Fernão Lara Mesquita
Como uma
trovoada distante o aumento de R$ 59 bi do funcionalismo relampejou no céu do “jornalismo
de acesso” e logo se apagou quase sem ruído. Não se sobrepôs sequer à “propina”
do dia esse prêmio aos culpados que aumentou em 1/3 a pena de quase 200 milhões
de inocentes. Lindbergh Farias, Fernando Collor, Vanessa Graziotin, Eduardo
Cunha e sua gangue, Jandira Feghali, Sérgio Machado, todos suspenderam por um
minuto as hostilidades para apertar juntos o “sim“. E o “dream team” engoliu
com casca e tudo essa terça parte do maior déficit de todos os tempos na
largada da missão impossível para deter a mais desenfreada corrida de volta à
miséria da história deste país. Tudo tão discreto que a manobra mal foi
percebida na fila de seis meses de espera pelo exame de câncer do SUS, que é
onde se “zera” esse tipo de fatura.
Quantos
serão, dentre os 11,1 milhões de funcionários que comem 45% do PIB, aqueles que
Ricardo Paes de Barros afirma que pesam o bastante para distorcer a média
nacional de desigualdade de renda? Quanto custam os “auxílios” todos que o
Imposto de Renda lhes perdoa? E os “comissionados” que mais que dobraram o
gasto público sem que mudasse um milímetro a quase miséria dos médicos e
professores concursados? Como vivem os aposentados e pensionistas sem cabelos
brancos que, 900
mil apenas, pesam mais que os outros 32 milhões que pagaram Previdência
a vida inteira somados?
Quanto,
afinal de contas, o Brasil com “lobby” suga do Brasil sem “lobby”? A esta
altura do desastre todo debate que se desvia dessa pergunta é enganação; toda
pauta que não se oriente por essa baliza da desigualdade perante a lei é uma
traição aos miseráveis do Brasil.
O mais é
circo. Eduardo Cunha e o PT nos provam, acinte por acinte, o quão livre e
indefinidamente se pode escarnecer da lei neste país desde que se esteja
posicionado na altura certa da hierarquia corporativista. Variam as razões
alegadas para se locupletar mas ninguém nega que é disso mesmo que se trata.
São meses, são anos – são séculos, considerado o Sistema desde o nascimento –
desse joguinho de sinuca silogística invocando pedaços de fatos para negar os
fatos, meias verdades para servir à mentira, cacos de leis para legalizar o
crime e o país inteiro esperando pra ver o que vai sobrar.
O jogo é
esse porque nós o aceitamos. Não faz muito o Instituto Brasileiro de
Planejamento e Tributação fez a compilação: até 2014, já tinham sido editadas 4.960.610 leis e variações de leis
para enquadrar nossa vida do berço ao túmulo desde que a Constituição foi promulgada em 1988. 522 a cada 24 horas destes 27
anos. 320.343 eram normas tributárias, 46 novas a cada dia útil!
É esse o
truque: quem pode estar em dia com tudo isso no país onde a única função
discernível do aparato legal é tornar impossível cumpri-lo?
Não
fazer sentido é o elemento essencial do Sistema. Daí a palavrosidade ôca valer
mais que os fatos nos nossos plenários e nos nossos tribunais. Se houvesse um
meio racional de escapar, uma forma segura de se prevenir, uma regra que
pudesse ser cumprida perdia-se o caráter de onipotência da autoridade
constituída. Tem de ser irracional. Tem de ser impossível escapar deste “vale
de lágrimas” a não ser pela unção dos “excelentes” com ou sem batina, ou toda
essa indústria se esboroa. É ao que sempre estivemos acostumados…
Esboça-se
uma resistência mas ela é isolada. Só vai até onde pode ir o pedacinho são da
1º Instância do Judiciário. E quem mais a saúda é quem mais a apunhala. Até
agora, nem de leve foi arranhada a isenção a essa condição de permanente
exposição à chantagem em que vivemos para os que a desfrutam por pertencer a
corporações privilegiadas. A “lista de Teori” continua trancada e secreta.
Foram afastados, sujeitos a confirmação, os que destruiram a obra de toda uma
geração, mas não por isso; porque ficou claro que sua permanência implicaria a
morte da galinha-dos-ovos-de-ouro. Mesmo assim, vultos sinistros nadam por
baixo da decisão final do Senado. Só quem desafia a hierarquia do Sistema está
sob ameaça real de remoção. Até Teori é objeto de chantagem. Mas o Sistema
mesmo nunca esteve em causa.
Os “grandes
empresários“? Estes jamais estiveram realmente isentos. “Culpados” por
definição como somos todos e eles mais que os que jogaram menos, são os “hereges”
da vez. Festeje-se com realismo, portanto. Nesse nosso modelo lusitano o
Tesouro Real sempre saiu dos seus apertos com grandes Autos-de-Fé em que
re-devora as “nobrezas” que fabrica.
“Eles”,
os “nós” dos comícios do Lula, estes sim, continuam sem crise como sempre. São
regidos por leis e julgados por tribunais que só valem para eles. Têm regimes
de trabalho, remuneração e aposentadorias só seus. Entram no seu bolso a
qualquer hora e sem pedir licença.
Dessa
casta fazem parte réus e juízes da presente refrega. Desde que a corte de d.
João VI desembarcou no Rio de Janeiro chutando os brasileiros para fora de suas
casas seguem, todos, deitados no berço esplêndido da indemissibilidade para
todo o sempre que se auto-outorgaram, tão “blindados” que já nem uns conseguem
expulsar os outros quando a disputa pelos nossos ossos os leva a considerar
exceções à sua regra de ouro. Reagem com fúria se alguém tenta devassar-lhes os
segredos, vide Gazeta do Povo x Judiciário; Estadão x
Sarney.
O “ajuste”
começa pelo ajuste do foco. Por mais heróico que seja o esforço não se porá o
país na reta correndo atras de tudo que essa máquina de entortar fabrica em
série. Deixada como está, fará do herói de hoje o bandido de amanhã, sejam
quantas forem as voltas no mesmo círculo. É preciso rever a conta que está aí
pela ótica da igualdade perante a lei e, a partir daí, inverter, de negativo
para positivo, o vetor primário das forças que atuam sobre o Sistema. O voto
distrital com “recall” acaba com essa indemissibilidade e, com isso, põe o
poder nas mãos do povo. Daí por diante tudo passa a ser feito pelo povo para o
povo.
Aí sim,
funciona.
VESPEIRO
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