Renato Sant’Ana
Um rico e influente senhor feudal cometeu
um crime. E o seu suserano, a quem cabia julgar o fato, mas não queria punir o
criminoso, armou uma farsa para condenar e executar um pobre camponês, e,
assim, dando satisfação aos que clamavam por justiça, se afirmar como senhor da
lei.
Para mascarar a ignomínia que todos
percebiam, ele disse que Nosso Senhor decidiria se haveria ou não um
enforcamento. E apresentou ao camponês uma bandeja com dois papeizinhos,
dizendo: "Num está escrito culpado; noutro, inocente. Tire um dos dois e
que o bom Deus tenha-lhe misericórdia."
O camponês sabia que era uma farsa. E que
em ambos papeizinhos estava escrito "culpado". E não havia a quem
recorrer. O que fez? Desesperou-se a maldizer a própria sorte? Oh, não! Ele
apanhou um dos dois e... engoliu-o! De modo que só restou a contraprova de sua
escolha, no qual se lia: "culpado!" Ele escapou!
Entre nós, em situação de crise, muitos
descambam para o niilismo, espécie de melancolia gozosa que acompanha a
satisfação de acreditar em nada. E jogam a toalha! Querem um exemplo? Aquele
texto derrotista que, inclusive, o presidente Bolsonaro replicou em redes
sociais.
O texto é exato ao explicitar a sórdida
guerra deflagrada contra o governo, evocando a grossa corrupção e denunciando
que corporações de servidores públicos e políticos com mandato se apropriam do
orçamento. E mostra como o "presidencialismo de coalizão" obriga o
presidente a fazer agradinhos a esses parasitas para poder governar, ficando o
Brasil "governado exclusivamente para atender aos interesses de
corporações com acesso privilegiado ao orçamento público." Sim, é
apavorante!
Aliás, o Centrão escancara sem
constrangimento que pretende "desidratar" a reforma da previdência. Para
quê? Segundo um membro da facção, deputado Paulinho da Força
(Solidariedade-SP), é Para arruinar Bolsonaro. Eis a velha política: a tática
dos parasitas é chantagear o governo para arrancar verbas e distribuir cargos.
Dessa estirpe é o mimético presidente da
Câmara, Rodrigo Maia, o qual até reconheceu que o problema do Brasil são as
"despesas obrigatórias" previstas no orçamento (úteis ao jogo sujo
dos parlamentares): "O orçamento foi cooptado por corporações
públicas", afirmou.
Segundo o texto, ao se opor ao jogo do
"toma lá, dá cá", Bolsonaro permitiu ver que o Brasil, "fora
desses conchavos, é ingovernável", que nenhum compromisso de campanha, de
presidente algum, pode ser cumprido sem o aceite das corporações. É uma triste
e parcial verdade.
Ora, se o texto é impecável na descrição,
erra ao catastrofar, como se não restasse o que fazer. Não havendo, claro,
"as corporações vão comandar o governo Bolsonaro na marra e aprovar o
mínimo para que o Brasil não quebre" e siga custeando privilégios. Mas tem
certeza de que nada resta fazer além de Desesperar e maldizer a triste sorte?
Que grande coisa será um médico que acerta
no diagnóstico, mas não sabe tratar... O niilismo é burro, é estéril e nada
constrói. Mata a coragem e tolhe a iniciativa. Como ignorar o empenho de uns
quantos por restaurar o país? Como esquecer os muitos reveses que já superamos?
Momentos houve em que o Brasil sambou na
beira do abismo e flertou com o diabo. No entanto, escapou! Em 2009, Lula
engendrou o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), belo nome para o plano
de impor ao país um regime totalitário. Não deu! Em 2013, antes que caísse a
máscara, Dilma et caterva queriam uma constituinte para... mudar a Constituição
para um Estado totalitário. Não deu! Em 2014, com o decreto 8243, Dilma
apresentou nova versão do PNDH. Não deu! E por que não deu? Ora, não deu porque
brasileiros não o permitiram!
No momento crítico, a nação foi salva do
totalitarismo por gente sem grife: não pela parasitária elite acadêmica, nem
pelo empresariado, nada de intelectuais. E aí está a lacuna do texto: se essa
gente reagir, maiores serão as chances de o governo governar como deve. E se é
possível estimular essa gente, então há o que fazer!
É preciso, sim, denunciar os parasitas. Mas
é imprescindível evitar o negativismo. Manter a memória de realizações passadas
inspira ações futuras, suscitando crenças positivas. A quem servirá o
desalento?
A legião de parasitas tem de sentir o bafo
na nuca. E isso está, sim, ao alcance de quem já carregou o Brasil nos braços
para longe do abismo.
Será melhor, pois, se, em vez de jogar a
toalha, cada qual buscar forma de, em seu âmbito (amplo ou restrito) reagir à
guerra sórdida.
Alerta Total
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