Por Carlos I. S. Azambuja
Embora os atuais dirigentes chineses
afirmem que a Revolução Cultural foi um dos piores erros de Mao, o
sistema amarelo de campos de concentração foi (e continua sendo) o maior do
mundo. Até meados dos anos 80, mais de 50 milhões de infelizes passaram por
ele. A média de ingresso nesse sistema é de 1 a 2 milhões de pessoas por ano e
a população carcerária atinge, em média, a cifra de 5 milhões. Os
presos-escravos vivem psiquicamente infantilizados, num sistema de autocríticas
e delações mútuas. Esses cárceres, disfarçados emUnidades Industriais do Estado,
desempenham até hoje importante papel nas exportações chinesas. Pense nisso o
leitor quando lhe oferecerem um produto chinês a preço ínfimo.
Impressionante é que não foram poucos os
intelectuais ocidentais que simpatizaram com as barbaridades de Mao e que
buscaram a sabedoria em seus escritos insípidos.
Isso, no entanto, cedo ou tarde iria trazer
conseqüências. Agora, em janeiro de 2005, matéria divulgada pelo jornal “Beijing
Morning Post”, transcrita pelo “O Globo” de 4 de janeiro, nos dá conta de
uma pesquisa realizada pela Universidade Normal de Pequim indicou que 70% dos
adolescentes da China odeiam seu país e não suportam a pressão por maior
competitividade. Segundo o estudo realizado com 3 mil estudantes secundaristas
de Pequim, 6,6% têm medo de seus pais, 13% os detestam e 58,3% os odeiam. É
esse o homem-novo criado por Mao-Tsetung.
Desde que em 2004 o presidente Hu Jintao
assumiu o controle total do poder na China, o Departamento de Propaganda do
Partido Comunista Chinês vem aumentando a monitoração do que é dito e exibido
não apenas na Internet (agora, as empresas são obrigadas a manter um arquivo,
por tempo indeterminado, de todo o conteúdo das mensagens enviadas pelos
assinantes, bem como mantê-lo disponível para consulta governamental),
celulares, no rádio, na TV, em quadros de avisos de universidades, em
manifestações populares, e – pasmem – também na imprensa estatal.
O Ministério da Segurança Pública definiu
também um novo tipo de crime, que chama de “contradições em meio à população”.
“Contradições” é a palavra usada pelo governo para se referir aos distúrbios
sociais cada vez mais freqüentes no país. Como escreveu Olavo de Carvalho em um
recente artigo, durante o ano de 2005 eclodiram na China 87 mil rebeliões
protestos (“contradições”) e nenhum deles foi noticiado pela mídia nacional, ao
passo que qualquer passeata anti-Bush em Nova York ou na Califórnia é alardeada
como sinal de queda iminente do “império americano”.
E para que esse homem-novo não
envelheça, o diretor de Publicidade do Comitê Central do Partido Comunista
Chinês proibiu no ano passado a circulação de 79 jornais e 169 revistas, como
parte de uma campanha parapurificar o mercado cultural. O pretexto para
essas medidas stalinistas foi a luta contra a pornografia e a pirataria. E
os expurgos não cessaram: recentemente, Li Datong, editor do popular “Bingdian
Weekly”,suplemento semanal que circula há 11 anos com o jornal “China Youth
Daily”, foi demitido e o suplemento fechado, por ter publicado um artigo de um
professor chinês criticando a abordagem dos livros didáticos sobre a História
da China.
De forma surpreendente, no entanto, ocorreu
uma reação. Conforme informam as agências internacionais de notícias, um grupo
composto por veteranos integrantes do partido, acadêmicos e ex-editores dos
maiores jornais do país, divulgaram uma carta-aberta à população condenando a
decisão do governo de ter fechado o suplemento “Bingdian”. Eles consideram que
o fechamento do “Bingdian” não é um caso individual, mas “a continuação de práticas
de uma administração maligna”, e concluem: “Somos todos antigos revolucionários
inspirados por nosso senso de liberdade, apesar de já estarmos envelhecendo
(...) mas, revendo as lições que aprendemos nos últimos 70 anos, sabemos que,
uma vez perdida a liberdade de expressão, as autoridades só conseguem ouvir uma
só voz”.
Recentemente, o escritor francês Guy
Sorman, que passou todo o ano de 2005 percorrendo a “China de baixo”, ou seja,
aquela das províncias e das aldeias onde vive cerca de 80% da população,
constatou que os chineses não têm nenhum direito: nada de propriedade privada,
nada de liberdade de expressão. Eles são oprimidos pelos chefetes do Partido
Comunista e escapar dessa miséria é quase impossível, pois as antigas redes de
solidariedade, a família, os templos foram aniquilados pelas revoluções. Para
as crianças o futuro é desesperador; as escolas são miseráveis e custam caro
aos pais. Resta o êxodo: 200 milhões de chineses vagam de um canteiro de obras
para outro, o desemprego atinge 20% da população e as doenças estão por toda
parte – aids, malária, tuberculose. E não há rede de saúde pública. A saúde é
sempre paga (livro “O Ano do Galo, Chineses e Rebeldes”, editora Fayard,
Paris).
Tudo isso demonstra, como afirmou Stéphane
Courtois, um ex-maoísta convertido em crítico feroz do socialismo real,
organizador do “Livro Negro do Comunismo”, que o crime é intrínseco à doutrina
científica e não apenas um instrumento de Estado ou um desvio
stalinista de uma ideologia de princípios humanitários. A escritora
chinesa Jang Chung, autora de uma devastadora biografia de Mao, termina o livro
com a melancólica observação de que o retrato do tirano continua pendurado na
Praça da Paz Celestial, em Pequim.
Um telegrama da BBC, de 20 de abril de
2006, dá conta de que a China executou oficialmente 1.770 prisioneiros no ano
passado, o equivalente a mais de 80% das aplicações da pena de morte realizadas
em todo o mundo no ano passado, de acordo com um relatório divulgado nesse
mesmo dia 20 pela Anistia Internacional.
Para se ter uma idéia, apesar da China ter
oficialmente executado 1.770 prisioneiros, o relatório da Anistia Internacional
diz que segundo um perito chinês esse número estaria por volta de 8.000
execuções. Considerando que uma pessoa pode ser condenada à pena de morte na
China por 68 delitos diferentes, incluindo crimes não-violentos como sonegação
de impostos, enriquecimento ilícito e tráfico de drogas, esse número pode ser
considerado possivelmente verdadeiro.
Finalmente, cliquem em http://falunhr.org/te/para
terem uma idéia da situação atual dos direitos humanos na China.
No entanto, parece que o mundo está
interessado não nos 65 milhões de vítimas do regime que se apoderou da China em
1949 e nos campos de concentração atuais, onde são retirados e vendidos órgãos
de pessoas presas ainda vivas! Isso não interessa. O que interessa são as...
taxas de câmbio, como demonstra o Comunicado divulgado dia 21 de abril de 2006
pelo G-7. Segundo o Comunicado, é desejável que a China tenha “maior
flexibilidade na taxa de câmbio, a fim de que os ajustes necessários
ocorram...”. As miseráveis vítimas foram solenemente ignoradas pelos
ilustres representantes da França, Alemanha, Canadá, EUA, Itália, Japão e Reino
Unido, os sete países mais desenvolvidos.
Carlos I. S.
Azambuja é Historiador.
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