. Não há dúvida de onde ela provém, a que serve e quem a promove. No
entanto, mesmo conhecida sua natureza, seu significado talvez ainda não tenha
sido percebido pela sociedade: a ameaça de um projeto de poder corruptor ao
Estado de Direito no Brasil. E à luz dos fatos verificados na troca de comando
da Petrobrás, o mecanismo desse projeto continua funcionando, com suas
engrenagens quebradas pelas denúncias, escândalos e processos sendo reparadas
na fôrma dos novos deslumbrados. Paralelamente, doutores se movem com
desenvoltura nos bastidores da República, não para enfrentar a doença
degenerativa da corrupção que vai se institucionalizando, mas sim para estancar
a hemorragia das denúncias que contrariam seus patrões (pasmem) públicos.
Não foi sem sobressaltos que chegamos à condenação
do mensalão, consumada tão somente por um ato heroico, não se esperando menores
tergiversações em relação às falcatruas bilionárias que mais uma vez desaguarão
ao STF, pior agora, quando não há heróis no horizonte da Nação. Mas o
desastre do comprometimento de tantas pessoas de suma responsabilidade com a
corrupção e a perspectiva real de vitória do poder corruptor leva à conclusão
de que o problema do País está além da corrupção em si mesma, para cujo
enfrentamento a legalidade é condição necessária mas insuficiente.
O maior filósofo moderno, Immanuel Kant (1724
-1804), cuja inteira obra partiu da premissa da autoconsciência, coroou a sua
visão sobre política, direito e virtude na Metafísica dos Costumes (1797),
a qual ele dividiu em duas legislações que prescreveriam ações internas e
externas ao indivíduo: a ética que converteria as ações internas em dever e
esse dever em motivação; e a jurídica que não incluiria esse dever na lei,
tendo-o por externo, inexigível a obrigação do agente para com ele.
Daí se extraem duas conclusões. A primeira é a de
que a legislação ética é superior à legislação jurídica, na medida em que nesta
última basta a concordância da ação com a lei, sem importar a sua motivação,
enquanto que na primeira se faz necessário que o dever pela lei seja
simultaneamente a motivação para a ação. Outra conclusão, deduzida da primeira
quanto às ações dos indivíduos, é a de que uma legalidade eficaz deve proceder
da moralidade.
Se tanto não for suficiente para provar o papel
determinante da moralidade no comportamento do homem, basta nos lembrarmos de
outra assertiva da mesma lavra, segundo a qual uma pessoa não está submetida a
nenhuma outra lei além daquela que dá a si mesma, em outros termos, de que não
há moral sem liberdade.
Se o perpasse pela metafísica dos costumes de Kant
nos autoriza a inferir a prevalência da moralidade, em
sua Lógica (1800), ele a colocou explicitamente no campo prático
como fim último a que se deve referir todo o uso de nosso conhecimento, o
desafio de operacionalização do bem; em sua Antropologia de um Ponto de
Vista Pragmático (1796-1797), indicou os sinais externos da moralidade
pelos quais o homem eticamente bom pode se tornar querido e admirado, a
estética do bem; e na sua Crítica da Faculdade de Julgar (1790) asseverou
que só como ser moral o homem pode ser o fim final da criação, pelo qual atinge
o seu fim subjetivo, a felicidade, o propósito do bem.
Esses preceitos de Kant se podem resumir em fazer
com que as pessoas ajam por convicções (ações internas); que encontrem maneiras
de agir bem (prática moral); que emanem a imagem do bem (estética moral); que
deem bons procedimentos a si mesmas (leis) e que se vejam como fins
transcendentais (fim último da criação).
Difícil? Promova-se a educação, que torna cada
pessoa capaz de julgar por si mesma; respalde-se a família, a experiência
primeira e fundamental na legislação ética; valorize-se a religião, a “moral em
relação a Deus como legislador”; e difunda-se o civismo, a confluência das
legislações ética e jurídica no bem comum.
