Inayatulhaq Yasini e
Swaminathan Natarajan
Nazanin ficou noiva aos cinco anos
de idade. Quando ela fez dez anos, já era esposa. A família do seu marido de 12
anos a havia comprado por US$ 3.500 (cerca de R$ 14 mil em valores atuais) seis
anos atrás.
Seus
pais a venderam para levantar fundos para pagar o tratamento médico de um filho
doente.
"A
dor do meu filho era insuportável. Quando olhava para o rosto dele, pensava que
tínhamos de arrumar o dinheiro. O pai da Nazanin estava relutante, mas eu
convenci meu marido a aceitar o dinheiro em troca da nossa filha", diz a
mãe, que vive num campo de refugiados no oeste do Afeganistão.
A mãe e
o pai de Nazanin têm sete filhos - três meninas e quatro meninos. Eles não
estudaram e não sabem ler. Eles não têm dinheiro, nem trabalho.
Inayatulhaq
Yasini, do Serviço Mundial da BBC, falou com eles sobre a decisão de vender a
filha.
Num
esforço desesperado para salvar o filho, a família decidiu entregar a filha.
"Eu
aceitei o dinheiro e aceitei dar minha filha mais velha. Mas meu filho não se
recuperou e não pude ficar com minha filha", diz a mãe.
"Se
alguém vende um filho é claro que há arrependimentos. Eu tenho, mas não adianta
nada", diz o pai.
Casamento de crianças
No
Afeganistão, a idade legal para casamento é de 16 anos para meninas e 18 para meninos.
Mas muita gente se casa antes disso.
De
acordo com um relatório de 2018 do Unicef, 35% das meninas afegãs são casadas
aos 18 e 9% se casam antes dos 15.
Entre
outros países, o Níger tem o pior desempenho, com 76% das meninas se casando
antes dos 18. Em Bangladesh, que viveu um grande progresso econômico nos
últimos anos, o dado é de 59%, segundo o relatório.
'Preço de noiva'
O
Afeganistão sofreu por décadas com guerras e, mais recentemente, uma seca
terrível. Por consequência, a perspectiva de emprego é ruim para muitas
famílias.
"No
nosso costume tribal, não é um problema ou um tabu fazer um acordo de
casamento, mesmo com crianças pequenas. Mas muitos só casariam as filhas aos
18", diz a mãe.
De
acordo com a lei islâmica, o noivo tem de dar um presente à noiva - em geral,
dinheiro - quando é feito o contrato do casamento. Isso é conhecido como Mehr.
Mas além
do Mehr, o pai da noiva ou o irmão mais velho podem tentar obter dinheiro
da família do noivo - o "preço de noiva" - antes do casamento.
Pedir
esse dinheiro é uma tradição afegã, sem fundamento na lei islâmica, segundo
Faizal Muzhary, pesquisador da Afghanistan Analysts Network.
O
dinheiro cobrado depende de vários fatores, como o status da família, beleza,
idade e nível educacional da menina. Pode ir desde algumas centenas de dólares
até dezenas de milhares.
Num país
com PIB anual per capita de menos de US$ 600, esse dinheiro pode fazer toda a
diferença para algumas famílias.
Seca
A
família de Nazanin foi atingida por uma seca que tomou grande parte do
Afeganistão em 2018.
"Tínhamos
plantações e algumas criações de gado. Mas tivemos que largar tudo", diz o
pai.
Os
animais morreram desidratados, a família abandonou seu vilarejo e se mudou para
o campo de refugiados.
De
acordo com a ONU, 275.000 pessoas foram desalojadas no oeste do Afeganistão
devido à seca. Muitas agências locais e internacionais estão dando apoio, mas o
pai de Nazanin diz que ainda falta muita coisa.
Presos
numa espiral de dívidas, o futuro do casal e das outras duas filhas, que têm
menos de 10 anos, é incerto.
"Se
continuar na miséria e alguém oferecer dinheiro pelas minhas filhas, faria o
mesmo com elas. As pessoas de quem peguei dinheiro emprestado me ligam várias
vezes por dia cobrando", diz o pai.
