segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Das frentes comunistas a Antonio Gramsci



por Carlos I. S. Azambuja

A subversão é uma meta para os comunistas de todo mundo. Isso não é nenhuma novidade. É um dever de todo membro do partido destruir a estabilidade dos governos, semear dúvidas acerca da ordem social e lograr adeptos para o marxismo, atuando dentro dos marcos constitucionais ou usando a violência, caso necessário, com o objetivo de acelerar o advento da revolução.

Entre muitos liberais do Ocidente, observa-se uma resistência em aceitar essas realidades que podem chegar a recordar os piores momentos da Guerra-Fria. Essa relutância em aceitar os fatos é, na verdade, um símbolo da eficiência e persistência do aparato propagandístico comunista e também produto natural das pessoas comuns e bem intencionadas de todo o mundo de viverem em paz.

Essas pessoas acreditam que tudo isso acabou e que hoje em dia os partidos comunistas já não recebem ordens de Moscou, Pequim ou Havana. Afinal, o socialismo real não foi desmantelado? A União Soviética não acabou? O ouro de Moscou não cessou de fluir para Cuba e para os partidos comunistas de todo o mundo?

É evidente que a subversão comunista já não mais pode convocar os operários franceses a uma greve, bem como ordenar aos comunistas indonésios um levantamento armado, como nos tempos de Stalin. Porém, pelo menos nos tempos de Stalin havia uma clareza absoluta acerca das atividades do movimento comunista internacional. Os países podiam saber exatamente de onde provinham as ordens e o dinheiro. Hoje em dia essa ameaça é difusa, ambígua, difícil de identificar, pois provém de distintas direções, tornando-se uma ameaça muito mais complexa.
Quando Lenin criou o Komintern, em 1919, um dos seus principais objetivos foi o fortalecimento da revolução em todo o mundo, objetivando lograr o colapso do capitalismo.

Outro instrumento foi a formação de uma rede de organizações de frente, que Lenin concebia como correias de transmissão do partido para com as massas. Frentes Únicas, Frentes Populares, Frentes de Libertação Nacional e Frentes Nacionais. Estas últimas são uma aliança dos partidos comunistas com outros partidos, não comunistas, que serão descartados tão logo cumpridos os objetivos dos comunistas.
Esse tipo de Frentes está nas origens do próprio comunismo soviético. 

Em novembro de 1917, o Partido Bolchevique se associou ao Partido Social Revolucionário e, nas eleições de 25 de novembro, os bolcheviques, já no Poder, obtiveram apenas 175 deputados na Assembléia Nacional Constituinte, composta por um total de 707. Essa Constituinte, como se sabe, foi dissolvida em seu primeiro dia de reunião e algum tempo depois os social-revolucionários foram expulsos do governo.

Na década de 30, os comunistas franceses e espanhóis formaram também Frentes Populares com os partidos socialistas com o objetivo de obterem maior poder. Essa mesma técnica foi utilizada por Mao-Tsetung durante a guerra civil chinesa e, na Europa Oriental, após a II Guerra, os comunistas locais, com a inspiração e a proteção soviética, estabeleceram várias Frentes Nacionais Tudo isso, para os incautos, constitui uma armadilha mortal.

Em março de 1926, em uma reunião do Comitê Executivo do Komintern, o veterano comunista finlandês Otto Kusinen propôs a criação de “um complexo sistema solar de organizações e pequenos comitês girando ao redor dos partidos comunistas, trabalhando sob sua influência”.

Muitas dessas Frentes foram estabelecidas nas décadas de 1920 e 1930, mas foi a partir de 1945 que os soviéticos criaram um espectro completo de organizações de frente. A maioria delas existe até hoje, malgrado o socialismo realmente existente tenha sido desmantelado.

No início, muitos indivíduos e grupos de não comunistas se uniram a esses corpos internacionais, acreditando que eram apolíticos, até que em 1949, já sob o controle total dos soviéticos, muitos membros originais afastaram-se face à virulência de sua propaganda contra o Ocidente, o que se tornou contraproducente para os próprios interesses soviéticos. Porém, os comunistas jamais desistiram de recrutar novas gerações de inocentes úteis para manter e aumentar essas Frentes.

