Está sendo realizada, em Fortaleza, Ceará, a reunião dos cinco
países do BRICS. O embaixador José Botafogo Gonçalves, vice-presidente emérito
do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, o CEBRI, o que é uma das
maiores autoridades em economia e comércio exterior do Brasil falou em
entrevista à Voz da Rússia sobre a importância deste encontro.
– Que importância o
senhor atribui à reunião do BRICS no Brasil?
– Esse grupo representa uma realidade muito importante
porque são países de grande dimensão territorial, com grande população, países
que estão tendo a sua atuação internacional crescente no cenário internacional.
Eu diria o seguinte: a principal característica do BRICS é
que são países gigantes. A África do Sul entrou no grupo por razões políticas.
Mas tem sentido, porque a parte do sul é talvez a mais dinâmica do continente
africano. Ela representa um poder emergente e importante que é o poder
africano, que está iniciando o retorno à cena internacional, não obstante
muitos problemas graves que tem. A África, um continente desesperado nos
séculos XIX-XX, passa a ser um continente de muita esperança para o século XXI.
– Nesta terça-feira, dia 15 de
julho, os presidentes do Brasil, China, Rússia, África do Sul e o
primeiro-ministro da Índia deverão anunciar a criação do Banco de
Desenvolvimento do BRICS, assim como a formação de um Acordo Contingente de
Reservas e de órgãos de cooperação e comércio interno e, posteriormente,
externo. Que importância o senhor atribui a este Banco de Desenvolvimento do
BRICS?
– Segundo eu acabava de dizer, o Brasil, a China, a Índia,
a Rússia, a África do Sul são países que têm uma enorme potencialidade no campo
de investimentos de infraestrutura: infraestrutura energética, infraestrutura
de produção de alimentos. De maneira que um banco de desenvolvimento que esteja
voltado para favorecer os investimentos na área da produção de energia e de
alimentos é uma ideia extremamente positiva. Eu acredito que a Rússia, a China,
o Brasil, a Argentina têm um papel muito importante da produção de energia e de
alimentos. E eu acredito que é muito útil que tenha um instrumento de
financiamento voltado para realizar as oportunidades e as possibilidades de
investimento.
– Dos cinco países do BRICS um
que parece ter as melhores condições econômicas do momento é a China, tanto
como se dá como certa a cidade de Xangai como sede deste Banco. Entre tanto,
fala-se que há uma pressão por parte da Índia para que Nova Deli venha a ser a
sede do Banco de Desenvolvimento do BRICS. A seu ver, embaixador, qual é o país
que deve ser a sede deste Banco?
– Esta é uma questão econômica e política. O importante,
em uma situação dessas, não é a sede geográfica do banco, mas os critérios
segundo os quais o banco vai funcionar. Se o banco vai apoiar os critérios de
rentabilidade econômica, os critérios de retorno do capital investido, os
critérios de sustentabilidade ambiental, os critérios que permitam que esses
investimentos frutifiquem a favor de uma política cada vez maior de inclusão
social das classes menos favorecidas. Então, a questão do local é secundária.
Embora politicamente seja muito importante você ser a sede
do Banco de Desenvolvimento, eu não diria que seja uma questão importante do
ponto de vista da substância econômica. É uma questão importante do ponto de
vista da imagem. Mas o importante é o seguinte. Se esse banco selecionar
projetos de rentabilidade concreta, retorno do capital investido, eu acho que
esse banco terá sucesso, ainda que esteja localizado no país A, no país B ou no
país C.
– O senhor notou que é uma
questão mais da substância política do que econômica. E neste particular, o
Brasil aspira presidir esse Banco. E como tal, o Brasil poderia perfeitamente
ser o primeiro presidente do Banco. Isto mostra a relevância do Brasil no exterior,
embaixador?
– O Brasil é um país importante no conjunto dos países do
BRICS, e o Brasil tem perfeitamente a condição de ser o presidente do Banco.
Agora, não nos iludamos. A presidência do Banco do BRICS não é para fazer uma
política nacional, anticapitalista, antiamericana, antimercado internacional,
uma política de exclusão dos interesses, dos recursos internacionais.
