Revista Época
Quando o
Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro anunciou a promoção do
juiz Geraldo Prado a desembargador, em 2006, fez-se um silêncio embaraçoso no
salão onde transcorria a sessão. Foi com desgosto que muitos receberam a
notícia da promoção por antiguidade – ou “inevitabilidade”, como Prado define.
Ele desagradava à maioria dos demais juízes da corte, em virtude de suas
decisões “excessivamente liberais” nas Varas Criminais. No fim dos anos 1990,
constrangera os colegas ao liderar, ao lado de poucos, um movimento pelo fim do
nepotismo no Tribunal. O juiz Prado estava na vanguarda do que era inexorável:
a lenta mas firme assepsia nos maus hábitos do Judiciário brasileiro. O
nepotismo acabou banido, mas apenas em 2005, por decisão do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ).
Ao tomar
posse como desembargador, o juiz Prado aprontou outra. Recusou-se a rodar num
carro oficial, símbolo de poder dos desembargadores. O presidente do Tribunal
tentou demovê-lo. Argumentou que a atitude “diminuiria a força institucional da
magistratura”. Não colou. Até se aposentar, em 2012, só ele e um colega, entre
120 desembargadores, abdicaram do conforto. Para o juiz Prado, “o carro oficial
significa um status incompatível com a República”. “Deve ser usado em prol do beneficiário
do serviço e não do servidor. O magistrado da Infância e Juventude deve ter uma
viatura à disposição para atender à demanda. Mas não tem sentido o conjunto da
magistratura ter carro oficial”, diz o desembargador aposentado e professor da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Nos
últimos anos, atitudes como as do juiz Prado ajudaram na depuração dos vícios e
privilégios que persistiam há décadas no Judiciário. Resultaram na criação dos
Conselhos Nacionais da Justiça e do Ministério Público (MP). Juízes e seus
primos, os procuradores e promotores dos Ministérios Públicos, tornaram-se mais
transparentes e produtivos. Hoje, trabalham com metas e planos estratégicos
para diminuir a proverbial lentidão dos nossos Tribunais. Ainda há, porém, um longo
caminho a percorrer rumo ao Judiciário que o Brasil precisa. É preciso
paciência. São muitos os obstáculos.
Um
deles, talvez o mais urgente a ser enfrentado, envolve os altos salários dos
juízes estaduais – e, também, dos promotores dos Ministérios Públicos dos
Estados. Desde 2003, quando o Congresso estabeleceu o salário dos ministros do
Supremo como teto constitucional para os funcionários públicos, os Tribunais e
MPs estaduais passaram a criar toda sorte de expedientes para engordar o
contracheque. Hoje, o teto é de R$ 33.763. Os penduricalhos são muitos – ao
menos 32 tipos de auxílios, gratificações, indenizações, verbas, ajudas de
custo… – mas o objetivo é apenas um: ganhar mais do que determina a
Constituição. Nada disso é, por enquanto, ilegal. Mas não são poucos os juízes
e promotores que se questionam: é correto?
Nos
últimos oito meses, ÉPOCA apurou, junto aos 27 Tribunais de Justiça e aos 27
MPs estaduais, os reais vencimentos – e todos os benefícios – de magistrados e
promotores, incluindo salários, vantagens pessoais e auxílios. Confirmou-se o
que todos no Judiciário suspeitavam: o contracheque de juízes e promotores
ultrapassa, e muito, o teto constitucional de R$ 33 mil. A média de rendimentos
de juízes e desembargadores nos Estados é de R$ 41.802 mensais; a de promotores
e procuradores de justiça, R$ 40.853. Os valores próximos mostram a
equivalência quase perfeita das carreiras. Os presidentes dos Tribunais de
Justiça apresentam média ainda maior: quase R$ 60 mil (R$ 59.992). Os procuradores-gerais
de justiça, chefes dos MPs, recebem, também em média, R$ 53.971. Fura-se o teto
em 50 dos 54 órgãos pesquisados. Eles abrigam os funcionários públicos mais bem
pagos do Brasil.
