Rodrigo da Silva
O Brasil
vive a maior crise econômica de sua história. Todos os dias nossos noticiários
são inundados com as manchetes mais pessimistas possíveis, condenando a
atual presidente a um capítulo negro na construção do país. E não por
acaso. A crise diminui o poder de consumo da população, aumenta a desigualdade
e o desemprego, endivida os mais pobres e os condena a permanecerem na mesma
posição social. Encontrar uma solução definitiva para tantos problemas é a
pergunta de um milhão de dólares. Mas, apesar dos inúmeros planos mirabolantes
que visam construir verdadeiros experimentos sociais, a solução está na nossa
frente, através de uma palavrinha que não raramente é encarada como a grande
culpada por tudo que acontece de errado por aqui.
Capitalismo. Poucas palavras geram tamanha
comoção quanto essa. Parte do mundo a trata como a representação do lado mais
perverso da humanidade: guerras, destruição do meio ambiente, egoísmo,
desigualdade, injustiça. Para outra parte é o pior sistema econômico já
inventado à exceção de todos os outros. O que ele escancara de forma
inegável, seja você liberal, de esquerda ou de direita, é que permite ao
mundo alguns países muito mais ricos do que outros. Há míseros três
séculos, por exemplo, Estados Unidos e Canadá se equivaliam economicamente ao
Brasil e à Argentina. Hoje, há um abismo entre as duas regiões. Por que? Afinal,
o que faz um país ser tão mais rico do que outro no mundo capitalista? E
fundamentalmente: por que o capitalismo não deu certo no Brasil, permitindo com
que crises como a atual exponham a tamanha fragilidade da nossa economia?
Antes,
porém, de responder essa pergunta, é preciso enxergar o quadro geral. Se
estamos dispostos a discutir os efeitos da economia capitalista em nosso país,
e encontrar maneiras de encarar a atual crise econômica, precisamos
entender quais foram os efeitos do capitalismo no mundo moderno. Sem
reconhecermos o que conquistamos e perdemos como espécie ao longo dos
últimos séculos, e como chegamos até aqui, não conseguiremos encontrar uma
resposta para essas perguntas.
NÓS VIVEMOS NO PERÍODO MAIS
ESPETACULAR DA HISTÓRIA DA NOSSA ESPÉCIE.
Talvez
você não tenha se dado conta disso ainda, mas nós vivemos no momento mais
espetacular da história da raça humana. A nossa espécie nunca esteve tão bem
alimentada, tão segura, tão protegida do frio e do calor e nunca teve tamanho
acesso à informação. E isso ainda não diz tudo. Ao contrário do que propaga
parte considerável dos nossos formadores de opinião, se compararmos há poucos
séculos, nós nunca respeitamos tanto os direitos dos homossexuais e
transexuais, dos negros, das mulheres, das crianças, dos idosos e dos animais.
Em termos gerais, é muito mais fácil fazer parte de uma minoria no século 21 do
que em qualquer outro momento da história da civilização. E isso foi possível
não apenas porque criamos leis mais robustas que combatem a violência contra
esses grupos ao redor do mundo (e ela certamente ainda existe, em menor ou
maior grau, dependendo do país e da minoria em questão), como porque passamos
por um processo civilizatório ocasionado graças a essa evolução socioeconômica.
E essa correlação é simples de explicar: quanto maior é a nossa capacidade de
experimentar bem estar, maior é o nosso respeito pela vida humana.
Esse
salto, como é possível testemunhar no gráfico abaixo, aconteceu num período
especial na trajetória do homem moderno – quando nós finalmente conseguimos
criar uma explosão de bem estar no mundo. Quando isso aconteceu? Nos últimos
dois séculos, durante o desenvolvimento da Revolução Industrial e da tal
palavrinha maldita: o capitalismo.
Ilustrar
isso tudo nem sempre é uma tarefa fácil. Mas se eu e você entrássemos numa
máquina do tempo agora e voltássemos até a Inglaterra do século 17,
pré-capitalista, nós encontraríamos um país faminto, de terceiro mundo, muito
parecido com alguns dos cantões atuais mais isolados do continente africano –
bem diferente daquele imaginário nobre que a gente encontra nos
museus e nos filmes de época. Essa era, em essência, a realidade da
população britânica por milhares de anos. Através da nossa máquina do tempo,
encontraríamos 1,2 milhões de trabalhadores vivendo com míseras 4 libras (perto
de 15 reais) por ano e 1,3 milhões de camponeses com apenas 2 libras (cerca de
8 reais) por ano, o que equivale a dizer que ao menos metade da população
britânica vivia na mais sórdida miséria.