E enquanto não se forja no País uma geração mais
informada sobre os seus direitos e deveres, antes de tudo, para consigo mesma,
que se leve em boa conta a experiência de quantos serviram ao Exército
Brasileiro e ao Brasil, a qual, impessoal e modestamente, se resume abaixo.
SUBSÍDIOS
PARA A MORALIDADE NO TRATO DA COISA PÚBLICA
1. RESPONSABILIDADE E
AUTORIDADE
Trate sua atividade-meio com o mesmo cuidado que
dedica à sua atividade-fim. Ambas servem à sociedade e são custeadas com
recursos públicos. Jamais delegue responsabilidade sobre qualquer atividade e
nunca conceda autoridade a quem não tenha capacidade e não mereça confiança.
2. ORGANIZAÇÃO E
MÉTODO
Organize processos, rotinas, atividades e
instalações. Seja flexível quando necessário, mas não altere a todo momento as
normas e procedimentos, e nem aceite emergências e queimas de etapas sem
justificativas.
3. RESPEITO ÀS PESSOAS
Respeite a integridade pessoal e profissional de
quem exerce suas atribuições funcionais. Não exponha seus subordinados a
situações constrangedoras e não deixe que lhes façam demandas ilegais, sob
qualquer pretexto.
4. PRESENÇA
Acompanhe, avalie, oriente, fiscalize e apoie seus
subordinados no exercício de suas atribuições. Não permita que pessoas
mal-intencionadas violem as normas e jamais aceite que um procedimento aético,
imoral ou ilegal se firme como via de realização de qualquer coisa.
5. LIDERANÇA E
AUTORIDADE
Avoque os conflitos e resolva-os pela sua liderança
e autoridade. Não permita que rivalidades pessoais atrapalhem o trabalho ou
imobilizem a administração e jamais convoque uma reunião sem o firme propósito
de resolver um problema.
6. PARTICIPAÇÃO
Estimule, valorize e divulgue a participação das
pessoas nos processos e atividades sob sua responsabilidade. Não suprima a
inciativa e não iniba a exteriorização de opinião de seus subordinados quando
feita de maneira adequada e oportuna.
7. LEALDADE
Seja leal não só às pessoas no exercício de suas
funções, como também aos princípios e compromissos de sua organização ou
instituição. Seja leal em todas as direções e situações e nunca deixe que essa
lealdade fique em dúvida em qualquer incidente.
8. CONVICÇÃO
Aja com convicção nos princípios e compromissos que
assumiu pessoalmente e demonstre isso em todas as oportunidades, lembrando-se
de que a palavra convence, mas o exemplo arrasta.
9. RESPONSABILIDADE
Meça cuidadosamente as consequências de seus atos e
decisões, não só em relação à própria reputação profissional, mas também no que
diz respeito à organização ou instituição da qual faz parte, tanto no presente
quanto no futuro.
10. MISSÃO
Em qualquer circunstância, mantenha seu compromisso
com o cumprimento da missão que lhe foi atribuída e à organização ou
instituição da qual faz parte. Seja eficiente, eficaz e efetivo. Lembre-se de
que por mais importantes que possamos nos achar ou parecer, somos sempre
instrumento para consecução de um propósito, irredutivelmente bom.
Por incrível que pareça, o Brasil depende disso que
só depende de nós!
Sérgio Paulo Muniz Costa é coronel
do Exército, historiador e sócio do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. Foi instrutor da Academia Militar das Agulhas Negras, comandou o
27o Grupo de Artilharia de Campanha, Grupo Monte Caseros, IJUÍ – RS
(1996-1997) e foi Chefe da Divisão Administrativa e Ordenador de Despesas do
então Departamento Logístico, atual Comando Logístico (2003-2006). Dentre livros,
ensaios e artigos publicados nos principais jornais brasileiros, é autor do
capítulo “Cultura organizacional nas empresas e instituições” (TARAPANOFF,
Kira. Aprendizado Organizacional. Curitiba: IBPEx, 2011).
Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
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