"Minhas
filhas são o único ativo que tenho."
Casamento infeliz
Forçados
a deixar seu lar, eles optaram por fazer um casamento rápido para reduzir
gastos.
Quando
Nazanin fez 10 anos, a família organizou a cerimônia, que teve mais de cem
convidados.
"Eu
dei o que pude à minha filha. O dinheiro do casamento não era tanto", diz
o pai.
Mas
passou longe de ser uma ocasião feliz.
"Se
não fosse o desespero, não optaria pelo casamento dela, juro que não, mas
precisava do dinheiro", diz ele.
"O
que poderia fazer? Era minha única opção. Não estou só - muitos outros já
fizeram isso."
Grupo vulnerável
Um
relatório de 2015 do Conselho Norueguês de Refugiados diz que mulheres
desalojadas e meninas que vivem em assentamentos informais em áreas urbanas
estão especialmente vulneráveis a serem obrigadas a casar com homens mais
velhos, que têm mais dinheiro para pagar o 'preço de noiva'.
Mas Nazanin,
que tem 11, não se casou com um homem mais velho, pelo menos.
"Ela
ficou dois meses na casa dos sogros. Eles a trataram como sua filha. Seu marido
tem uns 12 anos. Ele também é tímido e não fala muito", diz a mãe.
Sem consentimento
Nazanin
nunca foi consultada sobre seu casamento. Sua mãe e pai não explicaram a ela os
papéis e as responsabilidades da vida de casada e, claro, Nazanin teve
dificuldade de se adaptar.
"Pedimos
que deixassem nossa filha ficar conosco mais uns anos", diz a mãe.
Nazanin
agora voltou a morar com seus pais. Seus sogros prometeram pegá-la de volta
quando estiver um pouco maior, em dois ou três anos.
"Ela
não sabe lidar com os sogros e o marido porque é muito nova", diz o pai.
Aumento no casamento de crianças
O Unicef
diz que 161 casamentos infantis ocorreram naquela região entre julho e outubro
do ano passado. Desses, 155 eram meninas e seis, meninos.
"O
casamento de crianças é uma norma social tradicional em algumas partes do país.
A situação é piorada pela guerra e pela seca", diz a chefe de comunicação
do Unicef no Afeganistão, Alison Parker.
"De
julho a outubro houve um aumento drástico desses casamentos. Mas, desde então,
houve forte intervenção do governo, o que resultou numa redução grande."
O
governo afegão lançou uma ambiciosa campanha para acabar com os casamentos de
crianças e casamentos forçados. Uma lei que aumenta a idade mínima de
casamentos de meninas para 18 anos está tramitando no Parlamento.
Ajuda humanitária
Agências
de ajuda humanitária estão tentando melhorar a vida das pessoas desalojadas.
"Quatro
décadas de guerra civil destruíram as estruturas sociais básicas que você
encontra em outros países. Em várias partes do país a população rural não tem
acesso a crédito. É um ambiente volátil e ninguém está disposto a
investir", diz Alfred Mutiti, do Unicef.
"A
maioria das famílias desalojadas tem dívidas altas. Não conseguem pagar
empréstimos. Mesmo se dermos dinheiro, não vai ajudar, será uma gota no
oceano", diz ele.
Esperteza
No
acampamento, a família de Nazanin ainda espera receber ajuda do governo ou das
agências humanitárias. A única luz no fim do túnel é o fato de que há
oportunidades educacionais.
Os pais
dela têm orgulho do fato de que a filha mais velha sabe escrever o próprio nome
e o do pai.
"Nazanin
é esperta, conhece o alfabeto", diz a mãe.
Dois dos
filhos estão estudando.
Esperança
Mas a
família está longe de estar feliz e diz que não tem ninguém para apoiá-los.
Isso chateou a jovem noiva.
"Nazanin
me diz: 'mãe, você me casou muito nova, mas meu irmão continua doente'. Mas ela
também diz: 'meu irmão vai se recuperar e eu vou crescer'. Eu lamento ter
casado ela, mas ainda tenho esperança de um futuro melhor", diz a mãe.
(O nome de Nazanin foi alterado)
BBC World Service
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