J.R.Guzzo
Você sabe o que é um “garantista”? É muito provável que já tenha
ouvido falar, pois a Justiça, as leis e o Código Penal passaram a ser conversa
de botequim no Brasil desde que a Operação Lava-Jato começou a incomodar a
sério um tipo de gente que jamais tinha sido incomodado na vida. Cinco minutos
depois de ficar claro que o camburão da polícia podia, sim senhor, levar para o
xadrez empreiteiros de obras públicas, gigantes da alta ou baixa política e
milionários viciados em construir fortunas com o uso do Tesouro Nacional, já
estava formada uma esquadra completa de cidadãos subitamente preocupados com a
aplicação da lei nos seus detalhes mais extremos — ou melhor, a aplicação
daquelas partes da lei que tratam dos direitos dos acusados da prática de
crimes. É essa turma, justamente, que passou a se apresentar como “garantista”.
Sua missão, segundo dizem, é trabalhar para que seja garantido o direito de
defesa dos réus até os últimos milímetros. Seu princípio essencial é o
seguinte: todo réu é inocente enquanto negar que é culpado.
Essa paixão pela soberania da lei, que chegou ao seu esplendor máximo
com os processos e as condenações do ex-presidente Lula, provavelmente nunca
teria aparecido se o direito de defesa a ser garantido fosse o dos residentes
no presídio de Pedrinhas, ou em outros resorts do nosso sistema penitenciário.
Esses aí podem ir, como sempre foram, para o diabo que os carregue. Mas a
criminalidade no Brasil subiu dramaticamente de classe social quando a Justiça
Federal, a partir da 13ª Vara Criminal do Paraná, resolveu que corrupto também
estava sujeito às punições do Código Penal. O código dizia que corrupção era
crime, claro, mas só dizia — o importante, mesmo, era o que não estava dito.
Você sabe muito bem o que não estava dito: que corrupção é crime privativo da
classe “A” para cima, e, como gente que vive nessas alturas nunca pode ir para
a cadeia, ficavam liberadas na vida real as mil e uma modalidades de roubar o
Erário que a imaginação criadora dos nossos magnatas vem desenvolvendo desde
que Tomé de Souza entrou em seu gabinete de trabalho, em 1549.
Outra classe, outra lei. Descobriu-se, desde que o Japonês da Federal
apareceu para levar o primeiro ladrão top de linha da Petrobras, que no Brasil
o direito de defesa deveria estar acima de qualquer outra consideração. Quem
defende um corrupto, na visão do “garantismo”, deve ter mais direitos do que
quem o acusa. Não se trata, é óbvio, de ficar dizendo que a acusação é obrigada
a provar que o réu cometeu o crime. Ou que todo mundo é inocente “até prova em
contrário”. Ou que ninguém é culpado enquanto estiver recorrendo da sentença.
Ou que é proibido linchar o réu, ou dar à opinião pública o direito de condenar
pessoas — e outras coisas que vêm sendo repetidas há mais de 200 anos. Nada
disso está em dúvida. O que se discute, no atual combate à corrupção, é outra
coisa: é a ideia automática, em nome do direito de defesa, de usar a lei para
desrespeitar a lei. É compreensível que os criminosos se sirvam das leis para
adquirir o direito de praticar crimes sem punição? Quando fica assim, não se
pode conseguir nada melhor, realmente, em matéria de tornar a lei uma ficção
inútil.
Existe, naturalmente, muita gente que tem uma argumentação honesta,
inteligente e sensata em favor do direito de defesa — uma garantia essencial
para proteger o cidadão da injustiça e das violências da autoridade pública.
Mas é claro que o problema não está aí. O problema começa quando essas
garantias da lei passam a ser usadas como incentivo ao crime. O mandamento
supremo dos “garantistas” determina que é indispensável fazer a “defesa
absoluta da lei”. Não importa quais venham a ser as consequências de sua
aplicação; o que está escrito tem de ser obedecido. Mas quem realmente ameaça a
lei, em primeiro lugar, é o crime, e não quem quer punir o criminoso. Quando a
lei, na realidade prática, existe para proteger o crime, pois foi escrita com
esse objetivo, defender a lei passa a ser defender o criminoso. Vêm daí, e de
nenhum outro lugar, a quantidade abusiva de recursos em favor do acusado, a
litigância de má-fé e a elevação da chicana, ou seja, da sacanagem aberta, ao
nível de “advocacia”.
“Garantista” em guerra contra a Lava-Jato, em português claro, é quem
joga esse jogo. Seu foco mais ativo são os escritórios de advocacia milionários
que se especializam na defesa de corruptos. Seus anjos preferidos são os
tribunais superiores. O mais valioso deles é a banda podre do STF.
“O
Boletim”
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