Paulo
Tafner
As mudanças
propostas pelo governo não são injustas. Pelo contrário.
No meu artigo anterior, escrevi que os funcionários públicos não
podem ser apontados como os únicos vilões do nosso sistema previdenciário, que
é repleto de erros e injustiças.
Mas isso não quer dizer que o regime previdência dos servidores deva
continuar como está. É necessário fazer mudanças, e elas são óbvias quando se
faz uma análise mais detalhada sobre o tema. Apenas não são defendidas por quem
quer manter uma situação de privilégio, em detrimento dos demais.
Vale lembrar que há desigualdades mesmo entre os funcionários
públicos, e a reforma da previdência enviada pelo governo ao Congresso
(PEC 06/2019) trata disso.
Vamos aos fatos. A PEC 06/2019 propõe basicamente o seguinte em
relação aos servidores:
i. Alíquota progressiva que variará entre 7,5% e 22%. A cobrança
seguirá a sistemática do IR (alíquota marginal), fazendo com as alíquotas
efetivas sejam crescentes atingindo o máximo de 17,79% para salários de R$
39.000 e de aproximadamente 18% para remunerações superiores a esse valor;
ii. Fixação de idade mínima de 64 anos para homens e 62 para mulheres,
com tempo de contribuição mínimo de 35 anos para homens e 30 para mulheres. A
transição será rápida: em 2028 se encerrará para homens e em 2033, para
mulheres;
iii. Para manter a integralidade, quem ingressou no serviço público
até 31/12/2003 deverá cumprir a regra definitiva (idade mínima final e tempo de
contribuição). Para quem ingressou a partir desta data, será aplicado o mesmo
critério do RGPS;
iv. Policiais civis e agentes penitenciários e socioeducativos terão
uma idade mínima de 55 anos para homens e mulheres e 30/25 aos de contribuição;
v. Professores de ambos os sexos deverão ter 60 anos de idade (homens
e mulheres) e 30 anos de contribuição para se aposentar;
vi. Policiais militares e bombeiros serão regidos por legislação
federal e semelhante à das Forças Armadas;
vii. Para os detentores de cargos eletivos, haverá um pedágio para os
atuais eleitos e regras o RGPS para os futuros.
A PEC também dedica especial atenção aos regimes próprios dos entes
subnacionais (estados e municípios) ao estabelecer que:
a. Todas as novas regras valem para estados, município e distrito
federal;
b. Na ocorrência de déficit atuarial, deverão elevar alíquotas para no
mínimo 14%;
c. Há limitações de incorporações de gratificações aos benefícios
previdenciários;
d. Existe a obrigatoriedade de, no prazo de 2 anos, instituir a
previdência complementar.
Trata-se de um conjunto de medidas que atingirão o âmago da crise
fiscal decorrente da previdência dos servidores públicos. Mas a PEC 006/2019
não para por aí. Ela autoriza a instituição de alíquotas progressivas e a criação
adicional de alíquotas extraordinárias para equacionamento do déficit. Como o
acerto e a pertinência das medidas iniciais são evidentes, neste artigo me
deterei sobre os dois últimos aspectos.
- Alíquota progressiva: a PEC define que a alíquota-base de
contribuição será de 14%, mas variará de forma cumulativa e marginal segundo
faixas de remuneração do servidor. Assim, para a parcela até 1 SM, incidirá a
alíquota de 7,5%; na parcela acima desse valor até R$ 2 mil, incidirá a
alíquota de 9% e assim progressivamente, até o limite de 22% para a parcela que
exceder R$ 39 mil.
A questão importante aqui é: faz sentido haver alíquotas
previdenciárias progressivas? E a resposta óbvia a isso é que sim, faz todo
sentido. Tomemos dois casos de servidores contratados antes de 2003 – portanto
submetidos às “velhas regras’ – e vamos admitir que nenhuma alteração proposta
na PEC 006/2019 esteja em vigor, exceto a alíquota progressiva.
Por simplicidade, vamos admitir que o primeiro servidor tenha
remuneração constante de R$ 5 mil ao longo de todos os 35 anos de contribuição
e que se aposente aos 60 anos. O segundo tem as mesmas condições, mas sua
remuneração é R$ 20 mil.
Nas regras atuais o primeiro servidor terá feito contribuições –
considerada aqui a parcela do empregador – no montante de R$ R$ 750 mil e
deverá receber de aposentadoria o montante de R$ 1,330 milhão, abrindo um
passivo de R$ 579 mil. Com a alíquota progressiva, o passivo será reduzido para
R$ 572 mil, o que equivale a um pequena redução de apenas 2%. Já o segundo
servidor acumulará contribuições no valor de R$ 3,403 milhões e deverá receber
R$ 5,320 milhões, abrindo um passivo de R$ 1,916 milhão, nas regras atuais. Com
a alíquota progressiva, seu passivo cairá para R$ 1,377 milhão, o que equivale
a uma redução de 28%.
