“O
Partido
dos Trabalhadores é uma associação voluntária de cidadãs e cidadãos que
se propõem a lutar por democracia, pluralidade, solidariedade,
transformações
políticas, sociais, institucionais, econômicas, jurídicas e culturais,
destinadas a eliminar a exploração, a dominação, a opressão, a
desigualdade, a
injustiça e a miséria, com o objetivo de construir o socialismo
democrático” (artigo 1º do Estatuto do Partido dos Trabalhadores)
Por Carlos I. S. Azambuja
Seja em que país for, qualquer partido dito socialista ao chegar ao Poder, seja pelo voto, seja através de uma revolução ou golpe de Estado, obrigatoriamente terá de passar por algumas etapas intermediárias até colocar em prática seu programa político. Essas etapas são obrigatoriamente necessárias para entorpecer a resistência cívica e, o mais importante, evitar a possibilidade de quaisquer retrocessos, pois já foi dito que o mais difícil não é tomar o Poder, mas mantê-lo.
Durante essas etapas, o novo governo envolverá seus atos com todas as aparências de legalidade, visando não desafiar a Lei e a Ordem, evitando assim entrar em conflito, antes do tempo, com o Legislativo e o Judiciário. Nesse sentido, cada ato seu, embora cercado por todos os aspectos legais, conterá uma dinâmica interna em direção ao objetivo visado: a construção do socialismo.
No início, esse novo governo mostrar-se-á muito respeitoso. Exibirá um espírito aberto, democrático e conciliador, e tudo fará para a manutenção de um clima pacífico. No entanto, na realidade, já terá iniciado, desde os primeiros momentos, a meticulosa tarefa do desmantelamento sistemático da antiga máquina burocrática, especialmente seus aparatos de Segurança e Inteligência, criando outros. Também irá minando a atividade econômica, debilitando a saúde das empresas privadas e fortalecendo o Estado, tornando-o todo-poderoso, como ocorreu na Nicarágua, nos anos 80, durante o governo sandinista, e ocorre agora na Argentina e Venezuela.
A transformação irá sendo realizada de uma forma comparável à de uma transfusão de sangue. Os vasos sanguíneos continuarão os mesmos, porém o fluido vital que anima todo o corpo vai sendo progressivamente transformado.
Assim, o paciente – o país -, cada manhã, ao despertar, ao olhar-se no espelho, verificará que nada mudou em sua fisionomia. Sou o mesmo de sempre, pensará despreocupadamente. Isso, entretanto, não é verdade. Em seu organismo, em sua vontade e em sua psicologia de corpo social, já estará sendo operada uma metamorfose.
Uma nova substância estará irrigando o cérebro nacional. Pouco a pouco, suas reações irão passando por uma transformação. Hoje em um aspecto e amanhã em outro. Primeiramente, nas questões mais simples e inocentes, e depois em assuntos mais importantes. Sempre, no entanto, com o Estado ganhando espaços e conquistando posições.
Modos de pensar e de reagir tradicionais, que sempre foram considerados corretos e sãos pela coletividade, irão se debilitando. O mecanismo dos valores morais experimentará mudanças e as hierarquias éticas formais sofrerão transformações. Também as listas de prioridades, as ações individuais e coletivas até então aceitas por consenso, sofrerão sutis alterações. No delicado mecanismo do cérebro de cada um e do pensar comum o novo sangue ocasionará sucessivas tomadas de consciência com relação às realidades objetivas. Enfoques distintos daqueles que até então eram julgados imutáveis, a princípio com pequenas alterações, mas progressivamente divorciados da consciência burguesa, não mais causarão estupor à maioria, tradicionalmente despolitizada e distante das sutilezas que envolvem a política.
As novas medidas parecerão aceitáveis e sempre os analistas encontrarão nelas pontos de vista defensáveis, ângulos razoáveis, circunstâncias atenuantes e aspectos positivos.
Aqueles que insistirem em defender a antiga consciência serão tachados de reacionários, neoliberais, infensos à democracia e ao progresso.
Terão cada vez maior envergadura as decisões inauditas que o organismo coletivo começará a aceitar, até o dia em que o paciente nacional será dado como pronto para a intervenção, pois seu cérebro estará completamente lavado e abatidas suas resistências. É chegada, então, a hora da mudança revolucionária das estruturas, da construção do socialismo democrático.
Esta é uma
narrativa de ficção política. Todavia, devemos ter em mente a mutação sofrida
pela revolução cubana, bem como o que ocorreu no Chile durante o governo
Allende, e na Nicarágua, quando governada pela Junta Sandinista, bem como
devemos analisar com frieza os instrumentos que os contrastes existentes em
todos os países, no campo psicossocial, oferecem aosreformadores – como
agora na Argentina e Venezuela -, que sempre dizem falar em nome do povo, da sociedade
civil, da democracia e dos movimentos sociais.
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
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