ÉPOCA
obteve os dados nas páginas de transparência dos órgãos. Para calcular as
médias dos TJs e MPs estaduais, a reportagem avaliou os vencimentos de ao menos
5% dos integrantes como amostra, respeitando a proporção de membros da segunda
instância, de modo a não gerar distorções. Durante a pesquisa, encerrada em
abril, usou-se o mês mais recente disponível. ÉPOCA analisou 3.714
profissionais (2.602 magistrados e 1.112 promotores) dos 21.707 membros nos
Estados. Segundo Cristiano Fernandes, professor de engenharia elétrica da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e especialista em
estatística aplicada a ciências sociais, a análise é “consistente” e
“satisfatória”. O levantamento de ÉPOCA não aborda a Justiça Federal nem o
Ministério Público na esfera federal. Neles, sabe-se que há menos
penduricalhos.
Na
teoria, os salários – chamados de subsídios básicos – das duas categorias
variam de R$ 22 mil a R$ 30 mil. Os salários reais deles, no entanto, avançam o
teto pela soma de gratificações, remunerações temporárias, verbas retroativas,
vantagens, abonos de permanência e benefícios concedidos pelos próprios órgãos
e autorizados pela Lei Orgânica da Magistratura, a Loman, de 1979 – o MP os
recebe por equivalência. Por sua natureza jurídica (ressarcir despesas geradas
pelo trabalho), as indenizações não estão sujeitas ao teto nem a Imposto de
Renda. Generalizadas, produzem a mágica de elevar os salários, legalmente,
acima do teto. Há salários reais que ultrapassam R$ 100 mil. O maior é de R$
126 mil.
Benefícios ou regalias?
Com estabilidade, poder e prestígio social, juízes e promotores recebem como executivos da iniciativa privada, mas gozam um pacote de benefícios só possível na esfera pública. Usufruem dois meses de férias anuais – mais um recesso de 14 a 30 dias –, não têm horário fixo, ganham auxílios para moradia, alimentação, transporte, plano de saúde, dinheiro para livros e computadores e ajuda até para pagar a escola particular dos filhos. É uma longa série de benefícios, alguns que se enquadram facilmente como regalias. Variam conforme o Estado. ÉPOCA descobriu 32 delas. Além do auxílio-moradia, o mais comum é o de alimentação. Chega a R$ 3.047 mensais para promotores do Maranhão.
Com estabilidade, poder e prestígio social, juízes e promotores recebem como executivos da iniciativa privada, mas gozam um pacote de benefícios só possível na esfera pública. Usufruem dois meses de férias anuais – mais um recesso de 14 a 30 dias –, não têm horário fixo, ganham auxílios para moradia, alimentação, transporte, plano de saúde, dinheiro para livros e computadores e ajuda até para pagar a escola particular dos filhos. É uma longa série de benefícios, alguns que se enquadram facilmente como regalias. Variam conforme o Estado. ÉPOCA descobriu 32 delas. Além do auxílio-moradia, o mais comum é o de alimentação. Chega a R$ 3.047 mensais para promotores do Maranhão.
O TJ do
Rio de Janeiro é o que oferece mais benesses. Há auxílio-creche de R$ 854 por
filho até 6 anos e auxílio-educação de R$ 953 por filho até 24 anos (na
faculdade). Há 180 dias de licença-maternidade (padrão) mais 90 de aleitamento.
Há, ainda, de três a cinco salários mínimos por adoção até o filho ter 24 anos.
O TJ do Rio afirma que é unidade de referência e está entre os quatro Tribunais
mais eficientes do país, tendo cumprido 100% da meta desde 2009, ao lado do TJ
do Rio Grande do Sul.
Os
benefícios oferecidos com dinheiro público são generosos e criativos. No TJ de
Mato Grosso vigora um dos melhores planos de saúde do mundo, com gastos
ilimitados. Ressarce consultas particulares e até passagens de avião para
tratamento de magistrados e dependentes em hospitais fora do Estado. Só a
partir de dezembro os juízes passaram a ter de apresentar recibos fiscais para
obter reembolso. Em Minas Gerais, os magistrados recebem mais 10% do salário
para custear a saúde (até R$ 3.047). Têm direito ainda a, como os promotores,
de R$ 13 mil a R$ 15.235 por ano para livros jurídicos e materiais de
informática. O TJ-MG afirmou que, embora haja previsão, o auxílio não é pago. O
MP paranaense banca até 50% de mestrados e doutorados e 20% de cursos de
graduação e línguas.