As Organizações de Frente mais influentes foram o Conselho Mundial da Paz (em virtude da palavra mágica que figura em seu título), a Confederação Internacional de Sindicatos Livres, a Organização Internacional de Jornalistas, a Federação Democrática Internacional de Mulheres, a Federação Mundial da Juventude Democrática, a União Internacional de Estudantes, Federação Sindical Mundial e várias outras.

Posteriormente, nos tempos dos chamados “anos de chumbo”, para não ficar marginalizada da vanguarda da revolução internacional, a União Soviética viu-se na necessidade de dar apoio, ainda que velado, em dinheiro, cursos e assessoria, aos movimentos dedicados à violência revolucionária na África e América Latina, embora, por outro lado, sempre apoiasse os partidos comunistas ortodoxos, contrários à luta armada, tornando sua política ambígua e confusa, especialmente na América Latina. Ou seja, foram utilizadas todas as formas de luta.

Atualmente está na ordem do dia na América Latina a teoria engendrada nos anos 20 pelo comunista italiano Antonio Gramsci, que objetiva fundamentalmente privar a classe dominante da direção da sociedade civilantes de atacar o poder do Estado, estratégia que exige a constante infiltração e subversão nos múltiplos e complexos mecanismos de dominação ideológica, a fim de provocar a erosão do domínio ideológico burguês, sua substituição por uma contra-hegemonia marxista e a adesão do espírito popular aos novos princípios, pois, sem essa prévia revolução do espíritotoda e qualquer vitória comunista seria efêmera.

O objetivo da revolução gramscista é o de conquistar, um após outro, todos os instrumentos de difusão ideológica – escolas, universidades, editoras, meios de comunicação social e sindicatos – uma vez que os principais confrontos ideológicos não mais têm como cenário as fábricas, as ruas ou os quartéis e sim, a esfera cultural.

Todavia, a flexibilidade não equivale ao revisionismo. A transformação socialista não é um pic-nic e nem um assunto cavalheiresco levado adiante com uma preocupação meticulosa pelos princípios do liberalismo. A teoria de Gramsci não exclui a violência, pois a guerra de movimento – assalto ao Estado burguês pela violência – constitui um suplemento crucial para aguerra de posições – infiltração permanente na sociedade civil e no aparato ideológico do Estado -.

Em tudo isso, o que leva alguns a considerar Gramsci – que nunca deixou de ser um ferrenho leninista - uma espécie de social-democrata, não foi a presumível mudança de suas idéias para a direita, mas o fato da política doKomintern, sob Stalin, ter descambado fortemente para a esquerda.

Os que procuram atenuar o choque dialético entre capitalismo e socialismo argumentam que o “lado bom” de todo momento histórico deve ser preservado na antítese dialética. Gramsci, no entanto, explicita que essa posição implica em negar a força da negatividade, espinha dorsal da dialética e da História, pois na realidade histórica, cada antítese deve, necessariamente, colocar-se como antagonista radical da tese, destruí-la e substituí-la por completo, pois o autêntico pensamento dialético considera a antítese como a negação total da tese, que é demolida e não simplesmente modificada, dando lugar a uma nova tese.

O proletariado é a antítese, a força inovadora, e a nova tese, daí resultante, o socialismo.

“A dialética significa o negativo, o antigo e o novo, a negação da negação, a identidade dos contrários e a contradição dos idênticos. A inesgotável e miraculosa capacidade da história de ultrapassar-se negando sua positividade e afirmando sua negatividade. Isso não é sublime?” (livro “A Montanha Branca”, de Jorge Semprun, que foi membro dirigente do Partido Comunista Espanhol, esteve preso no campo de concentração de Buchenwalde em 1964 foi expulso do partido, por ter decidido, segundo ele próprio escreveu, “começar a pensar com a própria cabeça e escorregar para a realidade”).


Carlos I. S. Azambuja é Historiador.

Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net

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