Oscar
Vilhena
Qualquer
que venha a ser o resultado do imbróglio político em que estamos metidos, a
ressaca será dolorosa. O esgarçamento do diálogo político, a degradação da
economia e, sobretudo, a pressão decorrente da crise fiscal, com o colapso dos
serviços públicos, imporão a quem quer que sobreviva enormes desafios.
Nos
últimos meses surgiram ambiciosos projetos de reforma, que visam modificar o
sistema político e reduzir os gastos públicos. Do ponto de vista político, há
consenso de que o nosso flexível presidencialismo de coalizão foi lentamente se
convertendo num presidencialismo de cooptação. Dada a alta fragmentação
partidária e os elevados custos das campanhas, o sistema foi se tornando
intrinsecamente ineficiente, dispendioso e corrupto (o que não reduz as responsabilidades
dos envolvidos em mensalões, petrolões e outros lamaçais).
No
que se refere aos gastos públicos, as chamadas despesas vinculadas passaram a
ser o grande foco de preocupação. Por serem determinadas pela Constituição,
reduzem a capacidade do governo de plantão de fazer os devidos ajustes em
momentos de escassez.
A
solução seria uma grande reforma constitucional? Fala-se na necessidade de
convocação de uma constituinte exclusiva para reforma política. Outros
reivindicam a redução de direitos sociais ou ainda flexibilização de direitos
adquiridos.
Amplas
reformas constitucionais, embora sedutoras, podem ser arriscadas. Há uma visão
romântica de que momentos de crise são propícios para grandes transformações.
Por mais que tenhamos aprendido sobre o funcionamento das instituições nas
últimas décadas, ainda há pouca capacidade de prever a consequência da
interação de determinadas opções institucionais com as variáveis econômicas e
culturais de uma sociedade. Nesse sentido, o caminho mais seguro para o
desenvolvimento sustentável da democracia, assim como da economia, continua
sendo o das reformas incrementais.
Vejamos
o sistema político. Nos últimos anos foram feitas mudanças importantes para
reduzir o grau de delinquência na política: como a Lei da Ficha Limpa, da
delação premiada, da transparência de dados, e mais recentemente as decisões do
Supremo determinando a execução da pena após julgamento em segunda instância e
a proibição de doações políticas por empresas.
Os
resultados estão começando a surtir efeito. Assim, ao invés de abrir uma grande
reforma, o melhor seria a adoção de uma sensata cláusula de barreira que,
diminuindo o número de partidos, reduziria os custos de governabilidade.
No
campo dos gastos públicos, a questão central é como compatibilizar as
exigências de responsabilidade fiscal com a necessidade de assegurar acesso à
educação, saúde ou saneamento; o que cortar? Ao invés de embarcar numa cruzada
contra o frágil modelo de Estado de bem-estar, numa sociedade marcada por
profundas desigualdades, as baterias deveriam se voltar à desconstrução das
múltiplas formas de patrimonialismo. Deveríamos nos esforçar para distinguir
entre direitos fundamentais, indispensáveis à construção de uma sociedade
moralmente aceitável, de privilégios injustificadamente adquiridos, que só
servem para ampliar a desigualdade e engordar setores parasitários da sociedade
brasileira.
Que
a ressaca nos induza à sobriedade e não a outro pileque.
Folha de S.Paulo
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