E a
Inglaterra estava longe de ser uma exceção. Há exatos 200 anos, 75% da
humanidade vivia com menos de um dólar por dia, o que significa dizer que o
mundo era uma imensa África subsaariana. Desde então, o número de pessoas
que sobrevive com menos de um dólar por dia ao redor do planeta caiu para 17%.
Ainda é um caminhão de gente, você deve estar pensando, mas essa é hora de
olharmos pra parte cheia do copo: pela primeira vez em 10 mil anos nós podemos
finalmente projetar ofim da pobreza no
mundo.
Se você,
sentado aí nessa cadeira, tivesse a oportunidade de entrar na nossa máquina do
tempo e escolhesse retomar sua vida a partir do século dezoito, poderia
ancorar em qualquer lugar do mundo, o cenário permaneceria estático: você
certamente teria acesso a uma vida mais curta, dolorosa e
desconfortável. Eu poderia apostar que, antes de qualquer coisa, você
estaria condenado a viver no campo (já em 1900, apenas 15% da população mundial
vivia em cidades). Sua expectativa de vida diminuiria pela metade automaticamente
quando acionássemos os botões de partida da viagem. Você estaria entregue aos
piores pesadelos que atualmente desconhece, convivendo de perto com a chance de
morrer de fome, tuberculose, malária, poliomielite, gripe, difteria. A qualquer
momento.
E não
pense que seria possível driblar todo esse cenário voltando no tempo como um
aristocrata. Se somássemos toda fortuna dos homens mais ricos do século 19 não
daria a riqueza que você tem à disposição nesse exato momento.
Há
duzentos anos, sua vida seria radicalmente diferente. Nada de celular,
televisão, internet, ar condicionado, geladeira. Nada de aspirador de pó,
filtro de café, alimentos congelados, fita adesiva, protetor solar, caneta
esferográfica, fralda descartável. Você não saberia a cor do seu próprio
planeta visto do espaço, que a Via Láctea é apenas uma de muitas galáxias e
como é uma música gravada.
Além
disso, esqueça sua relação atual com o tempo. A prosperidade não se traduz
apenas em grana no bolso. Tempo literalmente é dinheiro. No século 19, a
simples satisfação das necessidades básicas preencheria a maior parte das horas
do seu dia.
Se um
cidadão do século 19 tivesse a oportunidade de utilizar a nossa máquina do
tempo e pousar em 2015, ele muito provavelmente entraria em choque. Em
duzentos anos, como nunca antes testemunhado, a população mundial multiplicou
mais de 6 vezes, mas a expectativa média de vida mais do que dobrou e a renda
média aumentou mais de 9 vezes (só no século 20 esse número foi multiplicado
por cinco).
Se nos
últimos tempos os ricos ficaram mais ricos, como a imprensa ocidental insiste
em citar, os pobres tiveram um salto ainda maior. Os pobres do mundo em
desenvolvimento aumentaram o seu consumo duas vezes mais depressa do que o
mundo como um todo nas duas últimas décadas do século vinte. Há 35 anos,
84% dos chineses vivia com menos de US$1,25 por dia; esse número caiu para 6%.
Os chineses, aliás, são 10 vezes mais ricos e vivem 28 anos a mais do que há 50
anos, quando tentavam sobreviver aos piores anos do socialismo. Nesse mesmo
período, os nigerianos se tornaram 2 vezes mais ricos e acrescentaram 9 anos a
mais de expectativa de vida.
E
educação é apenas uma ponta desse desenvolvimento. Em 1800, não havia um mísero
país em todo mundo onde a expectativa de vida fosse maior do que 40 anos (em
alguns países como Índia e Coreia do Sul, essa expectativa girava em torno dos
25 anos). Os ganhos de expectativa de vida desde então ocorreram principalmente
graças às melhorias nos índices de mortalidade infantil, mas nem de longe esse
foi o único motivo. Em 1845, uma criança de 5 anos de idade tinha uma
expectativa média de 55 anos. Hoje, com a mesma idade, essa expectativa é de 82
anos. E não pense que isso aconteceu apenas nos países desenvolvidos. Durante
os últimos 50 anos a expectativa de vida das mulheres na África subsaariana, por
exemplo, aumentou de 41 para 57 anos. Nada parecido ocorreu em milhares de
anos.