Os
promotores do Rio de Janeiro recebem mais R$ 1.100 para transporte. Isso não
impede que o órgão gaste R$ 100 mil mensais – R$ 545 por carro –, há três anos,
no aluguel de 183 vagas no Terminal-Garagem Menezes Côrtes, no Centro. O
fluminense é também o mais liberal no envio de membros para estudo no exterior:
12 cursam mestrado ou doutorado, com salário integral. Nos demais Estados, há 17
promotores e dez juízes fazendo o mesmo. Tantos são os benefícios do MP do Rio
que até promotores se constrangem, em conversas privadas. “Em breve, o subsídio
será só para juntar dinheiro, porque as demais despesas já estarão cobertas
pelos auxílios”, diz um deles.
Para
Joaquim Falcão, ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e diretor
da faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), promotores e juízes
“precisam de prerrogativas – como independência – para exercer sua função, não
de privilégios”. “Pagar auxílio-escola para o filho não é prerrogativa, é uma
apropriação privada e individual da prerrogativa do cargo. O cargo é público, a
prerrogativa é pública e o privilégio é uma apropriação individual”, diz
Falcão.
Ninguém
diz que juízes devem ganhar mal – ou menos que outras carreiras de Estado. Mas
a comparação da renda deles com a dos demais brasileiros mostra que há algo de
excessivamente desigual em vigor. Um levantamento do Conselho da Europa, de
2012, mostra que os juízes iniciantes de 26 países europeus recebiam 2,2 vezes
a média salarial da população de seus países. Os salários dos membros da Corte
Suprema equivaliam a 4,2 vezes o vencimento médio nacional, e os da cúpula da
Procuradoria-Geral a 3,6 vezes. No Brasil, o inicial de magistrados e membros
dos MPs, na maioria dos Estados, R$ 24.818, corresponde a 14 vezes a média de
rendimento de trabalho do país – R$ 1.817, conforme a Pnad. Comparados os
vencimentos totais dos magistrados levantados por ÉPOCA, a proporção se elevaria
para 23 vezes. Segundo o IBGE, em 2013, 99% dos brasileiros recebiam até R$
10.500 mensais, e a média do 1% mais rico do país era R$ 18.899.
Mesmo
com tantas vantagens, 72% dos magistrados não estão felizes com seus salários,
segundo o Censo do Judiciário de 2014. O IBGE aponta a magistratura como a
profissão mais bem paga do país, e os vencimentos de juízes e promotores os
posicionam com larga margem na exclusiva elite do 1% mais rico do país. O
presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo dos
Santos Costa, admite que a distorção preocupa. Mas argumenta que o salário
precisa ser competitivo com o de grandes escritórios de advocacia e que a única
outra atividade remunerada que podem exercer é o ensino. O que torna os
vencimentos dos magistrados “aparentemente acima do teto”, diz, são as
indenizações fruto da “falta de aumento e de valores atrasados”. “São vias
legais que a carreira buscou de complementar os reajustes para recompor o
salário, de acordo com a norma constitucional.” Apesar disso, ele afirma que há
defasagem de 20% a 25%.
A
presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp),
Norma Cavalcanti, diz que “os penduricalhos são a busca da correção”. “Os
vencimentos são com base em lei estadual. Ninguém recebe mais do que a lei
permite”, afirma. Para Falcão, muitos benefícios foram sendo concedidos no
vácuo da lei e vigoram até ser considerados abusivos. “Decidem pagar e dão a
justificativa de legalidade, enquanto o STF não disser que é ilegal. E a jurisprudência
é não devolver o recebido”, afirma.
Minha
casa, minha vida
A mais
recente vitória das categorias veio numa noite de setembro do ano passado. O
ministro do Supremo Luiz Fux, ex-desembargador do Rio, determinou em liminar o
pagamento de auxílio-moradia de R$ 4.377 a juízes federais sem “residência
oficial à disposição”. Por esse princípio, só em São Paulo deveria haver 4.333
moradias oficiais para magistrados e membros do MP. A partir daí, apesar de o
mérito da ação ainda não ter sido julgado, todos os 29.074 juízes e promotores
do país passaram a ter direito ao benefício, uma despesa extra de R$ 1,53
bilhão ao ano em tempos de ajuste fiscal.
