Vicente Nunes
No mesmo
dia em que o governo provisório de Michel Temer cedeu às pressões e suspendeu,
até o fim do ano, o pagamento de parcelas de dívidas pelos estados, a empresa
de telefonia Oi decretou a maior recuperação judicial da história, com dívidas
declaradas de R$ 65,4 bilhões. Os dois casos simbolizam o fracasso de políticas
erradas do poder público.
Nos
últimos anos, os estados não se intimidaram em ampliar os gastos e as dívidas,
mesmo com as receitas em queda. Com o aval da União, governadores de todas as
ideologias se empanturraram de financiamentos com bancos e no exterior, sob a
alegação de que poderiam ampliar os investimentos e, por tabela, impulsionar o
crescimento econômico do país.
O
discurso da agora presidente afastada, Dilma Rousseff, para incentivar a
gastança, era de que os estados seriam parceiros fundamentais do governo
federal para gerar empregos e renda. O que se viu, porém, foi o inchaço da
máquina pública. Em vez de obras para melhorar a infraestrutura, houve
contratação de funcionários públicos. Em vez de incremento da atividade
econômica e de melhoria dos serviços públicos, prevaleceu a ineficiência.
Ao abrir
a porteira para os estados, Temer sancionou a má gestão. Não fez isso como um
gesto de nobreza, mas de olho no apoio político para se consolidar no poder com
a aprovação em definitivo do impeachment de Dilma. O peemedebista conta, agora,
com a força dos governadores para aglutinar os votos necessários que lhe
garantirão o mandato até o fim de 2018. A fatura, como se sabe, recairá sobre
os consumidores, já que a União terá que fazer mais dívidas para cobrir as
receitas que deixará de receber com a suspensão das parcelas das dívidas.
Megalomania
A Oi
nasceu da megalomania do ex-presidente Lula de criar uma supertele nacional. Para
isso, ele não se intimidou em mudar a Lei Geral de Telecomunicações, que
permitiu a fusão da Telemar com a Brasil Telecom. Travestido de um discurso
nacionalista, que seduziu muita gente, o petista botou em ação as instituições
financeiras públicas, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, para financiar a
operação. Agora, os três bancos entrarão em uma fila de credores e, quem sabe
um dia, poderão ver a cor do dinheiro — algo como R$ 12 bilhões.
Desde o
início, a fusão que resultou na Oi indicou que seria um fracasso. Tanto que, em
2010, o governo Lula começou a se movimentar para permitir o ingresso de um
novo sócio na empresa, a Portugal Telecom. A justificativa era de que, com os
portugueses na gestão, a companhia decolaria. O tempo mostrou, mais uma vez,
que a intervenção do Estado resultaria em um péssimo negócio. A Oi continuou
afundando em dívidas e em negócios de péssima qualidade. Pior, foi engolfada
por denúncias de corrupção.
Descobriu-se
que, antes da fusão com a Brasil Telecom, a Telemar havia investido R$ 5,2
milhões na Gamecorp, empresa controlada por Lulinha, o filho mais velho de
Lula. Mais adiante, tornaram-se públicas investigações em Portugal de
irregularidades na entrada dos portugueses na Oi, que levaram à prisão do
ex-primeiro ministro daquele país, José Sócrates. A empresa se transformou em
um mar de desconfiança. As sucessivas trocas de gestores não conseguiram
superar a incapacidade da companhia de se reinventar e de prestar bons
serviços. A recuperação judicial da Oi é mais um emblema das escolhas erradas
do país.
Prejuízo socializado
Não se
sabe se a Oi terá salvação. Da mesma forma que os credores não se entenderam no
processo de renegociação das dívidas, pode fracassar o acordo para a
recuperação judicial. No caso dos estados, a União terá que ser muito rigorosa
e exigir contrapartidas para que a suspensão do pagamento de dívidas — os
benefícios vão se estender até o fim de 2017 — realmente permita a reorganização
das finanças e os governadores primem pela boa gestão. Não custa lembrar que
vários deles vão tentar a reeleição e a tentação para aumentar as despesas será
grande.
Hoje,
infelizmente, é impossível dizer que os estados se recuperarão, pois se
acostumaram demais com a farra de gastos. Especialista em contas públicas,
Fábio Klein, da Tendências Consultoria, diz que, de 2010 a 2015, o
endividamento dessas esferas de governo cresceu muito mais que as receitas,
sobretudo naquelas mais problemáticas. No Rio de Janeiro, no ano passado, o
endividamento aumentou 30% e as receitas correntes líquidas, 15%. No Rio Grande
do Sul, em igual período, os débitos saltaram quase 26% e a arrecadação,
aproximadamente 14%. É um quadro insustentável.
Klein
chama a atenção para a leniência que prevaleceu até agora com os estados. Em
vários deles, desrespeitou-se os limites previstos na Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF) para os gastos com pessoal, de 60% da receita corrente líquida.
Isso deveria resultar em punições sérias, mas nada se viu até agora. No Rio
Grande do Sul, a dívida supera, há anos, o teto previsto em lei de duas vezes a
receita corrente líquida. Também nenhum gestor pagou por isso.
É
difícil para a população entender a situação de calamidade a que os estados
chegaram e como uma empresa que teve toda a proteção do governo, ao ser eleita
campeã nacional, está à beira da falência. Mas a explicação é simples: gastos
excessivos e péssima administração. A incredulidade, porém, tende a se transformar
em indignação. Boa parte do processo de salvação que está em curso, tanto de
governadores quanto da empresa de telefonia, recairá no colo dos contribuintes.
Não há escapatória. A Viúva sempre é chamada para socializar o prejuízo.
Coluna no Correio/Blog do Vicente
Correio
Brasiliense
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