E nós
também colhemos o resultado disso. A expectativa média do brasileiro, segundo o
Banco Mundial, saltou dos 54,6 anos, em 1960, para os 73,6, em 2012. Os números
friamente podem não acrescentar muita coisa, mas nós ganhamos inacreditáveis
duas décadas de vida durante esse período.Isso é exatamente o que diferencia
morrer na meia idade e ter a possibilidade de alcançar a velhice.
Digo
tudo isso porque o homo sapiens é a única espécie capaz de registrar a sua
história e ainda assim projetar uma trajetória absolutamente oposta aquela que
viveu. Enquanto não entendermos quão mágico foi, em linhas gerais, escapar da
miséria que sempre nos acompanhou e quais foram as razões que nos levaram ao
atual estado das coisas, continuaremos condenando muita gente a permanecer
aprisionado a essa miséria. E por isso é tão importante voltarmos aos países
que se desenvolveram há dois séculos: para entendermos como funciona o genoma
da riqueza das nações.
As
razões para esse salto no desenvolvimento da humanidade? As mais diversas. Mas
se eu pudesse resumir tudo numa única palavra, que explicasse a mágica por trás
dessa transformação, eu não pensaria duas vezes antes de falar em instituições.
Sim, essa é a razão para estar escrevendo esse texto. As instituições são
o segredo não apenas a respeito do progresso dos países desenvolvidos, como a
ausência delas explica o fracasso dos países em desenvolvimento, como o nosso.
Normalmente
nós enxergamos o mundo como um lugar com um único e previsível sistema vigente:
o tal do capitalismo. É isso que você escutou do seu professor na escola. É
isso que os formadores de opinião costumam repetir. É contra isso que milhares
de pessoas marcham nas ruas ao redor do planeta. Mas essa é uma visão
equivocada. Não existe um mundo com padrões econômicos homogêneos. Apesar
da inegável melhoria socioeconômica que o planeta testemunhou nos últimos
dois séculos, os países ao redor do mundo possuem diferentes apreços pelas
instituições capitalistas – o que torna um erro grosseiro colocarmos no mesmo
sistema países com modelos econômicos tão distintos, como Maurícia e
Eritreia, Cingapura e Bangladesh, Chile e Haiti.
E aqui,
muita atenção, porque esse é considerado um dos pontos mais frágeis do
capitalismo: sem esse padrão institucional, que não é encontrado de forma
homogênea em todos os países, um buraco entre ricos e pobres é inevitável. Não
é como se, antes do capitalismo, todos fossemos ricos e então um grupo de ricos
malvados sequestrassem todo capital presente no mundo para
condenar alguns a viverem eternamente na pobreza. Pelo contrário: como
fica evidente aqui, há apenas duzentos anos eramos todos muito pobres. A
desigualdade entre os países não é uma mágica de exclusão do capitalismo – é
consequência de taxas diferenciadas de crescimento no passado. Os países
são pobres porque cresceram pouco ou não cresceram por um longo período de
tempo. E não há segredo aqui. Países que alimentam instituições favoráveis ao
mercado tendem a enriquecer, enquanto países que as rejeitam tendem a
permanecer onde estão. Botswana, Coreia do Sul e Hong Kong apostaram nesse
modelo e testemunharam os maiores crescimentos econômicos do último século.
Suécia, Suíça e Estados Unidos fizeram o mesmo no século anterior. Não há outra
solução para o Brasil.
Como
possibilitar isso? Bem, não é como se fosse uma receita de bolo, onde você pega
alguns ingredientes, mistura numa panela e pronto – se esbalda de tanto comer.
Cada país ao redor do mundo possui suas peculiaridades históricas, culturais e
econômicas. Mas existem alguns atalhos. E minha tarefa aqui é demonstrar como
eles podem contribuir para transformar o Brasil num país finalmente
desenvolvido e chutar a atual crise estrutural que o país enfrenta
para o mais longe possível. Se gastamos tanto tempo falando em futuro, há
algumas expressões que não devem sair de nossos vocabulários. E aqui, falarei
de modo especial de duas delas: propriedade privada e mercado.
É PRECISO AMPLIAR OS DIREITOS DE
PROPRIEDADE.
