JORGE MARANHÃO
Elas sairão de setores que não
sucumbem facilmente aos vícios do sistema e, por isso, poderão reformá-lo de
cabo a rabo
Circula
na internet uma ótima piada sobre o picadeiro em que nossas excelências
transformaram o plenário da Câmara dos Deputados por ocasião da sessão do
impeachment. Até por que estamos acostumados com as tiradas bisonhas de nossos
deputados de baixo clero apenas no varejo de uma ou outra sessão avulsa. Mas
com a totalidade de suas excelências tendo de se manifestar no atacado, em
transmissão ao vivo, sem cortes dos editores de telejornais, pudemos assistir a
um espetáculo realmente estapafúrdio. A piada em questão quantifica os números
da histórica sessão: votos sim: 367; votos não: 137; abstenções: 7; ausentes:
2; esposas lisonjeadas: 203; amantes zangadas: 220; filhos falando "- ai
que mico!": 300; professores de português sofrendo infarto: 124.218.
A
despeito da seriedade da pauta e as consequências para o futuro imediato do
país, é de se perguntar o que uma elite de cidadãos mais conscientes pode fazer
para além de rir. Pois sabemos que a mediocridade da representação política de
uma sociedade não limita o desenvolvimento social e econômico apenas dos menos
afortunados, mas também a possibilidade de sucesso dos mais abastados. E quando
puxamos o debate para o que se pode fazer para incidir nesta decadência de
nossa cultura política, corre o consenso de que o país na verdade sofre
uma crise de liderança. Como se a democracia fosse fatalmente a hegemonia
demagógica da plebe e as elites ilustradas nada pudessem fazer para elevar o
nível da representação política. Pura falácia de quem na verdade quer tirar seu
corpo fora, se julga superior e pensa que pode ser cidadão do mundo só por
criticar sua origem.
Tenho
visto um questionamento entre empresários de quem seria, por exemplo, o “Macri
brasileiro”, pois sempre estamos a pensar na competição besta com los
hermanitos del sur, do tipo Maradona versus Ronaldo Fenômeno. Quando nem de
longe temos experimentado a ascensão de novos políticos nacionais fora dos clãs
de políticos profissionais e seus herdeiros, como os Magalhães, Barbalho, Maia,
Sarney, Covas, Marchezan, Bolsonaro, Piciani, Andrada, Richa, Garotinho, Alves,
Calheiros, Bornhausen e outros. Será mesmo que nosso Macri sairá destes feudos
dinásticos, de pai para filho desde mil novecentos e antigamente? Será a nobre
arte da política passível de transmissão hereditária?
Penso
que não. Tenho convicção que nossas novas lideranças políticas não sairão de
uma velha política, mas sim de uma elite de empreendedores, de profissionais
liberais e de carreiras públicas de estado, que não sucumbem tão facilmente aos
vícios de nosso sistema de representação política. E que por isto mesmo terão a
liberdade de espírito de reformá-lo de cabo a rabo.
Pois
esta grande reforma, mãe de todas as demais, só poderá sair do estado de eterno
debate por representantes de fora do sistema, do chamado mercado, que nada mais
é do que a sociedade produtiva, esta, sim, credora dos maiores avanços
culturais que temos experimentado nos últimos tempos em segmentos tão diversos
como indústria, comércio, serviços, agricultura, academia, medicina,
engenharia, direito, artes e tecnologia. Todos menos exatamente aquele que, por
ser de natureza geral, influencia todos os demais comprometendo seu desempenho:
a baixa cultura política nacional. Como num bom time de futebol que jamais será
composto só de craques goleadores!
Mas como
diz um parlamentar amigo: será que interessam mesmo as reformas para melhorar o
nível dos candidatos para os quadros de nossos viciados políticos
profissionais? Por que não tramitam projetos de lei com exigibilidades mínimas
para candidaturas a cargos eletivos do Legislativo e do Executivo? Pois não tem
sentido que o poder público exija curso superior completo de um ingresso na
carreira militar, policial e de mero gestor do executivo e o mesmo não exija de
governadores, deputados, ministros de contas, prefeitos e secretários. Ou mesmo
por que não são aprovados projetos de leis sobre a introdução dos temas da
cidadania nas escolas, como o mais avançado, que é o PL 4744, de 2012, fruto da
junção de 11 propostas semelhantes do Senado e engavetado há quatro anos na
Câmara?