Em síntese, remunerações mais elevadas abrem passivos muito elevados e
a alíquota progressiva faz com que, quanto maior o passivo, maior sua redução.
Medida socialmente justa, porém, como se vê, insuficiente para equilibrar o
sistema. As demais regras propostas na PEC se encarregarão de reduzir ainda
mais esse passivo, mas não o eliminarão.
- Alíquota extraordinária: a PEC define que os entes poderão
criar uma alíquota extraordinária visando equacionar o passivo atuarial de seu
regime próprio. No texto da PEC fica explicito que a alíquota extraordinária
incidirá sobre aposentadorias e pensões, ficando isento o primeiro salário
mínimo. O Ente poderá estabelecer alíquota extraordinária progressiva, de modo
a penalizar mais intensamente as aposentadorias e pensões de valores mais
elevados.
Para que o leitor tenha ideia precisa da medida proposta é necessária
alguma explicação: na legislação atual, a contribuição previdenciária do
servidor aposentado ou pensionista incide apenas na parcela que exceder o teto
do RGPS. Assim, por exemplo, se um servidor aposentado ganha até R$ 5.839,45,
ele nada contribui. Se outro ganha R$ 10 mil, somente será aplicada a
contribuição no valor de R$ 4.160,55 (10.000 – 5839,45 = 4.160,55).
Considerando a alíquota atual da União (11%), isso significa, no exemplo, uma
alíquota efetiva de 4,57%. E o servidor ativo que ganha os mesmos R$ 5.839,45
ou R$ 10 mil? Em ambos os casos contribui com 11% sobre a totalidade do
vencimento, ou seja, 11%. Essa é sua alíquota efetiva.
Como informado anteriormente, são justamente os atuais aposentados e
pensionistas e os ativos que entraram antes de 2003 que têm as regras
previdenciárias mais benevolentes e que, consequentemente, abrem o maior
passivo previdenciário dos regimes próprios. Aqueles que entraram depois de
2003 não têm integralidade, nem paridade. E aqueles que entraram depois de 2013
têm garantido apenas o teto do RGPS.
Equilibrar o sistema mantendo essa disparidade contributiva, além de
ser injusto, implicaria em alíquotas superlativas para os mais jovens,
justamente aqueles que abrem menor passivo! Se esses, com a reforma, terão que
trabalhar mais tempo, terão alíquotas progressivas e valores de aposentadoria e
pensão limitados, nada mais correto do que dividir o esforço de equilíbrio
entre as várias gerações, estabelecendo alíquotas extraordinárias para aqueles
que desfrutam de regras muito mais generosas.
Enganam-se aqueles que consideram que essa regra básica de
justiça terá vida fácil no Congresso. São justamente os grupos de elite do
setor público os mais diretamente afetados por essas duas medidas. São eles
também que dispõem de capacidade argumentativa e de mobilização junto aos
parlamentares para “mostrar a injustiça” das medidas, a “violação dos direitos
adquiridos”, a “inconstitucionalidade” da proposta e mesmo o “caráter
confiscatório” da alíquota progressiva e da alíquota extraordinária.
Esquecem ou omitem, porém, que a contrapartida de seu privilegio é a
sobrecarga tributária dos mais pobres. É a transferência líquida de recursos de
pobres para ricos.
Quanto a isso faço um pequeno relato da verdadeira batalha jurídica
que o estado do Rio Grande do Sul enfrentou quando, diante de um quadro fiscal
já muito abalado, aprovou lei estadual que elevava a contribuição dos
servidores públicos de 11% para 14%.
“[...] O Tribunal de Justiça daquele estado acatou Ação Direta de
Inconstitucionalidade do reajuste da alíquota dos servidores para 14%, que foi
proposta pelo procurador-geral de Justiça do Rio Grande do Sul, Eduardo de Lima
Veiga, que era o chefe do Ministério Público. Originalmente, a alegação de
inconstitucionalidade foi provocada pela União Gaúcha em Defesa da Previdência
Social e Pública, presidida pelo também presidente da Associação dos Juízes do
RS (Ajuris), Giovani Pio Dresch. A alegação seria de que o aumento configuraria
confisco, além da progressividade não ser autorizada pela constituição. Também
foi alegado que não havia cálculo atuarial que justificasse a necessidade da
medida.”
No STF, o Ministro Joaquim Barbosa revogou a liminar concedida pelo
TJ/RS, autorizando a cobrança da contribuição de 14%. Em seu voto, após indicar
analisar e discorrer sobre a matéria, conclui:
“[...] Se o estado-requerente não puder reduzir o déficit do RPPS com
a solidariedade dos servidores públicos, esses valores serão cobrados de toda a
sociedade.”
Infomoney
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