Propriedade
privada. Se tivesse o poder de realizar uma única reforma de base no país,
acreditando na sua capacidade de replicar prosperidade de norte a sul, eu
apostaria nela sem pensar duas vezes.
“Mas,
pera aí! O Brasil é um país onde as pessoas podem adquirir propriedades, não?”,
você deve estar pensando. Certamente. O que talvez você não faça ideia é de
como tratamos de forma legal aquela que é a base da economia capitalista.
Da maneira mais perversa possível.
Você
provavelmente não faz a menor ideia disso, mas quase a metade das moradias
brasileiras não são plenamente legalizadas. Isso mesmo – metade. E a maioria
esmagadora delas estão no mesmo lugar: na periferia.
Não se
engane, não estou falando apenas de um pedaço de papel qualquer aqui. Pense
um pouco. Qual é o maior empecilho para que os mais pobres criem prosperidade?
A resposta é evidente: a incapacidade que eles têm de gerar capital. Sim,
o capital é o principal ingrediente do sistema capitalista, é a base do
progresso de qualquer país. Para você ter dinheiro você precisa ganhar
dinheiro, não é mesmo? E para a maioria esmagadora das pessoas ao redor do
mundo as suas propriedades são seus maiores ativos.
Sem
direitos de propriedade não há capitalismo. Quando nós concedemos esse
direito apenas para parte da população, que possui acesso legal ao registro de
suas propriedades, fazendo com que a outra parte seja subcapitalizada – ou
seja, esteja à margem do sistema, excluída do capitalismo – nós não apenas
incentivamos a desigualdade social, por razões que escapam à economia
capitalista, como possibilitamos a ascensão de discursos anticapitalistas, que
abraçam esse cenário de abandono institucional para propagar o ideal de que o
capitalismo é inerentemente perverso e excludente. Não é de se espantar
que discursos populistas sejam tão prontamente aceitos em países com problemas
de direitos de propriedade. Nesses lugares o que nós estamos oferecendo é
capitalismo para os ricos e um abandono institucional para os pobres. O que
precisamos ofertar no lugar é isonomia: uma reforma fiduciária de baixo para
cima, que massifique finalmente os direitos de propriedade no país. Nós
precisamos permitir que os mais pobres tenham finalmente acesso ao
capital.
E não
pense que os mais pobres não economizam para obter esse capital. Pelo
contrário. Como aponta o economista peruano Hernando de Soto, o valor da
economia entre os países mais pobres é 40 vezes o valor de toda ajuda estrangeira
recebida por eles desde 1945. Não é um montante pequeno.
Onde
está isso tudo? Esse é o grande problema. Boa parte desse capital é morto,
inútil, finado, virou presunto nas mãos da burocracia – trata-se de moradias
sem registro, empresas sem constituição legal, propriedades sem titulação. No
Brasil, verdadeiras montanhas de capital morto se alinham nas ruas das
principais periferias como um cortejo fúnebre. E capital morto aqui é a
exata tradução da incapacidade de obter crédito num banco, seguros e outros
tantos serviços fundamentais pra gerar desenvolvimento econômico. Nós não
estamos permitindo que isso tudo chegue à parte considerável da nossa população
– especialmente a parte mais pobre.
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Justamente
por conta disso tudo, para Paulo Rabello de Castro, um programa nacional de titulação
acrescentaria outros R$150 bilhões na economia, efeito de investimentos
induzidos pela valorização, pois os novos proprietários se animariam a
investir, eles próprios, nos imóveis valorizados, agora oficialmente em suas
posses. Esse efeito seria replicado em sua rua, em seu bairro, em sua cidade.
Segundo
o International Property Rights Index de
2015, o Brasil está no quarto quintil no ranking dos países que mais respeitam
o direito à propriedade privada no mundo. No ano anterior nós ocupávamos o
terceiro quintil.
Esse é o
comparativo do ranking e da renda média per capita dos países listados.
E esse é
o comparativo do ranking e do PIB per capita dos países listados.
Como
fica evidente, quanto mais sólida a instituição da propriedade privada no país,
com seus direitos respeitados pelo poder público, mais desenvolvido é o país.
