Por Hélio Duque
Na Judéia, no início do era cristã, ocupada pelo Império Romano, a seita dos zelotes pregava o não pagamento de impostos a Roma. No Brasil, dois mil anos depois, o zelotismo renasceu transmutado em poderosa quadrilha de delinquentes com assento no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, órgão do Ministério da Fazenda.
Não fosse a ação da Polícia Federal e do Ministério Público na “Operação Zelotes” (nome apropriado), a fraude nos julgamentos das autuações feitas pela Receita Federal estaria intocável. A organização criminosa continuaria a operar livremente. As investigações atingem 70 empresas dos setores industrial, automobilístico, siderúrgico, agrícola e bancos poderosos que subornavam conselheiros na escala de milhões. O valor da sonegação de tributos federais seria de R$ 19 bilhões, até agora. Pelos recursos envolvidos é uma das maiores operações da Polícia Federal.
O que é o Carf? É um tribunal administrativo que julga, em segunda instância, os contribuintes autuados por ilicitudes no recolhimento dos tributos federais. Subordinado diretamente ao Ministério da Fazenda, é constituído por mais de 200 conselheiros. Sendo metade, auditores fiscais indicados pelo órgão fazendário e a outra metade por entidades empresariais.
Dividido em câmaras julgadoras, cada uma é integrada por seis conselheiros: três representando o Ministério da Fazenda e três representando as entidades empresariais. A cooptação de um conselheiro da cota da Fazenda basta para definir o resultado, pela razão de os representantes dos contribuintes-empresariais votarem sempre contra a autuação.
A “propina” ofertada ao cidadão corrompido variava, segundo a PF, de 1% a 10% do montante da infração que seria recolhida aos cofres da União. Em tempo I: A vice-presidente da Carf, advogada tributarista Maria Teresa Martinez, funcionária do Bradesco, há 31 anos, atua no órgão há 15. De acordo com a Polícia Federal, o Bradesco tem processos de débitos naquele órgão no valor de R$ 2,7 bilhões. É surrealismo em estado bruto.
O esquema de corrupção agora descoberto envolve sofisticada cadeia, não apenas de conselheiros, mas empresas poderosas, consultores econômicos, escritórios de advocacia e uma extensa malha de “malandros engravatados”. O secretário-adjunto da Receita Federal, Luiz Fernando Teixeira Nunes, exemplifica: “A decisão do Carf sendo favorável ao contribuinte é terminativa, é final. Não há a menor possibilidade de revisão dessa decisão pela via judicial.”
Comprovando que o assalto ao fisco é uma associação criminosa com ares de legalidade, operando na lavagem de dinheiro, tráfico de influência e advocacia administrativa, com trânsito livre em um órgão do Ministério da Fazenda. Não se conhece em nenhum país desenvolvido estrutura tributária revisional de autuações semelhante à brasileira. Em tempo II: se na década de 30 ela existisse nos Estados Unidos, o “gangster” Al Capone não teria sido levado à prisão.
O Ministério da Fazenda não pode deixar de efetivar radical transformação na estrutura do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. O ministro Joaquim Levy não pode ignorar essa realidade ou pode? Pelas razões que demonstrarei:
1) Tramita hoje no Carf 105 mil processos, representando 10% do PIB (Produto Interno Bruto), da ordem de R$ 518 bilhões. São números oficiais do final de 2014. O valor equivale a 90% do que todos os Estados e Municípios juntos arrecadaram naquele ano, no montante de R$ 597 bilhões. Sem a “Operação Zelotes”, pode-se projetar o que os “quadrilheiros” com roupagem oficial iriam faturar em propinas no futuro. Fortunas ilícitas na escala de vários milhões.
2) Nesse cenário de horror que envergonha e revolta os contribuintes honestos e decentes, o assalto e omissão oficial na cobrança dos recursos públicos correm soltos. O ajuste fiscal que está em execução, em mais de dois terços, penaliza a sociedade confiscando direitos e renda da população. Enquanto isso a “Dívida Ativa de Pessoas Jurídicas e Físicas” com a União, cresceu em 2014, 9%, atingindo a cifra de R$ 1.387 trilhões (em português claro: 1 trilhão e 387 bilhões de reais).
É recurso que o governo tem a receber no fiel cumprimento da justiça fiscal. Mesmo atuando com firmeza na cobrança judicial dessa dívida, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional enfrenta obstáculos por ter quadro funcional insuficiente para executar os processos que são demandados.
Enfraquecer o órgão, confiando na impunidade, é ardente vontade dos responsáveis pela mastrodônica dívida. E vem obtendo indiscutível sucesso.
Fosse o governo cobrador do que lhe é devido, recursos existiriam em abundância para atender os desafios presentes na economia brasileira. São números extravagantes, mas rigorosamente verdadeiros. Indesmentíveis.
Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.
Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Comentário do blog: a pergunta que se impõe, é:
-Desde quando isto acontece ?
"A cooptação de um conselheiro da cota da Fazenda basta para definir o resultado,..."
O grifo é meu. (MBF)
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