Felippe
Hermes
Muito
antes dos grampos da Operação Lava Jato exporem parte daquilo que o
ex-presidente Lula realmente diz em privado sobre outros políticos e
instituições, outros surtos de sinceridade já ajudaram a compreender o
ex-presidente muito além dos discursos e palanques. Em um destes momentos,
reunido com blogueiros pró-governo, em abril de 2014, Lula explica com certa
clareza, como mentir e inventar estatísticas sobre os governos aos quais se
opunha era parte natural do seu trabalho enquanto oposição. Sobre o próprio
governo, porém, um olhar mais atento mostra que, se não chegou a mentir, Lula
não teve em momento algum receio de contar meias-verdades ou apropriar-se de
feitos não necessariamente seus.
Muito
além de criar números inexistentes, como a alegação de que durante seu
mandato 36 milhões de brasileiros saíram da extrema pobreza (número contestado
pelo próprio Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada, ligado ao Palácio do Planalto, que alega terem sido 8,4
milhões), o ex-presidente viu as estatísticas de seu governo variarem ao sabor
do vento, tudo de acordo com os caprichos dos discursos políticos.
A
prática não é exclusividade do governo de Lula. Em 2014, a FAO, organização da
ONU para a agricultura, mudou sua metodologia para
medir a fome, e como num passe de mágica, as pessoas que passam fome no Brasil
caíram de 7% para 1,4%. Pela primeira vez na história, o Brasil saiu do “mapa
da fome”. A FAO é comandada atualmente por José Graziano, ex-ministro de
Lula e responsável por criar o “Fome Zero”.
Em
outro caso, envolvendo apenas organizações tupiniquins, o IBGE alterou a
metodologia do PIB, tornando a recessão de 2014 um ‘crescimento zero’,
evitando, ao menos por enquanto, que o Brasil tenha pela primeira vez na
história 3 anos de crescimento negativo. Por fim, no mais conhecido dos
casos, o mesmo IPEA determinou que brasileiros com renda per capita de R$ 291
pertenceriam à classe média.
Mas
manipular números não é o bastante. Aqui, separamos as 4 mentiras mais
contadas sobre o governo Lula.
1. NENHUM PAÍS DO
MUNDO FEZ O QUE O BRASIL FEZ NA ÁREA ECONÔMICA E SOCIAL.
O
bom desempenho da economia brasileira ao longo da primeira década dos anos 2000
é ainda hoje a conquista mais comemorada por qualquer um que busque exaltar o
governo Lula. Não à toa, os bons números da economia representam a pedra
angular que explica o crescimento de programas do governo voltados para a área
social. Graças a um aumento recorde de arrecadação (que mais do que dobrou
entre 2002 e 2010), o governo pode estar presente no cotidiano de dezenas
de milhões de pessoas.
A
conjuntura onde este crescimento se deu, porém, foi daqueles fatos raros,
poucas vezes presenciados na história brasileira. Para ser mais exato, apenas
em 1902, no grande ciclo internacional da borracha, tivemos um país saído de
ajustes internos no exato momento em que a principal especialidade brasileira
(as commodities, em especial as agrícolas), começaram a subir de preço. Para o
Goldman Sachs, o aumento médio das commodities durante o período foi de 723%.
Vender
o mesmo produto por quase 7 vezes mais foi uma das causas desta riqueza em
abundância.
Entre
2002 e 2010, cerca de US$ 252 bilhões em superávits comerciais entraram na
economia brasileira, inundando o país de riqueza.
O
comércio, claro, não explica todo sucesso brasileiro no período. Atualmente, a
economia brasileira é a mais fechada dentre todas as 20 maiores economias do
mundo, demonstrando que apesar de termos crescido, poderíamos ter feito mais.
Boa parte da sensação de crescimento existente no país esteve assentada no
aumento do crédito, que subiu de 23% para 46% do PIB, como consequência da
primeira estabilidade da moeda brasileira desde… 1902.
Se
compararmos a outros países, porém, o sucesso brasileiro não foi tão
expressivo. Crescemos mais do que nós mesmos, é verdade, mas ainda assim, fomos
o penúltimo colocado no continente, à frente apenas do México.
Segundo
o FMI, em 2002, o PIB brasileiro equivalia a 3,2% do PIB mundial, já em 2010,
esta participação era de 3,18%. Em 2015 este número está em 2,84%, demonstrando
que crescemos significativamente menos que o restante do mundo,
de modo que não apenas outros países “fizeram o que o Brasil fez”, como fizeram
ainda mais.
No
campo social não é diferente. Segundo o IPEA, a pobreza no Brasil caiu
significativamente, mas o começo desta queda não foi exatamente a eleição do
ex-presidente Lula. Para o IPEA, o começo da queda da pobreza no Brasil foi a
criação do Plano Real e o fim da inflação. Em 1992, haviam 19,1 milhões de
pessoas extremamente pobres no Brasil, contra 14,9 milhões em 2002 e 6,5
milhões em 2012. Para o instituto, além do fim da inflação, o aumento do nível de
emprego foi outro fator preponderante para a queda. Programas sociais
representam apenas 15% desta queda, contra mais de 2/3 de aumento da renda do
trabalho.
