Rodrigo da Silva
Imagine
que você é o presidente do país. Encare o que está ao seu redor. Sua vida é
cercada por seguranças que você mal sabe o nome, carros pretos blindados,
tapinha nas costas e um batalhão de gente buscando aproveitar o máximo
possível da sua influência ou sumariamente destruí-lo. Sem meio termo.
Ser
presidente de um país como o nosso não é uma das tarefas mais fáceis do mundo.
Quer dizer, não é como se você fosse um monarca em Liechtenstein ou um primeiro-ministro
na Dinamarca. Encarar diariamente a sua mesinha de reuniões e lidar com todos
aqueles problemas estruturais que a gente está cansado de ver nos noticiários
desde que o mundo é mundo é um desafio e tanto. E o pior, você vive rodeado de
pessoas completamente diferentes de você, que buscam ora apoiá-lo, ora
sabotá-lo, e que não raramente são responsáveis por tropeços monumentais,
sujando o seu nome país afora.
Pense
nas pessoas do outro lado da mesa. Cada uma delas – assessores, secretários, ministros
e políticos do alto escalão da sua base – acredita deter o conhecimento
necessário para ocupar os cargos mais altos possíveis do seu governo. E não
apenas isso. Se você tivesse o poder de abrir mão da sua própria posição e
entregar o seu cargo a qualquer um dos presentes, todos aqueles caras estariam
dispostos a encarar leões com uma faquinha sem ponta numa arena de gladiadores
para alcançar esse objetivo. Sem pensar duas vezes.
E tudo
isso por uma razão muito simples – é na ponta da sua caneta que as coisas
acontecem de verdade. Todos aqueles homens e mulheres naquelas salas fechadas e
é você quem manda no pedaço. Você atravessa as portas e subitamente todos se
levantam. Você pede silêncio e então, bingo, ele aparece como num passe de
mágica. É atrás de você que estão todos aqueles repórteres lá fora, e os
grandes empresários, e os governadores aliados. E há as pessoas. Milhões delas.
Todo mundo sabe quem é você. Gente do sul e do nordeste, gente rica e gente
pobre, gente que nunca leu um livro na vida, gente que escreveu dezenas deles.
Você é o centro das atenções e das decisões do país. E é para a sua cadeira que
todos olham.
E isso
se dá porque, por alguma razão, num certo momento da sua vida, você acreditou
deter o conhecimento suficiente para ser a pessoa certa a ocupar o cargo mais
alto do país. E não apenas isso. Você se responsabilizou em representar o seu
partido e com isso empregar uma multidão de pessoas em ministérios e cargos de
confiança. Agora todas aquelas pessoas dependem que o poder daquela caneta
esteja nas suas mãos, e não em dedos adversários. Em suma: lutar pela sua
posição o torna não apenas importante no grande quadro para milhões de
brasileiros, mas especialmente para o grupo de pessoas que você mais se
identifica – a sua própria turma.
Imagine
que há mais de cem
mil cargos de confiança. 1/4 disso é o crème de la crème, os chamados
cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS), o grande filé que todos
aqueles seus companheiros sonham. A caneta é sua aqui. Em pouco tempo você irá
perceber que lotear todos esses cargos premiando seus filiados é a mesma coisa
que influenciar a distribuição de recursos – ou seja, favorecer aliados ou
regiões que lhe permitiram alcançar aquela cadeira, alimentando não apenas a
sua própria posição enquanto líder de grupo, mas aumentando o poder do seu
partido.
Não é de
se espantar que tanta gente busque carreira na política, não é mesmo? Há uma
imensa vaca gorda na sua frente jorrando leite, sustentada através do dinheiro
de milhões de pessoas. Que um grupo de sujeitos se organize para abocanhar a
maior parte disso tudo, incentivado por seus próprios interesses – como, aliás,
em qualquer outra área de atividade humana – não chega a ser uma grande
surpresa.
Como
alcançar o controle dessa máquina de fazer dinheiro e poder? Através do voto,
num concurso de ideias aberto a milhões de pessoas. Esse é o alicerce da
democracia representativa: você se inscreve numa competição com outros
candidatos em poder de igualdade, prometendo soluções e desconstruindo as
ideias apresentadas por seus competidores, e então torce para que a maioria das
pessoas depositem suas confianças numa foto três por quatro sua numa urna
eletrônica. Todos aqueles caras que formam a
sua base
saem por aí influenciando o resultado final.
Foi
exatamente nesse cenário que a presidente Dilma foi eleita na última grande
corrida à maquina. Com um porém, no entanto: fraudando a lógica do concurso.
Não
existe muito mistério daquilo que se entende como eleição democrática.
Democracia é um regime político onde todos os cidadãos com poder de voto
participam com o mesmo peso na elegibilidade dos candidatos com as melhores
propostas. Acontece que quando um político surge pincelando um retrato torto da
realidade, prometendo soluções impossíveis, ignorando o mundo real, omitindo
informações e maquiando dados oficiais de sua própria gestão, sua eleição se dá
exclusivamente através de um estelionato, um golpe realizado à luz da
democracia, construído para arrebatar milhões de incautos. E nesse cenário tudo
é possível – a eleição abandona a natureza daquilo que é real para abraçar o
mundo da fantasia, e a discussão política vira mera obra de ficção, literatura
fantástica. Uma fraude.