Nem
todos concordam em usufruir esse benefício. O juiz do Trabalho Celso Fernando
Karsburg, do Rio Grande do Sul, abriu mão do auxílio-moradia por considerá-lo
“imoral, indecente e antiético”. Em artigo, escreveu que o direito existe desde
1979, mas ninguém o usava porque era “visto como algo indevido, para não dizer
absurdo, imoral ou antiético”. Para ele, isso mudou quando se percebeu que o
Executivo não concederia a reposição do poder aquisitivo perdido com a
inflação. “O pagamento do auxílio-moradia, indistintamente a todos os juízes,
ainda que previsto na Loman, é uma afronta a milhões de brasileiros que não
fazem jus a esse ‘benefício’”, escreveu. No mesmo Rio Grande do Sul, os
desembargadores João Barcelos e Carlos Roberto Caníbal também recusaram o
benefício.
Em
Goiás, Alan Conceição foi o único desembargador a abdicar da benesse. “Se tenho
moradia própria, qual a razão de receber esse auxílio?”, questionou, ao jornal
O Popular. Também recusou o auxílio-livro de R$ 2.600 e o carro oficial, como
Geraldo Prado fizera, no Rio. Alans, Prados, Karsburgs, Barcelos e Caníbals são
exceções. Em Mato Grosso, até os aposentados recebem ajuda para morar – a
maioria em casa própria. O TJ rejeitou recurso do Estado e manteve o auxílio
aos inativos, mesmo contrariando resolução do CNJ.
Na
Europa, as coisas são bem diferentes. Sem direito a carro com motorista, o juiz
da Suprema Corte da Suécia Göran Lambertz pedala sua bicicleta 15 minutos até a
estação de trem de Uppsala e enfrenta 40 minutos no vagão até Estocolmo, onde
trabalha. Na última instância daquele país, Lambertz recebe € 10 mil mensais –
R$ 33.700 – sem nenhum abono, auxílio-moradia ou alimentação. “Não almoço à
custa do dinheiro do contribuinte. Luxo pago com dinheiro do contribuinte é
imoral e antiético”, disse, em entrevista para o livro Um país sem excelências
e mordomias, da jornalista brasileira Claudia Wallin, sobre a Suécia. Nenhum
dos 16 juízes do Supremo do país tem secretário particular, só assistentes
comuns ao colegiado.
T-Q-Q
A gama de benefícios é resquício de privilégios históricos. Nos primeiros anos do Brasil Colônia não havia Justiça organizada, e os donatários das Capitanias Hereditárias tinham jurisdição sobre suas terras. Em meados do século XVI, o rei de Portugal, Dom João III, estabeleceu um governo central e passou a nomear magistrados, formando uma classe fidalga cheia de privilégios, que defendia os interesses da Coroa. No Império, a Justiça continuaria a ser exercida por escolhidos do imperador. Com a Constituição Republicana de 1891, foram instituídas a vitaliciedade para juízes e a irredutibilidade de vencimentos. Era a tentativa de garantir autonomia e evitar perseguições aos que deveriam zelar pelo “bem comum”, não por interesses do imperador ou “coronéis”. Só em 1934 seria criado o concurso de seleção. O historiador do Direito Cássio Schubsky acreditava que a origem fidalga explica os ganhos e benefícios especiais. Juízes e promotores se definem como “membros” de seu órgão; “servidores” são os demais funcionários. As leis mudaram, mas hábitos e práticas do passado ainda determinam o status social da classe jurídica.
A gama de benefícios é resquício de privilégios históricos. Nos primeiros anos do Brasil Colônia não havia Justiça organizada, e os donatários das Capitanias Hereditárias tinham jurisdição sobre suas terras. Em meados do século XVI, o rei de Portugal, Dom João III, estabeleceu um governo central e passou a nomear magistrados, formando uma classe fidalga cheia de privilégios, que defendia os interesses da Coroa. No Império, a Justiça continuaria a ser exercida por escolhidos do imperador. Com a Constituição Republicana de 1891, foram instituídas a vitaliciedade para juízes e a irredutibilidade de vencimentos. Era a tentativa de garantir autonomia e evitar perseguições aos que deveriam zelar pelo “bem comum”, não por interesses do imperador ou “coronéis”. Só em 1934 seria criado o concurso de seleção. O historiador do Direito Cássio Schubsky acreditava que a origem fidalga explica os ganhos e benefícios especiais. Juízes e promotores se definem como “membros” de seu órgão; “servidores” são os demais funcionários. As leis mudaram, mas hábitos e práticas do passado ainda determinam o status social da classe jurídica.
