Clóvis Pupper Bandeira
Comecemos
pelas definições. Moral deriva do latim mores, "relativo aos costumes". Esta palavra se originou a partir
do intento dos romanos traduzirem a
palavra grega êthica, e não traduz por completo a palavra grega
originária.
É
que êthica possuía, para os gregos, dois sentidos complementares: o
primeiro derivava de êthos e significava, numa palavra, a
interioridade do ato humano, ou seja, aquilo que gera uma ação genuinamente
humana e que brota de dentro do sujeito moral, ou
seja, êthos remete-nos para a intenção.
Por
outro lado, êthica significava também éthos, remetendo-nos para
a questão dos hábitos, costumes, usos e regras, o que se materializa na
assimilação social dos valores.
A
tradução latina do
termo êthica para mores "esqueceu" o sentido
de êthos (a dimensão pessoal do ato humano), privilegiando o sentido
comunitário da atitude valorativa. Dessa tradução incompleta resulta a confusão
que muitos, hoje, fazem entre os termos ética e moral.
A ética pode encontrar-se com a moral[1], pois a
suporta, na medida em que não existem costumes ou hábitos sociais completamente
separados de uma ética individual. Da ética individual se passa a um valor
social, e deste, quando devidamente enraizado numa sociedade, se passa à lei. Assim, pode-se afirmar, num sentido geral, que não
existe lei sem uma ética que lhe sirva de alicerce.
Os
princípios morais como a honestidade, a bondade, o respeito, a virtude
determinam o sentido moral de cada indivíduo. São valores universais que regem
a conduta humana e as relações saudáveis e harmoniosas.
Neste
sentido, ética pode ser definida como a ciência que estuda a conduta humana e a
moral é a qualidade desta conduta, quando se julga do ponto de vista do Bem e
do Mal.
Num
sentido menos filosófico e mais prático, podemos compreender um pouco melhor
esse conceito examinando certas condutas do nosso dia a dia, quando nos
referimos, por exemplo, ao comportamento de alguns profissionais como um
médico, jornalista, empresário ou político. Para estes casos, é bastante comum
ouvir expressões como: ética médica, ética jornalística, ética empresarial e
ética pública.
O
tema da ética no serviço público está diretamente relacionada com a conduta dos
funcionários que ocupam cargos públicos. Tais indivíduos devem agir conforme um
padrão ético, exibindo valores morais como a boa fé, honestidade e outros
princípios necessários para uma vida saudável no seio da sociedade.
Quando
uma pessoa é eleita para um cargo público, a sociedade deposita nela confiança,
e espera que ela cumpra um padrão ético. Assim, essa pessoa deve estar ao nível
dessa confiança e exercer a sua função seguindo determinados valores,
princípios, ideais e regras. Para isso ela deve estar preparada para pôr em
prática políticas que beneficiem o país e a comunidade a nível social,
econômico e político.
Infelizmente
os casos de corrupção no âmbito do serviço público são fruto de profissionais
que não trabalham de forma ética.
Chegamos,
assim, a partir de conceitos filosóficos, ao caso brasileiro de falta de ética
e de comportamento moral por parte de tantos políticos brasileiros. Para eles,
parece não haver distinção entre bem e mal, certo ou errado, moral imoral ou
amoral.
Só
o que lhes interessa é locupletar-se no poder, tirar o máximo proveito de sua
situação, perpetuar-se nela diretamente ou através de parentes ou descendentes
que os substituam, aparelhar ao máximo o órgão público sobre o qual têm
autoridade com o maior número de correligionários e apaniguados que lhes serão
gratos e saberão recompensá-los por seus favores.
Misturam
o público com o privado, apoderando-se das benesses dos cargos a que tiveram
acesso como se os mesmos fossem sua propriedade particular e tivessem direito
de explorá-lo, política e financeiramente, como tal. Essa mentalidade deturpada
conduz ao crime de corrupção.
A
palavra corrupção relaciona-se a outras de sentido conexo, como putrefação,
suborno, prevaricação, devassidão, lesa-pátria.
O
brasileiro vem sendo, nos últimos tempos, assombrado por um crescente número de
denúncias de corrupção nos órgãos governamentais e órgãos de interesse público
infiltrados por homens sem caráter, a mando de partidos ou grupos políticos,
exclusivamente para roubar e desviar recursos públicos, que enchem bolsos
particulares e cofres políticos.
Não
nos deixemos iludir por termos politicamente corretos como malfeitos, desvios
de conduta e que tais: corrupção é crime.
Não
se trata de delito menor, infração desculpável, ato de aloprados: trata-se de
crime, e dos mais graves que um servidor público pode cometer, pois estará se
apropriando do que lhe foi confiado para guardar e gerir da maneira mais eficaz
que lhe seja possível, em nome da sociedade.
Também
são inválidas as desculpas de que “todos procedem assim”, como se pertencer a
uma quadrilha de bandidos justificasse o roubo. Além disso, a generalização é
mentirosa: nem todos procedem assim.
Na
apresentação de seu livro “Década Perdida”, sobre os dez anos de PT no poder, o
Prof. Marco Antonio Villa pinta, em cores vivas, o triste momento histórico que
atravessamos:
“Vivemos
um tempo sombrio, uma época de vale-tudo. Desapareceram os homens públicos.
Foram substituídos pelos políticos profissionais. Todos querem enriquecer a
qualquer preço. E rapidamente. Não importam os meios. Garantidos pela
impunidade, sabem que se forem apanhados têm sempre uma banca de advogados,
regiamente pagos, para livrá-los de alguma condenação.
Os
escândalos de corrupção – e foram tantos – não representaram um ponto fora da
curva. Eram parte do projeto de poder, no qual não se dissociou, em momento
algum, o interesse público do partidário – e, algumas vezes, do simples
atendimento aos interesses privados da sua liderança, como no escândalo do
mensalão.
São
anos marcados pela hipocrisia. Não há mais ideologia. Longe disso. A disputa
política é pelo poder, que tudo pode e no qual nada é proibido. O Brasil de
hoje é uma sociedade invertebrada. Amorfa, passiva, sem capacidade de reação. É
uma República bufa, uma República petista.”
Este,
infelizmente, é o preço que uma Nação paga por aceitar a falta de ética e de moral
em seu serviço público.
“O
tempora! O mores!” exclamava Cícero contra a depravação de seus contemporâneos.
“Ó tempos! Ó costumes!” ecoamos hoje, mais de dois mil anos depois.
[1] Moral pode
ser também uma palavra masculina. Neste caso, significa estado de espírito,
vigor na ação, espírito de luta, confiança, coragem.
Clovis Purper Bandeira é General de Divisão e editor de
opinião do Clube Militar.
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