Enquanto
isto, no campo da sociedade concreta, dos cidadãos eleitores e pagadores de
impostos, não param de surgir jovens com iniciativas criativas exatamente no
campo da inovação política. Citamos apenas quatro deles, novos aplicativos para
controle social de políticos e mandatos, surgidos nos últimos três anos:
1.Colab.ore
- aplicativo que permite aos eleitores avisarem ao poder executivo municipal
sobre problemas do dia a dia das cidades, como obras a serem realizadas,
sinalização deficiente, problemas de mobilidade urbana, seguranças, coleta de
lixo e meio ambiente, dentre outras. Em 2013, venceu o prêmio de melhor
aplicativo urbano do mundo, concedido pelo concurso AppMyCity realizado pela
organização New Cities Foundation:
2.
Legislando - criado pela organização Meu Rio, através da sua Rede Nossas
Cidades. Com o aplicativo, qualquer um pode iniciar, participar do
desenvolvimento ou simplesmente apoiar um projeto de lei. Além de acompanhar a
tramitação de forma descomplicada até sua aprovação final, o aplicativo permite
que qualquer cidadão apresente uma sugestão de projeto de lei a ser adotado e
levado adiante por um parlamentar. Além disso, os próprios parlamentares podem
disponibilizar seus projetos para consulta e sugestões da sociedade:
3. SOS
Eleitor - aplicativo bem semelhante ao Legislando, mas disponível apenas para
acesso via celulares. Está em fase de implantação em Santa Catarina. A ideia é
a de um canal direto com o político para sugerir projetos de lei e indicar
demandas ao executivo, interagir com ele e compartilhar nas redes sociais as
suas ideias e experiências. Cada cidadão eleito tem no aplicativo um perfil com
dados como histórico na política e na profissão, formas de contato, projetos de
lei que apoia e outros:
4. Lista
Negra - lançado esta semana, o aplicativo está ainda em fase de desenvolvimento
e foi criado pelos movimentos Acorda Brasil, Avança Brasil Maçons e Brasil
Melhor. Com ele, é possível monitorar fisicamente onde um político está naquele
momento, de forma que qualquer cidadão que queira apresentar sugestões ou fazer
reclamações possa ir ao seu encontro. O ponto de partida do Lista Negra foi a
divulgação dos deputados que votaram contra o impeachment, de modo que os
cidadãos eleitores possam pressionar seus representantes em outras futuras
votações para conferir se seus votos correspondem a compromissos assumidos:
Para
além deles, vemos surgir uma disposição invejável de jovens tentando suprir a
lacuna de educação cívica e política que o sistema público não oferece.
Como
Bianca Colepicolo da ong Sinapse de São Paulo:
Ou
William Nogueira do Rio de Janeiro, idealizador da Ação Jovem Brasil:
Ou mesmo
o programa de oficinas de cultura de cidadania corporativa aqui da Voz do
Cidadão para quadros gerenciais das empresas que, acreditamos, podem queimar
etapas para a transformação de nossa subcultura política:
Na
verdade, o que não há é visibilidade na grande mídia para estas e tantas outras
centenas de jovens que efetivamente lideram coletivos e iniciativas para uma
nova cultura política que desponta no país, para além dos ambientes
superexpostos e viciados da política profissional, da vida partidária dinástica
e do sindicalismo corporativista. Como diz o jornalista Fernão Lara Mesquita:
“A imprensa poderia dar uma contribuição muito maior ao país se passasse a
trabalhar mais para informar Brasília sobre o que se passa no Brasil do que o
contrário".
Jorge Maranhão
Revista ÉPOCA
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