“Existe uma noção muito difundida,
mas falsa, de que o comunismo e o socialismo são meramente versões seculares e
atualizadas do cristianismo. Como o filósofo russo do Século XIX Vladimir
Soloviev apontou, a diferença é que enquanto Jesus instigava seus seguidores a
abrir mão de seus bens, os socialistas e os comunistas querem dar os bens dos
outros” (livro “Comunismo”, de Richard Pipes, editora Objetiva, 2001).
por Carlos I.S Azambuja
Segundo os cálculos, o comunismo é
responsável por cerca de 100 milhões de mortos. Só na China somam 65
milhões e na União Soviética 20 milhões. A maioria dos chineses foi dizimada
pela fome desencadeada a partir do “Grande Salto para a Frente”, a pior fome da
História, acompanhada de ondas de canibalismo e de campanhas de terror contra
os camponeses acusados de esconder comida.
Na União Soviética, de 1917 a 1953, quando morreu Stalin,
os expurgos, a fome, as deportações em massa e o trabalho forçado nos Gulags causaram
a morte de 20 milhões de pessoas. Somente a fome de 1921-1922 desatada pelo
confisco de alimentos dos camponeses, matou cerca de 5 milhões de pessoas.
Os marxistas-leninistas, considerando sua doutrina uma
ciência, tentaram analisar suas experiências e aprender com seus erros, não
tanto em relação ao objetivo último do movimento, que permaneceu além da
crítica, mas à sua estratégia e táticas. Lênin aprendeu com Marx que para
impedir uma contra-revolução tinha de demolir impiedosa e completamente a
estrutura institucional do capitalismo.
Observando o revisionismo dos sucessores de Stalin,
Mao-Tsetung concluiu que não bastava demolir as instituições. Devia-se mudar o
homem. Mudar o ser humano é, evidentemente, o objetivo último do marxismo. Ou
melhor, criar um homem-novo. Mas Mao decidiu que isso deveria ser realizado sem
demora e empenhou toda a sua vida em concretizar esse objetivo.
Para isso, os comunistas chineses estabeleceram um regime
totalitário modelado minuciosamente segundo o soviético. Mas havia diferenças.
Uma delas era que enquanto a ditadura soviética, herdeira do czarismo, não se
importava muito com o que o povo pensava, contanto que se resignasse e fingisse
acreditar, os comunistas chineses estavam determinados a alcançar uma
conformidade intelectual e espiritual genuína.
Essa aspiração estava enraizada
no confucionismo, que enfatiza a perfeição moral e deseja que os governos se
assentem na virtude moral, ao invés de na mera coerção. Mas foi imediatamente
inspirada pelo medo de Mao de que as mentes de seus súditos fossem remodeladas
de modo que pudessem assimilar completamente as doutrinas de Marx, Lênin e dele
próprio, a China sofreria o mesmo destino da Rússia soviética. Isto é, se
tornaria revisionista e abandonaria a fé verdadeira.
Essas premissas de Mao levaram a experimentos fantásticos,
todos abortados, com grande perda de vidas humanas e prejuízo do bem-estar das
pessoas. Cidadãos chineses, especialmente os intelectuais, suspeitos de
defenderem pensamentos anacrônicos ou subversivos foram submetidos à “reeducação”
sistemática, muitas vezes em campos de concentração, nos quais eram expostos ao
que, apropriadamente, passou a ser chamado de “lavagem cerebral”. Ou seja,
a tortura mental com o propósito de quebrar o espírito.
As mesmas suposições também geraram o “Grande Salto para a
Frente”, projeto lançado em 1958. Inspirado pelo desejo de demonstrar ao mundo
que a China havia encontrado uma maneira melhor e mais rápida de superar o
atraso econômico do que a dos russos, Mao, então, declarou ao mundo que a meta
da China era a de ultrapassar, em cinco anos, a produção britânica de carvão e
aço. Isso seria realizado por mais de meio bilhão de pessoas, arrebanhadas em
24 mil “comunas do povo”. Um exemplo perfeito da disposição de Mao para ignorar
a realidade econômica baseava-se no teorema, explicado no “Pequeno Livro
Vermelho de Mao” que, durante algum tempo, foi o único disponível na
China: “À parte suas outras características, o que mais se destaca sobre os 600
milhões de pessoas da China é serem ‘pobres e vazias’. Talvez isso pareça
ruim, mas, na verdade, é bom. A pobreza dá origem ao desejo de mudança, o
desejo de ação e o desejo de revolução. Em uma folha de papel em branco, sem
nenhuma marca, as letras mais frescas e belas podem ser escritas, os quadros
mais belos e frescos podem ser pintados”.
Isso foi dito de uma nação que tinha atrás de si milhares
de anos na condição de Estado.
Um slogan do “Grande Salto para a Frente” prometia
solenemente: “Ensinaremos o sol e a lua a trocarem de lugar, criaremos um novo
paraíso e uma nova terra para o homem”. Portanto, o marxismo, que para seus
fundadores era uma doutrina estritamente materialista, nas mãos de Mao-Tsetung,
que se proclamou marxista, transformou-se em um idealismo utópico que
subordinava a realidade à vontade humana.
