Percival Puggina
É interessante observar o rumo que, de uns meses
para cá, tomaram os editoriais do jornal O Estado de São Paulo. Ao mesmo tempo
em que pedem moderação, diplomacia, capacidade de articulação política e
transigência, como atributos de que o país e o governo estariam carentes, os
editoriais do Estadão espancam o governo e desqualificam seus adeptos,
acirrando, assim, os antagonismos que incluem entre os males do país.
Na edição do dia 28 de maio, depois de uma olhada
superficial sobre as grandes manifestações do dia 26, o jornal adverte:
“Nunca é demais lembrar que a reforma da Previdência,
malgrado sua urgência, deve ser apenas o início de um amplo processo de
mudanças com vista a ensejar uma retomada do crescimento que, finalmente,
comece a tirar o Brasil da sua persistente mediocridade. Nada disso será
alcançado sem contrariar as corporações que capturaram o Estado para a
satisfação de seus interesses, e para isso será preciso arregimentar
democraticamente as forças dispostas à articulação de um consenso mínimo.”
O redator talvez julgue haver, em parto sem dor,
dado à luz uma ideia original, o caminho da roça para tirar o país da crise –
“um amplo processo de mudanças com vistas a ensejar uma retomada do
crescimento”. Ao ler isso fiquei com vontade de recortar e mandar para o
ministro Paulo Guedes, sublinhando a advertência sobre a necessidade de
“contrariar as corporações que capturaram o Estado”. Grande sacada!
O problema é que enquanto tenta ensinar o padre a rezar
missa, o jornal faz o que condena. Desacredita sistematicamente o Presidente,
ora com platitudes, ora com grosserias. Silencia sobre seus méritos e tenta
blindar o Congresso com um isolamento acústico aonde não chegue a voz das ruas.
Cobra todas as responsabilidades e contas do governo e confere ao Legislativo
(aí incluída a desacreditada elite do Centrão) um direito a decidir sem pressão
que jamais foi objeto de tão insistente defesa nas páginas do jornal.
Na perspectiva do Estadão, tudo se passa como se “o amplo
processo de mudanças“ a que se refere, estivesse sendo objeto de debate num
país distante, e seus editorialistas, em vez de emitir opinião, se sentissem
obrigados a omiti-la em nome do respeito às imaculadas motivações dos
congressistas. Essa atitude impediu o jornal de perceber dois fatos
significativos: 1) foi a reação popular que travou, no Parlamento, a recriação
de pelo menos dois ministérios; 2) a mesma pressão, porém, não bastou para
manter o COAF na órbita do Ministério da Justiça, em votação festejada no
plenário como se fosse indulto de Natal. Deliberação legítima?
Sim, mas convenhamos...
Em relação a seus deveres como importante jornal do país,
o Estadão comete o mesmo erro que, equivocadamente, atribui ao governo: põe
lenha no fogo e deixa as batatas assarem até a casa queimar. As multidões que
foram às ruas em todo o Brasil no dia 26 entenderam melhor a situação.
Apoiaram as reformas, deram suporte ao Presidente,
louvaram Sérgio Moro e Paulo Guedes. Frustraram os que previam fracasso e
decepcionaram os que imaginavam uma antidemocrática Tomada da Bastilha
brasiliense.
Foram muito mais proativas, enfim. Ajudaria bem o Brasil
se o Estadão escrutinasse as condutas dos dois lados da praça e desse uma
olhada nos inimigos das reformas e suas motivações.
blog do puggina
Nenhum comentário:
Postar um comentário