E os
efeitos dos direitos de propriedade vão além dos ganhos econômicos. O tal papel
timbrado em cartório incentiva as pessoas a honrarem contratos e obedecerem a
lei. E isso é crucial num país que vive uma epidemia de criminalidade como o
nosso. Quando os mais pobres confiam que suas terras e negócios lhes pertencem
legalmente, cresce o seu respeito pela propriedade dos outros.
Como diz
o historiador polonês Richard Pipes:
“A
propriedade privada é, pode-se argumentar, a mais importante instituição de
integração social e política. A posse de propriedade cria um compromisso com a
ordem política e legal, pois a última garante os direitos de propriedade:
transforma, por assim dizer, o cidadão em co-soberano. Como tal, a propriedade
é o veículo principal para se inculcar nas massas o respeito pela lei.”
O que
Pipes quer dizer aqui é que através dos direitos de propriedade nascem os
deveres a ele associados. O exercício da propriedade por um indivíduo é a
manifestação da plenitude da sua “cidadania”, isto é, da sua capacidade de
“ocupar a cidade”, que é sua, compartilhada com todos os demais.
Permitir
que a propriedade privada seja um direito irretocável em nosso
arcabouço institucional, presente não apenas para uma minoria privilegiada,
proporcionará uma ilha arrebatadora de prosperidade aos mais pobres. E de
quebra permitirá uma sociedade mais responsável e segura.
Mas isso
ainda não diz tudo. Há outra revolução necessária. E ela foge dos padrões
habituais daquilo que é usualmente considerado revolucionário.
TODAS AS REVOLUÇÕES SOCIALISTAS
ESTÃO CONDENADAS AO FRACASSO. E O MOTIVO ESTÁ NAS GÔNDOLAS DOS SUPERMERCADOS.
Se a
propriedade privada é a mente da economia capitalista, o mercado é o coração.
Mas o que é afinal esse negócio de mercado? Você saberia responder
essa pergunta?
O
mercado é uma grande rede social. É como se fosse o Facebook – uma rede
absolutamente complexa e interativa onde as pessoas mantém os seus perfis
ativos com um único interesse: realizar trocas entre si. Eu, você, o seu
vizinho, o cabeleireiro do seu vizinho, o mundo todo lá fora, do borracheiro ao
cara que vende pipoca, todos estão inseridos nessa rede.
Não é
preciso ter um mercado para fazer parte dela. Também não é preciso vender nada.
Quando você troca as suas moedas por um quilo de tomate, está inserido dentro
dessa rede, mesmo que não queira. A mesma coisa acontece quando você assina um
pacote de internet ou quando compra um livro. Não dá pra escapar.
E tudo
isso foi criado para lidar com um fato incontestável a respeito da
natureza humana: a certeza de que o mundo material é limitado pela escassez. É
só olhar ao seu redor. Absolutamente nada dura para sempre e não existe tal
coisa como produtos materiais ilimitados. Guiados por tal limitação, os seres
humanos desenvolveram uma ferramenta que possibilitasse razão ao uso dos bens
materiais e premiasse as pessoas que melhor racionalizasse esses bens. E o nome
dela é mercado.
Como
disse o teatrólogo tcheco Vaclav Havel, que viveu as dores de uma revolução
socialista:
“Embora
meu coração possa estar à esquerda do centro, sempre soube que o único sistema
econômico que funciona é a economia de mercado. É a única economia natural, a
única que faz sentido, a única que leva à prosperidade, porque é a única que
reflete a própria natureza da vida. A essência da vida é infinita e misteriosamente
multiforme e portanto, em sua plenitude e variabilidade, não pode ser contida
ou planejada por qualquer inteligência central.”
Como o
mercado consegue racionalizar os bens materiais? Girando em torno de um negócio
chamado preço, algo que não está presente na economia socialista.
Pense,
por exemplo, num supermercado. Quando os clientes começam a pedir muitos
pacotes de macarrão, o dono do estabelecimento inevitavelmente realizará uma
encomenda maior com seu fornecedor de macarrão. Se há, porém, uma fome
insaciável por massas em toda cidade, o preço das massas no atacado subirá.
Pense num cenário em que há problemas com a colheita de trigo e não haverá
jeito: na gôndola do supermercado mais próximo de você, aquela sua marca favorita
de macarrão estará mais cara.
O preço
funciona como uma espécie de google, um grande oráculo de informação – e
informação é tudo que você precisa ter numa economia complexa como a nossa. É
disso que se trata todo esse negócio de oferta e demanda. Se no supermercado
mais próximo houver mais pessoas interessadas em comer macarrão do que pacotes
de macarrão disponíveis, então, bingo, o preço dos pacotes de macarrão subirá.