Nós temos que levar em conta que, queiramos ou não, as
pessoas que investem recursos querem retorno para os seus recursos. Se não nos
bolivarizamos, achamos que a política de retorno do capital estrangeiro é uma
política negativa, que nós temos que investir só em projetos que não deem
retorno ao capital privado internacional, então nós faremos exercer a nossa
presidência. Pelo contrário: a presidência é para elevar o banco, reconhecer a
realidade internacional, reconhecer a verdade do comércio internacional, de
canalizar para recursos de investimento e infraestrutura que os países do BRICS
têm enorme potencialidade de realização. Então, o Brasil poderá ser um bom
presidente.
– Embaixador, a Argentina
participará do encontro do BRICS em Fortaleza, a presidente Cristina Kirchner é
convidada pelo presidente da Rússia Vladimir Putin e o presidente da China Xi
Jinping já adiantou a possibilidade de a Argentina vir a se integrar no BRICS.
Assim, a letra ganharia a letra A. Em vossa opinião, que contribuição a
Argentina tem a prestar ao grupo BRICS?
– Eu acho que a Argentina e o Brasil são dois países que
têm enorme potencialidade na produção de energia e de alimentos. Dentro deste
contexto, não é a Argentina. É a Argentina, o Brasil, o Paraguai, o Uruguai –
os países fundadores do Mercosul – que têm uma perspectiva positiva de serem
grandes contribuidores para o futuro da humanidade na produção de energia e
alimentos.
A ideia de participar do BRICS, eu acho uma ideia meio
extravagante. Porque a Argentina não quer participar de nenhum organismo
internacional. A Argentina insiste na ideia de que ela tem de ser sozinha e
resolver os seus problemas. Então, o problema não é se essa ideia de a
Argentina participar do BRICS é boa ou ruim. O importante é o que a Argentina
quer.
Se a Argentina quer ser um país separado do resto do
mundo, como Cristina Kirchner indica, quer fazer a sua vida própria, não tem
sentido fazer parte do BRICS.Se ela quiser fazer parte do BRICS, e ela será
bem-vinda, ela terá que mudar profundamente a sua política macroeconômica,
industrial, agrícola e tem que ser consistente com os objetivos de um grupo de
países que quer ter uma participação importante na arena internacional e na
governança mundial. Hoje a Argentina optou por ficar isolada do resto do mundo.
– Como o senhor vê o comércio
exterior neste momento?
– O Brasil precisa tomar uma decisão muito importante. Ou
ele faz parte da comunidade internacional ou não faz parte. Se o Brasil quer
ter competitividade na indústria (na agricultura nós já somos competitivos
desde 1500). Isso significa montar cadeias de valor na produção dos nossos bens
industriais que sejam mais abertas. A política deste governo é uma política que
marcha em direção oposta. Ela quer impor critérios de conteúdo nacional.
A indústria brasileira tem que se abastecer ao longo da
sua cadeia produtiva de bens e serviços, produtos intermediários, fabricados no
Brasil. Essa é uma ideia que já era velha em 1950. Hoje está mais do que
arcaica, está embolorada, está enferrujada. Hoje nós temos que fazer o que a
China faz, o que a Coreia faz, o que a Alemanha faz, o que os Estados Unidos
fazem: é integrar a nossa indústria em uma cadeia produtiva em que ela tenha a
possibilidade de que cada elo da cadeia importe os produtos que deem maior
produtividade ao seu produto final. E isso nós não estamos fazendo ainda, o
governo brasileiro insiste em uma ideia velha: “Vamos comprar nacional!”
O resultado é dramático, catastrófico para a
competitividade na indústria. Com a Argentina em crise, a nossa exportação caiu
gravemente. O problema nosso é mudar nossa política industrial. Se fizermos
isso, poderemos observar nos próximos 30-40 anos uma prosperidade importante.
Nós temos sol, nós temos terra, nós temos produtos energéticos, nós temos ar,
nós temos água – tudo que faz falta no século XXI abunda no Brasil. Vamos fazer
uma boa política inteligente.
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