Guilherme Fiuza
FBI jamais entenderia como uma mandatária pode
permanecer imune a investigações num cenário desses Joseph Blatter deu no pé
porque sentiu o FBI nos seus calcanhares. Como os investigadores americanos já
sabem que a Fifa é uma central de negociatas, o presidente reeleito da entidade
achou melhor botar a viola no saco.
No Brasil é diferente. Dilma Rousseff sentiu a
Polícia Federal nos seus calcanhares, e os investigadores brasileiros já sabem
que o governo do PT é uma central de negociatas. Mas a presidente reeleita não
deu no pé, porque aqui não tem FBI. E com o silêncio das panelas, está dando
até para ouvir o ronco do gigante.
Uma década após o estouro do mensalão, o Brasil
ameaça engolir também o petrolão — o que seria o salvo-conduto definitivo para
a ladroagem progressista e humanitária. Nestor Cerveró, o primeiro
brasileiro a proibir uma máscara de carnaval, foi condenado por comprar um
apartamento em Ipanema com propina do petrolão. O ex-tesoureiro Vaccari
está preso, acusado de ajudar Dilma Rousseff a alugar um palácio em Brasília
(temporada de quatro anos) com propina do petrolão. Mas, nesse caso, a
inquilina não está sendo sequer investigada. Como se vê, há propinas e
propinas.
As delações premiadas da Lava-Jato já se cansaram
de apontar que seria impossível operar um esquema com a dimensão do petrolão,
por mais de dez anos, sem a cobertura do Planalto. O FBI jamais entenderia como
uma mandatária pode permanecer imune a investigações num cenário
desses. Ainda mais havendo indícios claros de dinheiro do esquema em suas
duas campanhas presidenciais. E fartas evidências de formação de caixa pelo seu
partido com dinheiro roubado da maior empresa nacional — graças a diretores
protegidos pelo grupo governante.
Nota de esclarecimento ao FBI: a presunção de
inocência da presidente é absolutamente normal na conjuntura institucional
brasileira. A Corte Suprema é bem fornida de militantes premiados por anos de
lealdade aos seus padrinhos. E o processo da operação Lava-Jato é presidido
segundo esse padrão de isenção. Entenderam, prezados ianques? De que vocês
estão rindo?
Em perfeita sintonia com os puxa-sacos petistas que
foram ser felizes para sempre no Supremo, o procurador-geral da República
arremata a ópera da inocência — diante da qual a opinião pública se curva,
reverente, babando na gravata. Resta a Dilma subir em sua bicicleta e pedalar
solene diante de uma imensa placa “Lava-Jato” — proporcionando a foto
emblemática do Brasil-2015. Segue a legenda oficial: “Obrigada, otários,
pela sua compreensão”.
Deve ser uma delícia sentir o vento do Planalto no
rosto ao ritmo das pedaladas ciclísticas e fiscais ladeira abaixo (rumo à
recessão), sem o menor risco de topar com a gangue da faca. Além de mais quatro
anos para reger a orgia petista, o mandato presidencial dá direito a pedalar
com um aparato de seguranças — e a escolta de um carro oficial, caso sua
excelência se canse e prefira as facilidades do petróleo (sem precisar chamar o
Vaccari). Quem sabe até dando uma carona ao companheiro Blatter, que ficou a
pé.
Seria o mínimo, considerando a carona valiosa que a
Fifa deu ao governo petista. Além da oportunidade de construir os estádios mais
caros da história das Copas, com a bolsa BNDES irrigando empreiteiras amigas, o
balcão do companheiro Blatter fez o favor de tirar o Morumbi da Copa do Mundo.
Assim abriu-se o caminho para o milagre do Itaquerão, mais um sonho bilionário
de Lula realizado pela Odebrecht — ou o contrário, dá no mesmo.
A CPI do Futebol pode ser mais uma oportunidade
para o gigante abrir um dos olhos, ver que os companheiros estão metendo a mão
no seu bolso, bocejar uma palavra de ordem e voltar aos seus sonhos de anão.
Blatter pediu o boné porque seus cúmplices deram
com a língua nos dentes, expondo seu esquema de eternização no poder. Já o
esquema de eternização do PT no poder vai bem, obrigado — e os cúmplices podem
dar com a língua nos dentes à vontade.
O homem-bomba das empreiteiras, Ricardo
Pessoa, disse aos investigadores da Lava-Jato que deu R$ 7,5 milhões à campanha
de Dilma no ano passado para não perder negócios com a Petrobras. Aí o
barulho foi grande: era o gigante roncando.
Indignados com a indiferença da plateia, Dilma e seus
amigos da pesada subiram o tom: depois de Erenice estrelar o escândalo
tributário da Operação Zelotes e Rosemary ser denunciada por improbidade
administrativa, Fernando Pimentel roubou a cena.
O governador de Minas — também conhecido como
consultor sobrenatural — teve seu braço-direito, o empresário Bené, preso por
suspeita de associação criminosa. Entre as acusações contra o amigo do amigo de
Dilma está a origem suspeita de dezenas de milhões de reais em receita de sua
gráfica, que atende ao PT. Diante do presépio petista, talvez o FBI achasse que
está sendo injusto com a Fifa.
A renúncia de Joseph Blatter após sua reeleição foi
um gesto pedagógico.
Ou o Brasil se inspira nele, ou assume que quer
tomar mais quatro anos de pedaladas. E facadas.
Guilherme Fiuza
é Jornalista.
O Globo em 6 de junho de 2015.
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