Essa é a maneira mais racional de lidar com a escassez, de preservar as claras
limitações da natureza. E num cenário onde há seis vezes mais pessoas no mundo
do que há duzentos anos, desenvolver um sistema que esteja preocupado com os
recursos naturais é fundamental para a própria sobrevivência da espécie.
(E aqui,
se você acha que esse sistema é terrível para o meio ambiente, não se esqueça
do que os ambientalistas ocidentais
encontraram quando a cortina de ferro finalmente foi derrubada,
com a queda do socialismo na Europa: ao fim da União Soviética, cerca de 40%
dos cidadãos russos viviam em áreas onde a poluição do ar excedia de três a
quatro vezes o limite máximo permitido; em Leningrado, quase metade das
crianças tinham doenças intestinais causadas por água contaminada. O leste
europeu vivia um caos ambiental nunca antes visto: 180 mil baleias sumiram no crime ambiental
mais irracional de nosso tempo, 10 mil pessoas morreram e 42 mil ficaram
adoecidas graças ao maior acidente nuclear da história, de Chernobyl,
entre outros tantos desastres ambientais. E se os efeitos dessas tragédias são
explicadas pelas ciências biológicas, as razões são sustentadas pela ciência
econômica.)
Ter, no
entanto, um robusto sistema que torne mais caro ou mais barato diferentes bens
materiais a depender de sua escassez, não é a única grande sacada dessa rede
social. No mercado, há uma dispersão de conhecimento e de decisões sendo
tomadas a cada instante. Essa é a grande ideia por trás de tudo. E
é graças a ela que as economias socialistas tendem a falhar em relação a
economias liberais.
Aqui
novamente é como numa rede social. Imagine que Mark Zuckerberg, o criador
do Facebook, elegesse alguns empregados para decidir o que você deve postar,
curtir, compartilhar e comentar no seu próprio perfil, em seu nome. Ninguém
desempenharia melhor esse papel do que você mesmo, não é? Tais ações seriam incomparavelmente
menos racionais e originais que as de hoje, e tirariam o interesse das
pessoas em participar de uma rede tão previsível e
despersonalizada. No mercado, se alguma rede social realizasse um
experimento parecido, certamente seria engolida pela concorrência. No
socialismo isso nunca foi possível.
Monopolizar
todas as decisões de um país para um governo central restringe
violentamente o número de apostas a serem exploradas a cada momento. E a razão
é simples de entender: lideranças políticas são incapazes de mobilizar
todo conhecimento necessário para tomarem as bilhões de decisões que acontecem
todos os dias em nome de cada um de nós. Seja para produzir o café que tomamos
todas as manhãs, os carros que nos guiam até o trabalho ou os aparelhos de
celular e os notebooks que usamos para acessar textos como esse. Sem a
eficiência de um sistema de preços e a possibilidade dessas decisões serem
descentralizadas pela sociedade, o resultado final será previsível: escassez de
produtos básicos, filas, desenvolvimento tecnológico defasado, baixa
produtividade e miséria. E você não precisa conhecer absolutamente nada de
economia para atestar isso, basta ter acesso a um livro de história. Se há uma
única lição a tirar de todo século 20 é a de que o socialismo não funciona.
Não por
acaso, países mais simpáticos ao livre mercado, por racionalizarem melhor os
bens escassos da natureza, tendem a ser mais prósperos do que países com
economias mais fechadas. É isso que atesta o último relatório do
Fraser Institute, que mede o grau de liberdade econômica nos países ao redor do
mundo. Quanto mais livre economicamente um país, maior a renda per capita
da população.
E isso é
apenas parte da história. O cenário de desenvolvimento se mantém o
mesmo quando nós selecionamos apenas a parte mais pobre da
população. Quanto mais livre economicamente um país, maior será a renda
daqueles que preenchem os primeiros 10% da base da pirâmide desse país.
Com o
poder de renda maior da população e um acesso melhor aos serviços de saúde e
saneamento básico, maior também será a expectativa de vida da população.
Com o
poder de renda maior, que permite um acesso melhor à educação, quanto mais
livre economicamente o país, mais propenso ele estará a garantir direitos
políticos e liberdades civis. E aqui nós estamos falando especificamente da
liberdade das minorias.
