por Carlos I. S. Azambuja
É compreensível que os regimes
totalitários etiquetados de socialistas tenham um empenho especial em
impedir que a classe operária possa dar uma expressão política ou sindical aos
seus possíveis conflitos com o Poder. Todo fato desse gênero comprometeria,
muito mais gravemente do que qualquer declaração dos intelectuais, seu
principal título de legitimidade: representar os interesses da classe operária.
E constitui o desmentido prático mais eloqüente ao suposto caráter socialista
desses regimes.
Invocando esses títulos, os regimes
ditos socialistas puseram fora da lei o recurso à greve, à
manifestação ou a qualquer outra forma de ação de massas, assim como toda e
qualquer tentativa política e sindical fora da oficial, com o argumento
simplista de que a classe operária não pode fazer greve ou organizar-se contra
si mesma. Afinal, não é ela que está no Poder?
Paralelamente, a ausência de greves
ou outros conflitos coletivos são apontados pelo aparelho propagandístico
oficial como prova definitiva da identificação existente entre o
regime e a classe operária. E, para assegurar que os fatos não desmintam essa
circularidade legitimadora, as ditaduras totalitárias contam, como mola
principal, com o medo da repressão face à imensa rede policial presente em cada
empresa, em cada fábrica, ou em qualquer lugar de concentração operária.
Todavia, a ação policial não seria
suficientemente eficaz sem a estrutura político-sindical- administrativa
controlada pelos pelegos em cada centro de trabalho, que não somente
vigiam e controlam o comportamento de cada operário, no trabalho e em seu local
de moradia, como também que lhes permite, apenas na aparência – e mais ainda,
os obriga – a “participar voluntariamente” nas marchas de “sua” empresa,
e oferece um canal, à única via legal que o regime deixa aberta para os
possíveis conflitos trabalhistas: a reivindicação individual, atomizada, à qual
ninguém se habilita por receio da demissão por parte de seu único patrão: o
Estado.
Os agentes dessa estrutura provêm, em
parte, de uma camada da classe operária que, em troca do cumprimento desse
papel, recebem um tratamento preferencial no que diz respeito ao salário,
moradia, férias em datchas, etc.
De acordo com a linha oficial, essa
estrutura, e em especial seu comportamento sindical, tem a obrigação de
satisfazer no possível as reivindicações individuais, sempre que não
contradigam, é verdade, as normas e os objetivos do sistema sócio-político. É
freqüente que os agentes dessa estrutura, fundamental para a conservação e
reprodução do sistema, sejam objeto de críticas e sanções pelas instâncias
superiores – os chamados assistentes políticos ou, na gíria
codificada do partido, simplesmente assis – por não cumprirem
satisfatoriamente essa difícil função.
Outros mecanismos, entretanto, também
contribuem eficazmente para o conformismo ou relativa passividade da classe
operária nos países onde ainda vige o socialismo real. Entre o mais
importante figura o relacionado com a segurança no emprego, pois ao existir
um único patrão, sobre o qual os trabalhadores e o povo não têm qualquer
controle, a efetividade dessa segurança está totalmente subordinada ao grau de
acatamento ao Estado manifestado por cada um.
Todo e qualquer conflito com os comissários
políticos ou qualquer atitude conflitiva – sem falar de
oposição política aberta – converte em extremamente insegura essa segurança tão
propalada pelos regimes socialistas. O afetado não tem possibilidade de
encontrar um novo patrão – que em todos os lugares é o mesmo -, pois
a rede policial presente em cada unidade de produção ou de serviços, e
centralizada no topo da empresa, se encarrega de que ninguém o admita em novoemprego.
E, ao não poder trabalhar, o
indivíduo torna-se um fora da lei, passível de ser acusado de “parasitismo”,
um “parasita social”, que deve ser punido. Fica, então frente ao dilema de
sofrer a condenação correspondente (cárcere, campo de concentração ou asilo
psiquiátrico) ou autocriticar-se de sua conduta. E, ao autocriticar-se, com
freqüência o sistema lhe exigirá, como pagamento pelo perdão,
que engrosse a rede de colaboração com a KGB, DGI ou seja lá a
denominação que tenha a polícia política do país.
A relação estrutural básica que
determina todas as demais relações – de produção, sociais, políticas – nos
sistemas ainda dominados pelo socialismo real, como em Cuba e Coréia do
Norte, é a relação entre um grupo social dominante (classe, camada ou elite)
que através do Estado, do qual se apossou, usufrui os meios de produção
fundamentais, cujo proprietário jurídico é o próprio Estado, por um lado, e por
outro, nominalmente, os trabalhadores, que só possuem a sua força de trabalho.
Essa relação estrutural é, ao mesmo
tempo, a principal relação de produção e a principal relação político-social. É
isso que torna necessária, e ao mesmo tempo possível, a
supressão de qualquer forma relevante de autonomia social e política e, por
conseguinte, de qualquer tipo de liberdade e democracia. Essa relação é que
exige e facilita o monopólio estatal absoluto de todos os aparelhos culturais,
políticos e informativos, além dos econômicos. Em outros termos: as relações de
produção que caracterizam esse sistema totalitário são incompatíveis com a
democracia e só se tornam possíveis, objetivamente, com a ditadura total.
E, por sua vez, uma ditadura política não pode ser total senão quando
o é também no sentido econômico, quando o Estado é proprietário único e efetivo
dos meios de produção.
Atendendo ao que foi escrito, é
pertinente a expressão ditadura totalitária para designar esse tipo
de regime. Em virtude dessas características, todas as plataformas das
minguadas oposições partem de um ponto essencial comum, como ora se vê em Cuba:
colocar em primeiro plano, como objetivo prioritário sobre qualquer outro, a exigência
de direitos humanos, liberdade e democracia. Em uma expressão: restaurar a
sociedade civil – essa parece ser a fórmula-chave – que a ditadura totalitária
atomizou e desagregou.
Mas,
conquistar os meios legais para isso – meios legais de informação, organização,
comunicação, reunião, etc., – é praticamente impossível
Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
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