O “Grande Salto” provocou tamanho caos econômico que teve
de ser abandonado. O custo em vidas humanas foi desconcertante. A fome mais
mortífera da História da humanidade sacrificou então 43 milhões de vidas num
período de escassez de alimentos que o mundo exterior não teve conhecimento.
Mas o fracasso não desencorajou Mao e sua megalomania atingiu dimensões
desumanas. Sentindo-se cada vez mais isolado de seu próprio partido, em 1966
lançou mais uma campanha bizarra, dessa vez dirigida contra intelectuais e
funcionários do partido que, ele temia, levariam a China pelo mesmo caminho
traiçoeiro que a União Soviética havia percorrido. Essa cruzada recrutou jovens
urbanos para aGuarda Vermelha a fim de realizarem o que oficialmente foi
rotulado de Grande Revolução Cultural. Foi um acontecimento sem
precedentes que levou a vida cultural do país à estagnação. Por dez anos – a
partir de 1966 até 1976, quando morreu Mao - a China, uma das civilizações mais
antigas do mundo, foi devastada por hordas de bárbaros que haviam sido
ensinados a considerar tudo o que estava acima de sua compreensão como apto à
destruição.
Em seu auge, todas as escolas foram fechadas e nenhum livro ficou
disponível, exceto compêndios e obras de Mao. A Guarda Vermelha atacou
intelectuais e obrigou-os a se humilharem publicamente, torturaram e mataram
muitos deles. Milhares de funcionários do partido sofreram tratamento semelhante.
Em 1966, Mao lançou a Revolução Cultural. Tratava-se
de reduzir a pó os vestígios do passado, de eliminar tudo quanto falasse da
alma espiritual ou evocasse a beleza. Os cenários e guarda-roupas da Ópera de
Pequim foram queimados. Tentou-se demolir a Grande Muralha e os tijolos
arrancados serviram para construir chiqueiros! Era proibido possuir gatos, aves
ou flores!
A Revolução Cultural postulava a “ruptura
com as idéias e tradições de milênios, arrancando pela raiz a velha ideologia,
a antiga cultura, os ancestrais usos e costumes criados por todas as classes de
exploradores dos últimos séculos e criar entre as massas uma cultura totalmente
nova para os usos e costumes do proletariado”.
À palavra intelectual acrescentava-se sempre o
qualificativo fedorento.
Os professores deviam desfilar por ruas e praças em
posições grotescas, latindo como cães, usando orelhas de burro, se
auto-denunciando como inimigos de classe. Alguns, sobretudo diretores
de colégios, foram mortos. Templos, bibliotecas, museus, pinturas, porcelanas,
viraram cacos ou cinzas. A Revolução Cultural foi uma campanha para a
implantação dos “valores culturais socialistas”. Para Mao, o marxismo-leninismo
deveria adaptar-se à cultura do povo chinês.
Fábricas e universidades foram fechadas a fim de combater
osdesvios burgueses e a ideologia fascista da hierarquia do saber. Nas
escolas que permaneceram abertas foram abolidas provas e exames, tidos como típicos
exemplos da competitividade burguesa.
Os mortos são calculados entre 400 mil a 1 milhão e os
encarceramentos em torno de 4 milhões: uma alucinanteninharia, se
comparada aos massacres do “Grande Salto para a Frente”! Apesar disso, a Revolução
Cultural serviu como fonte de inspiração para algumas revoluções como, por
exemplo, a do Camboja e foi, e ainda é, utilizada como modelo por organizações
terroristas, como o Sendero Luminoso, no Peru.
Chiang-Ching, mulher de Mao, e mais três fanáticos (Yao
Wenyuan, Zhang Chunquiao e Wang Hongwen), grupo que ficou conhecido como o “Bando
dos Quatro”, quase arruinou a nação.
Época vergonhosa em que matilhas de
imberbes, fanatizados pela leitura das citações selecionados por Lin-Piao do Livrinho
Vermelho do kamarada Mao, tomaram de assalto as ruas ocupando escolas,
fábricas e repartições públicas, dando caça àqueles que consideravam contra-revolucionários.
A milenar cultura chinesa esteve ameaçada por essas hordas de ultra-radicais
insuflados pela madame Ching, uma atriz, terceira mulher de Mao-Tsetung.
A lava humana, formada por milhares de jovens enlouquecidos, marchando ao som de cornetas e tambores, embalados por cantorias revolucionárias, queimava tudo à sua passagem. Personagens consagrados do mundo das letras, da educação, da cultura, das ciências e das artes, denunciados comodireitistas conciliadores, foram submetidos a rituais públicos humilhantes, indignos, bestiais.
Arrastados pelas ruas, com cartazes infamantes pendurados
no peito, parecendo os sacrificados dos tempos da Santa Inquisição, as vítimas
dos Guardas Vermelhos foram socadas e chutadas pelas turbas
vociferantes, furiosas. Milhares foram linchados, outros foram afogados em
massa em Xangai. Nem mesmo alguns membros da alta hierarquia do partido
comunista, considerados dúbios, foram poupados.
Esse frenesi anti-intelectual só cessou com a morte de
Mao, em 1976.
Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
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