Os
números brasileiros são positivos, mas nada que se distancie do restante dos
países. Entre 1990 e 2015, a pobreza caiu 50% no mundo, e mais de 60% nos
países emergentes. Os países responsáveis por puxar a queda são justamente
alguns dos mais populosos. Para o Banco Mundial, 2035 representará o ano
histórico em que a extrema pobreza (pessoas com renda menor do que 1 dólar por
dia), será extinta, ainda que Lula não seja presidente do mundo.
2. O BRASIL PAGOU A
DÍVIDA EXTERNA.
Assistindo
dez calotes na dívida entre 1898 e 1990 (o último), não é de se estranhar
que o brasileiro associe dívida externa à fragilidade e problemas. Para boa
parte do mundo, no entanto, dívida é uma forma de alavancar investimentos. Ao
realizar a aquisição da cerverja SAB Miller, os brasileiros donos da AMBEV,
liderados por Jorge Paulo Lemann, recorreram a um empréstimo de US$ 47 bilhões,
pagando juros de 4,25%. O número é expressivo, a segunda maior captação de
dívida já realizada por uma empresa no mundo, significando um valor maior do
que a atual dívida externa brasileira a um custo mais baixo.
Como
o exemplo da AB Inbev, a empresa controladora da Ambev, deixa claro, dívida
pode vir a ser uma solução, para aqueles que possuam boas qualificações para
tomar crédito, e utilizem os recursos de forma eficiente. Ao atrair o grau de
investimento em 2008, a economia brasileira viu um boom de endividamento por
parte das empresas. Para companhias como a Globo, a companhia aérea Gol ou o
frigorífico JBS, a oportunidade de captar dinheiro no exterior fez com que
financiar as suas operações se tornasse extremamente mais barato.
Para
o governo, porém, aumentar o endividamento não pareceu uma boa ideia. Entre
2002 e 2010 o governo brasileiro procedeu no sentido contrário, vendendo
títulos da dívida interna, aquela paga em reais, com juros que hoje giram em
torno de 14,25%, para pagar a dívida externa, cujos juros ficam em torno de 4%.
Para o governo, realizar esta operação significou “menos turbulências”, uma vez
que a dívida externa não está sujeita à variação do dólar. O efeito político,
porém, foi notório.
Composta
por inúmeros credores, a dívida externa brasileira foi por muito tempo
associada a um único deles: o FMI. A razão para isso é clara. Como não possui
bom histórico de crédito, apenas uma entidade se dispôs por um bom tempo a
emprestar quantias consideráveis ao Brasil – o próprio FMI. Isto ocorre porque
a entidade é financiada por outros governos, e empresta com o intuito de
influenciar a adoção de políticas comuns aos países como exigência aos
empréstimos.
O
ato político de Palocci, então Ministro da Fazenda, representou o pagamento da
dívida relativa apenas ao FMI, de US$ 15 bilhões, com recursos oriundos da
criação de uma dívida ainda mais cara, a interna. Para a população em geral, o
que contou foi livrar-se do “grande credor”. Em nenhum momento do seu anúncio,
porém, Palocci mencionou ter conseguido os recursos por meio de outras dívidas.
Atualmente,
a dívida externa pública gira em torno de 10% da dívida externa total, e meros
5% da dívida do governo. Oendividamento total do
governo por sua vez, está em R$ 3,6 trilhões, implicando em juros superiores a
R$ 600 bilhões anuais.
Com
reservas internacionais de US$ 374 bilhões, o governo tornou-se o que se chama
de “credor líquido’ – ou seja, possui mais caixa do que dívida. O chamado
‘custo de carregamento’ das reservas – o custo de pagar a dívida que garantiu
os recursos para comprar estes US$ 374 bilhões – é estimado em R$ 120 bilhões
mensais. Imagine que você tenha pago o crédito consignado com o cartão de
crédito e ainda faça propaganda de que “livrou-se das dívidas”. Com o governo,
a situação não mudou muito.
3. O BRASIL SE
TORNOU AUTO-SUFICIENTE NA PRODUÇÃO DE PETRÓLEO.
O
boom do petróleo, cujo preço do barril saltou incríveis 1.200% ao longo da
década de 2000, fez explodir ao redor do mundo regimes financiados pelos
‘petrodólares’. Do Oriente Médio à America Latina, governos enriquecidos com o
dinheiro do petróleo fizeram as mais absurdas aquisições, como uma Copa do
Mundo no Qatar ou a força aérea mais moderna do continente, detida pela
Venezuela.
Para
o Brasil, que chegou a ter uma das 10 maiores empresas do mundo, o efeito foi
também expressivo, apesar da Petrobras não representar na economia brasileira o
que representa o petróleo nestes outros países (por aqui, a cadeia de
prestadores de serviços da Petrobras esta em 20% do PIB).
