Thiago Kistenmacher
Devo
confessar, já estive do lado de lá. Conheci o núcleo que faz a máquina da
esquerda funcionar e a forma mais eficaz de manter essa moedora de lógica em
funcionamento é lubrificá-la com metafísica. Luiz Felipe Pondé, em artigo para a Folha, escreveu sobre como essa metafísica
concede salvo-conduto para justificar a corrupção, mas também serve para várias
outras ações. Conforme o autor: “Para esses inteligentes”, ou seja, para os
militantes, “se a corrupção, o crime, a mentira, a violência, forem em nome da
causa, tá valendo.” É realmente assim. Lembro-me das discussões sobre o
fuzilamento dos Romanov pelos bolcheviques e de como a morte das crianças, que
foram fuziladas com seus pais, era justificada sob a alegação de que o
assassinato de todos, sem exceção, era necessário para não haver qualquer
resquício da monarquia. Tudo isso é válido, pois conforme João Pereira Coutinho
“Quando está em causa a perfeição da humanidade, faz parte do processo
revolucionário não questionar a desmesura dos meios e a ferocidade com que eles
são aplicados. O prêmio final é demasiado precioso para inspirar condutas de
moderação.” [1]
Em
consequência desse tipo de delírio, atrocidades foram justificadas e
continuarão a ser. Quando os objetivos impossíveis não são alcançados
exatamente por serem impossíveis, “é necessário encontrar os inimigos – reais
ou imaginários – que ardilosamente corrompem a máquina.” [2] Em outras
palavras, se você quiser aprender a voar pulando de uma varanda, cair e acabar
ferido, troque de varanda, escolha um lugar mais alto, mas continue pulando. É
bem assim que funciona. Ainda que algum raivoso diga que estou mentindo, reafirmo
que é assim que funciona. Não preciso de livro para dizer como a esquerda opera
por dentro. Felizmente – ou não – já estive presente em inúmeras reuniões onde
puritanos políticos, planejando a venda clandestina de jornais “operários”,
organizavam greves e agitações em “setores estratégicos para a revolução.”
Convivi com pessoas já maduras que afirmam ser o paredón uma
ferramenta revolucionária e com pessoas ainda imaturas que concordavam com as
primeiras. Ou ainda mais assustador, as ideias mais relativistas e absurdas que
eram criadas por meninos eram endossadas por senhores.
Lembro-me
de quando conheci Rodrigo Constantino em seu lançamento do livro Privatize
Já, na FNAC da Av. Paulista, já estava bastante livre dos dogmas da
esquerda, haja vista minha presença no lançamento de um livro liberal. Contudo,
como ainda nutria certa simpatia pelo lado de lá, discordamos, ainda que
brevemente, sobre a questão palestina. Era desagradável para mim ter que
aceitar que Yasser Arafat não era um herói.
O Hamas
ou a FPLP – Frente Popular para a Libertação da Palestina – não poderiam
ser considerados simplesmente grupos terroristas, afinal de contas eram
“movimentos de resistência”, tanto que poucos meses depois fui até os
territórios palestinos para ver tudo de perto e acabar saboreando o gás
lacrimogêneo do exército israelense ao lado de semi-jihadistas. Em suma, nunca
é fácil para um religioso pensar que sua fé pode estar errada. Naquele mesmo
dia do lançamento, lembro que, em conversa com Leandro Narloch, presente no
evento, contei a ele que havia estado do lado de lá, e o autor me sugeriu a
ideia de um livro.
Teria
muita coisa para relatar e que, não tenho dúvidas, para muita gente “engajada”
soará como mentiras absurdas, ainda que tenhamos pessoas afirmando tais bizarrices
em pleno século XXI. Mas do que se trata isso? Eis alguns exemplos: piadas são
absolutamente proibidas se envolverem mulheres, homossexuais, negros,
nordestinos, deficientes físicos, pobres e até muçulmanos; o PT era visto como
um partido de direita, contrarrevolucionário e, pasmem, até mesmo reacionário;
militantes afirmavam que, ao conseguirem emprego, agiriam pelas costas do chefe
e, em vez de incentivarem seus pares ao trabalho, diziam ser importante
prejudicar – sim, usavam esse termo – a produção de quem lucrava com a
“mais-valia”; o ciúme era tido como uma questão de construção social e
consequência do capitalismo, já que em um relacionamento, um tomaria o outro
como sua propriedade privada. Enfim, ouvi alguns afirmarem que, como na
sociedade comunista não haveria propriedade, possivelmente também não haveria
ciúmes.
A
esquizofrenia é tanta que talvez acreditem que o ciúme seja fruto da Revolução
Industrial. Talvez o PT seja de direita por não ter construído gulags. A
despeito de essas ideias serem uma piada, lá dentro o humor é censurado. Os
sectários chegam ao ponto se intrometerem no relacionamento do casal e, quando
ocorre uma briga que a mulher julga ser motivada por machismo, o marido, se
militante, é chamado para prestar depoimento no tribunal da inquisição
revolucionária, sendo sancionado com penas que vão desde a interdição de sua
participação na militância até a expulsão do movimento/partido.
Sou réu
confesso. Confesso que já defendi o marxismo-leninismo. Já pensei que com
Trotsky, em vez de Stalin, tudo teria sido diferente na União Soviética. Já
achei que a mais-valia tivesse sentido real. Já acreditei que Fidel Castro
estivesse preocupado com o povo cubano e que Che Guevara não fosse um
psicopata. Já acreditei que Lamarca queria democracia e que Marighella não
queria trocar uma ditadura por outra ainda pior. Em síntese, já estive do lado
de lá.
Existem
centenas de loucuras que poderiam ser aqui narradas, mas não caberia em apenas
um texto. Para expor tudo com detalhes demandaria um livro, e é isso que estou
fazendo. Estou preparando um livro onde reúno todos esses delírios políticos a
luz de outras discussões.
Um
detalhe importante é que não foi a leitura de autores liberais e conservadores
que me convenceu. Quem me convenceu a sair da esquerda foi a própria esquerda.
Ironicamente, a esquerda me levou para a direita. Viver a esquerda foi a matar
a própria esquerda. As leituras só vieram depois de eu já ter percebido que ali
o relógio do bom senso girava ao contrário. A única coisa que ali fazia sentido
é que nada ali fazia sentido. Por fim, mesmo que a esquerda ainda não esteja na
lata de lixo da história mundial, ela já está na lata de lixo da minha história
pessoal.
[1]
COUTINHO, João Pereira. As Ideias Conservadoras – Explicadas a Revolucionário e
Reacionários. São Paulo: Três Estrelas, 2014. p.30.
[2]
COUTINHO, João Pereira. PONDÉ, L.F; ROSENFIELD, D. Por Que Virei à Direita. São
Paulo: Três Estrelas, 2012. p.32.
Thiago Kistenmacher
É
graduando em História pela Universidade Regional de Blumenau e Integrante do
Movimento Brasil Livre Blumenau.
Instituto Liberal
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