De fato,
como parece inegável nesse momento, não foram as ideias e propostas de Dilma as
responsáveis por elegê-la. Dilma foi eleita graças a uma releitura fraudulenta
da realidade de seu governo e de seus adversários. Em sua propaganda, Aécio era
umfilhinho de papai, machista, que cheirava cocaína, batia na mulher, arriscava retirar direitos sociais, defendia que os jovens estivessem na cadeia ao invés das escolas, ameaçava a democracia, defendia a escravidão, o genocídio da juventude negra e pregava ódio contra os nordestinos. Marina Silva não deixava por
menos – era uma serviçal dos interesses dos banqueiros, tinha desvio de caráter, ameaçava tirar comida da mesa dos
mais pobres e acabar com os programas sociais, era simpática à ditadura militar e cumpria um script que
logo a transformaria numa versão feminina de Fernando Collor.
E não
apenas isso. Para Dilma, que entra para a história como a responsável por
conduzir os piores números de crescimento econômico em toda era republicana, o
país atravessava um grande momento e quem dissesse o contrário praticava o mero
exercício de pessimismo.
Numa entrevista à Valor durante as eleições, a então
candidata dizia que o Brasil iria bombar em 2015 – mesmo que a realidade
apontasse para o caminho contrário.
“É absurda a previsão de que o
Brasil vai explodir em 2015. É um país estável, economicamente forte, uma
economia sólida, um baita agronegócio. O Brasil vai bombar.”
Também
dizia que não aumentaria os impostos, nem a taxa
básica de juros, nem a inflação –
medidas frontalmente desmentidas pouco tempo após o resultado eleitoral. Além
disso, assegurava manter todos os direitos
trabalhistas (“nem que a vaca tussa”), o emprego e a renda. Novas regras no acesso a benefícios
previdenciários, no entanto, adotadas ainda em 2014, aumentariam o tempo de trabalho
para requerer o seguro-desemprego e a pensão por morte. Não bastasse, o Brasil
se tornaria líder em desemprego no mundo (podendo ter quase 1
em cada 5 novos desempregados do planeta em 2017, segundo a
Organização Mundial do Trabalho), e viu a renda média da população despencar 7,4% em
2015, reduzindo o poder de consumo de 9
em cada 10 brasileiros.
Dilma
também prometia ampliar o acesso à saúde e transformar o país numa Pátria
Educadora. Seu governo, porém, não demoraria muito tempo para realizar
cortes bilionários em ambos os setores – apenas em 2015 foram 32%
na saúde e 10%
na educação (e isso pouco a intimida, pelo contrário – nessa semana,
Dilma voltou a acusar Michel Temer de planejar, assim como ela, fazer
cortes nessas pastas). Com o FIES, praticou estelionato eleitoral clássico para
angariar o voto dos mais jovens: cortou o programa pela metade assim que foi eleita.
E
angariar votos omitindo e falsificando informações oficiais, enganando parte
considerável do eleitorado e fraudando a lisura do processo democrático, não
seria o bastante. Dilma foi além: usou a própria máquina pública, monopolizada
em sua campanha, para obter vantagens injustificadas na corrida eleitoral. Foi
isso que acusou o Tribunal de Contas da União, apontando
irregularidades no uso dos Correios, que em 2014 viabilizou a entrega, sem
chancela ou comprovante de postagem, de ao menos 4,8 milhões de santinhos seus. A
presidente também vem sendo sistematicamente acusada de ter praticadocaixa dois, recebendo dinheiro ilegal de empreiteiras para
dar um gás em sua campanha em troca de obras públicas superfaturadas.
Eleita
com 38% dos votos totais, Dilma emplacou seu segundo mandato
presidencial deturpando a lógica do processo democrático: usando da máquina
pública para obter vantagens ilegais sobre seus adversários; praticando caixa
dois de campanha; aumentando em mais de 800% os gastos com propaganda oficial do Minha
Casa, Minha Vida, carro-chefe de sua candidatura, às vésperas da eleição;
denegrindo as acusações da Lava Jato como mero “terrorismo eleitoral”, fingindo que sua administração não
tinha nada a ver com os descasos na Petrobras; mentindo deliberadamente a
respeito do cenário em que o país vivia e sobre os projetos que articulava,
inventando factoides de cunho pessoal e conspiratório para denegrir seus
adversários, tratando toda oposição como mero resultado da maquinação das
elites contra o povo brasileiro e emburrecendo o debate político.
Passados
quase dois anos de sua eleição, sobra pouca coisa de factual e sólida a
respeito de quem se apresentava para receber os votos da população. Dilma é um
resultado do marketing político. Sua figura em campanha e no exercício do poder
são dois seres absolutamente distintos, que se enlaçam apenas na falta de
respeito pela coisa pública. A primeira foi eleita para governar a terra
encantada do nunca. A segunda alcançou o poder rasgando a lógica que rege a
democracia. Ambas cairão de mãos dadas para o esgoto da história.
SPOTNIKS
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