Com
menos poder concentrado nas mãos do governo – logo, menos dinheiro nas mãos dos
políticos – menor também é a percepção de corrupção de um país, quando o
ranking de liberdade econômica é colocado em perspectiva com o ranking de
corrupção da organização alemã Transparência Internacional. Aqui, quanto maior
a pontuação, melhor o resultado.
Tudo
isso soa muito evidente agora, não? A questão é que temos um grande
problema pela frente aqui: no ranking de facilidade para fazer
negócios, do Banco Mundial, nós estamos atrás de países como Zâmbia, Nepal,
Suazilândia, Vietnã e Cazaquistão. No ranking do Fraser Institute, nós
estamos no último quintil, atrás de países como Bangladesh, Bolívia, Haiti,
Nigéria e Namíbia. No ranking da
Heritage Foundation, que também mede a liberdade econômica no mundo, nós
estamos atrás de países como Camboja, Nicarágua, Honduras, Butão e Tanzânia. E
pior: apesar de nunca ocuparmos boas posições nesses rankings todos (e
isso inclui a década de 90, encarada por parte de uma militância política
antiliberal como um período de liberdade econômica), nos últimos anos estamos
piorando em todos eles.
Se tem
uma coisa que isso tudo escancara é a completa aversão
que o nosso país tem às instituições que dão base ao
sistema capitalista – ou, em outras palavras, o quão distante ele
está de um ideal que possa minimamente incluí-lo no rol das nações capitalistas,
com apreço pelos direitos de propriedade e o reconhecimento do mercado
como gerador de riqueza. Dessa forma, em média, nós demoramos mais tempo
para registrar nossas empresas, obter alvarás de construção, lidar com as mais
insanas burocracias e pagar impostos que a maioria esmagadora dos países
desenvolvidos.
E esse é
um custo que, novamente, afeta de forma especial os mais pobres – e não estou
falando apenas de empregos perdidos. Aqui, as papeladas e boletos funcionam
como uma espécie de muro segregacionista com um peso incomparavelmente menor
aqueles já bem estabelecidos, com capacidade financeira
para investir tempo e dinheiro em pilhas de burocracia, em comparação
aqueles sem condições que, graças a esse cenário, muitas vezes encaram montar
o próprio negócio como um sonho distante. A nossa burocracia, dessa forma,
castiga os mais pobres a desistirem da possibilidade de ascender socialmente
através das mesmas ferramentas que ascenderam os mais ricos – e ser
dono do próprio negócio, não por acaso, é o desejo de quatro em cada dez moradores
das favelas brasileiras, muitos dos quais não encaram a empreitada com medo de
falir ante tamanhas exigências.
Diminuir
as atribuições econômicas e as burocracias do Estado é, em essência,
descentralizar o poder econômico. Mais poder para o povo é essencialmente menos
poder para os governantes. E aqui, você pode ser um coxinha ou um
petralha. Tanto faz. Esqueça as cores
dos partidos por um momento. Pare pra pensar um pouco fora da caixa.
O Brasil
possui atualmente 56.810 vereadores, 5.565 prefeitos, 1.057 deputados
estaduais, 513 deputados federais, 81 senadores, 27 governadores e 1
presidente.
Faça as
contas. Isso dá mais de 64 mil políticos eleitos diretamente por pessoas como
você. E isso pra não falar das centenas de milhares de assessores que estão ao
redor deles. Juntas, essas pessoas taxam, burocratizam, criam leis que determinam
o que você não pode comer, o que não pode ver na televisão, como deve montar o
seu negócio, o quanto deve retirar do seu salário pra bancar os salários deles
e o quanto deve gastar com uma dúzia de serviços que não funcionam (e que você
não pode simplesmente deixar de adquirir).
Agora,
seja sincero. Por quantas dessas pessoas você colocaria a mão no fogo? Quantas
você acha que exercem seus cargos comprometidas em defender os interesses dos
seus eleitores? Qual percentual delas nunca colocou dinheiro sujo no bolso?
Você seria capaz de apostar na maioria?
Se você
acompanha minimamente os noticiários políticos do país, já devo imaginar as
suas respostas. Segundo o Datafolha, 91%
dos brasileiros não confiam nos partidos políticos. E você provavelmente é um deles.