Esse
status permite não apenas a reprodução de privilégios, mas a manutenção de um
ritmo de trabalho único no Brasil. Juízes e promotores não têm uma rotina de
trabalho como a iniciativa privada. Não há horário fixo ou ponto e se define o
próprio expediente, frequentemente em apenas um turno. No TJ do Amazonas, é das
8 às 14 horas; no MP do Pará, a carga é de seis horas diárias; em Goiás, o
magistrado opta pelo matutino ou vespertino; em São Paulo, o mínimo é de 13 às
19 horas; e, no Tocantins, a carga do promotor é de 35 horas semanais. Alguns
atuam no gabinete ou fórum três ou quatro vezes por semana, no chamado “T-Q-Q”
(terça-quarta-quinta), em especial no interior – e mantêm residência na
capital. O desembargador aposentado Geraldo Prado afirma que o “T-Q-Q era a
regra” nos anos 1980, mas que a prática tem sido combatida.
Outra
vantagem simboliza a diferença entre magistrados e promotores e os demais
brasileiros: as férias. A lei garante um mês de descanso remunerado a todo
trabalhador. Juízes e promotores têm 60 dias, além do recesso judicial, de 18
dias. Em 2014, essas pausas somaram 81 dias, 22% do ano, fora feriados. A
origem do benefício é a lei da magistratura, de 1979. O Ministério Público
adota o mesmo critério. “Não conheço nenhuma empresa que dê dois meses de
férias. Eu mandaria meu currículo amanhã!”, afirma Bernardo Cavour, consultor
de recursos humanos, sócio da Flow Executive Finders.
Eles
recebem duas vezes no ano o adicional de férias de um terço. O TJ do Espírito
Santo, o TJ e o MP do Paraná são ainda mais generosos: lá, o bônus é de 50%. Na
soma, resulta em um 14o salário. Muitos TJs e MPs pagam gratificações de até um
terço do salário a quem acumula função do colega de férias ou licença. De
acordo com Costa, da AMB, a profissão tem carga laboral “insuportável”, de
1.400 processos por ano, e alto índice de doenças (13% dos magistrados tiveram
licença remunerada por doença ou acidente no último ano). Costa afirma que as
férias dobradas são compensação para fins de semana de sobreaviso. “Fora dos
grandes centros não há plantão nos fóruns, só existe um juiz na maioria das
comarcas, disponível dez meses do ano, inclusive fins de semana”, afirma Costa.
Além da
sobrecarga financeira, o excesso de férias impacta processos. É comum uma ação
ter, em seu curso, diversos juízes e promotores distintos, o que pode gerar paralisia,
insegurança jurídica – diante de decisões divergentes – e encarregar da
sentença alguém pouco familiarizado com a questão. Matematicamente, a redução
das férias aumentaria a produção da Justiça em 8%, o equivalente a um mês de
trabalho ao ano. A fórmula foi testada com sucesso em Portugal, onde juízes
gozavam 60 dias até 2007. Diante da austeridade imposta pela crise,
extinguiram-se os dois meses de repouso. Não há notícia de explosão de
estresse, porém a produtividade cresceu 9%.
Se a
prestação de serviço da Justiça aos cidadãos fosse rápida e exemplar, talvez a
enorme lista de privilégios revelada por ÉPOCA fosse menos questionável. Mas a
Justiça é lenta para 88% dos cidadãos, mostra a pesquisa O Judiciário segundo
os brasileiros. O CNJ estipulou metas de produtividade, e os Tribunais
reconhecem a necessidade de ser mais eficientes e expeditos. No ano passado,
havia 95 milhões de processos na Justiça, e o acervo continua a crescer. Em
2014, os Tribunais estaduais, como um todo, não cumpriram nenhuma das cinco
metas estipuladas, entre elas a de julgar quantidade maior de processos do que
os distribuídos no ano. Com salários acima do teto, juízes e promotores
precisam pôr os pés no chão e olhar ao redor.
Revista
Época/Instituto Millenium
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