Em
torno desta festa de dólares, não é de se estranhar que tenham nascido inúmeros
mitos. Poucos deles, no entanto, chegam perto do que foi o anúncio da
“auto-suficiência”. Para uma população acostumada a acreditar que comércio
exterior é algo que ‘não é para o Brasil’, a ideia de que dependemos menos do
resto do mundo cai como uma luva.
Só
há um problema com esta ideia: ela é falsa, do início ao fim.
Entre
1953 e 1997, produzir petróleo no Brasil era uma exclusividade da Petrobras. O
monopólio do petróleo, criado por Getúlio Vargas, garantiu que nenhuma empresa
nacional ou estrangeira pudesse investir para produzir por aqui. Como
consequência de um país não acostumado a poupar, nossa produção interna mal
supria metade das necessidades.
A
consequência do aumento do preço do barril e da permissão para investimento
privado não poderia ter consequências diferentes. Entre 1997 e
2010, a produção de petróleo no Brasil saltou de 741 mil para 2,271 milhões
(estamos estagnados desde então). Por volta de 2005, em termos puramente
numéricos, a produção e o consumo se igualaram, motivo que levou o governo a
comemorar a ‘auto-suficiência’.
Do
ponto de vista técnico ou econômico, consumo e produção nunca se encontraram
por aqui. O Brasil ainda hoje continua produzindo óleo pesado e importando óleo
leve, uma vez que nossas refinarias foram construídas em uma época na qual
importar óleo leve do Oriente Médio era muito mais barato e eficiente do que
produzir o óleo pesado existente por aqui.
O
déficit na ‘conta petróleo’ atingiu US$ 20,3 bilhões em 2013, e US$ 5,6 bilhões
em 2015. Na prática, continuamos importando mais do que exportando.
4. O BRASIL FOI O
ÚLTIMO A ENTRAR E O PRIMEIRO A SAIR DA CRISE.
Muito
mais do que o próprio sucesso, o aparente fracasso da economia americana foi a
pá de cal que era preciso para sedimentar a idéia de que “enfim, vencemos”. Nós
estamos certos, pois continuamos crescendo, enquanto os países ricos afundam em
suas crises. Em um misto de anti-americanismo e um revanchismo barato, o Brasil
viveu uma onda de ufanismo das mais curiosas.
Uma
análise da crise de 2008, a crise do ‘subprime’, no mercado imobiliário
americano que se alastrou pelo mundo, mostra que há pouco ou nenhum paralelo
com a maior parte das crises já enfrentadas pelo Brasil. Trata-se da maior
crise do capitalismo desde 1929, e desta vez, nossa economia não sofreu um
abalo tão grande. Em 1930 e 1931, o Brasil registrou pela primeira vez uma
queda de 2 anos seguidos no seu PIB – e isto porque a crise de 1929 fez desabar
os preços do café, nossa commoditie na época. Desta vez, porém, a crise não
impactou nos preços de mercadorias comumente vendidas pelo Brasil, uma vez que
o grande consumidor, a China, continuava a crescer.
A
crise de 2008 foi especificamente uma crise originada pelo sofisticado sistema
financeiro internacional, um clube no qual o Brasil, até o mesmo ano de 2008,
não estava autorizado a participar. Sem o grau de investimento, nossa
participação junto ao sistema financeiro internacional era pouca ou quase nula.
Nenhum banco brasileiro comprou em escala significativa os CDO (obrigações de
crédito colateralizada, traduzida por aqui como “derivativos”). Nenhum banco
brasileiro quebrou ou sofreu grandes prejuízos com a crise.
Para
algumas empresas, porém, a situação foi um pouco diferente. Perdigão e Aracruz
tiveram prejuízos bilionários com os derivativos e tiveram de ser vendidas para
dar origem a outras empresas. Nada muito relevante.
Nossa
pouca participação no epicentro da crise, de fato nos garantiu ser um dos
últimos a entrar. O motivo de termos “saído” em 2010 é a causa mal explicada na
história. Em 2008, demos início à chamada “política dos campeões
nacionais”. Cerca de R$ 450 bilhões foram injetados no BNDES para financiar
grandes obras, e o governo se tornou um personagem mais presente na economia. O
crédito por parte de bancos públicos chegou a 52% do total. E se tudo isso lhe
parece conhecido, é porque provavelmente você já deve ter visto estas medidas
em uma análise do que é a “Nova Matriz Econômica”. A aposta no crédito para
induzir o crescimento na economia nasceu justamente como resposta
“anti-cíclica” à crise. Saímos da crise utilizando capacidade ociosa para gerar
consumo e um aparente clima de crescimento.
O
PIB de 2010, porém, que chegou a 7,2% de crescimento, não tardou a diminuir.
Entre 2011 e 2014, registramos dia após dia uma queda no nível de crescimento,
até chegar a zero em 2014, e então os -3,8% de 2015. Em suma, nós saímos da
crise americana criando a nossa própria crise.
SPOTNIKS
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