Agora, é
a hora de olhar o grande quadro. Estamos todos sentados pacientemente
esperando por um salvador da pátria, por alguém que tome as rédeas do país e
faça aquilo que centenas de milhares de pessoas que se envolveram com política
nas últimas décadas não fizeram, independente da filiação partidária. Todos
presos a uma Síndrome de Estocolmo estúpida que terceiriza parte importante da
nossa vida e dos nossos salários a políticos profissionais que a gente mesmo
vive criticando. Até quando?
A crise
política está deixando isso tudo escancarado na nossa frente, como em nenhum
outro momento da nossa história. Quanto tempo ainda será preciso até a gente
entender o quão estúpido é tudo isso, entregar tanto poder nas mãos de gente
que a gente tem tanta repugnância?
AFINAL, COMO SAIR DA MAIOR CRISE DA
NOSSA HISTÓRIA?
A
resposta parece ser evidente. Nós precisamos diminuir as atribuições do Estado
brasileiro, que sufoca o nosso desenvolvimento.
Por que
o capitalismo não deu certo por aqui? Como fica muito claro ao longo desse
texto: porque ele nunca deu as caras por aqui. Não ao menos da forma como
enriqueceu o mundo desenvolvido, mas preso a uma mentalidade
burocrática que cria uma elite econômica engajada em propagar a
cultura do capitalismo de compadrio como um Brazilian way of life,
vivendo às custas do Estado e vendo seu discurso antiliberal ecoado por
parte de uma militância política que se diz engajada em combater elites e
ascender os mais pobres, repetindo os discursos economicamente segregacionistas
dessas mesmas elites.
O
direito de propriedade e o livre mercado são a base da economia capitalista – o
primeiro funciona como um grande cérebro que cataloga, o segundo como um
coração que conecta. Através de ambos, parte do mundo moderno descobriu ser
possível racionalizar os bens escassos, criar incentivos para uma produção mais
eficiente e gerar prosperidade através de jogos de soma positiva. Essas duas
instituições combinadas estão por trás do desenvolvimento econômico de todas as
nações que alcançaram um lugar ao sol nos últimos dois séculos – e isso inclui
aquelas que, graças a décadas de desenvolvimento econômico através de uma
economia livre, hoje investem em Estado de bem-estar social (e não se engane,
esses países ainda são incomparavelmente mais livres economicamente que o
nosso).
Se o
Brasil busca alcançar finalmente o século 21, precisa necessariamente alterar a
sua própria visão de mundo – e isso passa por abandonar parcerias com regimes
falidos ideologicamente alinhados, para abraçar o mundo globalizado –
onde, muito além das ideologias, as pessoas estão interessadas em
desenvolvimento. Há décadas clamamos por uma mudança no país repetindo
exatamente as mesmas fórmulas, e dando ao Estado os mesmos papeis que ele já
desempenha hoje.
E a
crise evidencia um grande momento pra propagar novas ideias. Para escapar dela
de forma sustentável, mais do que um mero ajuste fiscal – nunca tão
simples num governo com transtornos de megalomania – é preciso criar uma
reforma institucional que garanta os direitos de propriedade a todas as
pessoas, e não apenas a uma reduzida elite urbana, diminua o inchaço da máquina
pública e permita que a burocracia à brasileira vire peça de museu. É preciso,
finalmente, de uma verdadeira revolução que introduza o capitalismo em solo
tupiniquim, arrastando sua aristocracia leprosa e os autoritários de todos
os credos para um imenso buraco de insignificância.
Diminuir
as atribuições do Estado, dessa forma, é criar uma revolução no tecido social,
que altera debaixo para cima a posição dos agentes econômicos – introduzindo os
mais pobres ao desenvolvimento. E criando uma teia de proteção institucional
contra crises como a atual.
Essas ideias, no entanto, não sairão
dos guetos universitários, em parte compromissados em difundir o que há de mais
atrasado no mundo, nem da classe política, muito menos dos grandes
empresários.
Elas
sairão das mãos e das gargantas de quem está realmente interessado em construir
os próximos tijolos desse país, com ideias nunca antes testadas por aqui e que
foram bem sucedidas em países que saíram de posições muito parecidas com a
nossa.
Se você
chegou até esse ponto do texto, depois de quase sete mil palavras, só há
mais um recado a dizer: o Brasil definitivamente tem solução. E ela nasce aqui,
agora, nesse espaço, com você.
SPOTNIKS
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