Vladimir Bernik
A
hipnose médica (ou hipnoterapia) continua sendo um dos métodos terapêuticos
mais controvertidos em Psiquiatria. Ela foi recebida com reservas, depois que
recebeu críticas indevidas de Sigmund Freud, o pai da psicanálise. Mas, voltou
com força redobrada após a Segunda Guerra Mundial, tendo sido apoiada como um
método válido pelas principais entidades médicas internacionais.
No
Brasil, a hipnose passou também por um processo de séria descrença, por ter
sido muitas vezes utilizada em palco, por pessoas não qualificadas medicamente,
e tendo até mesmo causado prejuízos para as "cobaias" humanas assim
utilizadas. Felizmente, seu uso fora do ambiente médico foi proibido por um
decreto presidencial na década de 60.
Atualmente,
a hipnose é reconhecida como um tipo de tratamento adequado para certos quadros
psiquiatricos, e até mesmo como um método de valor para aumentar a resistência
imunológica de pacientes, aumentando o nível de células brancas (leucócitos)
responsáveis pela defesa do nosso organismo contra as doenças. Por esse motivo,
tem sido muito utilizada na terapia da AIDS, pois parece ser o método que mais
rapidamente altera a psicoimunologia dos pacientes (alteração do sistema imune
através da psique).
A
hipnose geralmente não é um tratamento em si. Os diferentes métodos
terapêuticos usados pela psiquiatria podem ser realizados melhor e mais
rapidamente com a sua ajuda. Uma de suas vantagens é reduzir o tempo de
tratamento de um distúrbio mental.
É um dos
tratamentos utilizados para:
tirar alguns sintomas de certas
doenças mentais, como ansiedade;
reduzir o estresse; tratar traumas
psicológicos quando sua causa é pouco relevante;
tratar medos (fobias), como medo do
escuro; auxiliar o tratamento de alívio de dores crônicas, como na artrite, na
dor provocada por tumores, etc.
A
hipnose também é muito utilizada no tratamento de doenças psicossomáticas (por
exemplo, úlceras de fundo nervoso), sendo um dos métodos que obtem resultados
mais breves e eficientes.
Uma
grande vantagem na hipnose é que, ao contrário do que a ficção muitas vezes
retrata, ela não tem poder para alterar os valores éticos e morais do paciente.
É um dos tratamentos mais sérios em Psiquiatria, e o seu código de ética
internacional é um dos mais rigorosos da Medicina. É isenta de perigo, sendo
totalmente segura quando controlada pelo médico.
O que é a hipnose ?
A
hipnose utiliza a técnica de indução do transe, que é um estado de relaxamento
semi-consciente, mas com manutenção do contato sensorial do paciente com o
ambiente.
O transe
é induzido de modo gradual e por etapas, através da fadiga sensorial, que
geralmente é provocada pelo terapeuta usando a voz, de forma calma, monótona,
rítmica e persistente. Quando o transe se instala, a sugestibilidade do
paciente é aumentada; o que requer um elevado nível ético do médico. A hipnose
leva então à várias alterações da percepção sensorial, das funções intelectuais
superiores, exacerbação da memória (hiperamnésia), da atenção e das funções
motoras. Estabelece-se um estado de alteração de estado da consciência, um tipo
de estado que simula o sono, mas não o é (a pessoa não "dorme" na
hipnose): o eletroencefalograma (EEG) do paciente sob hipnose é de vigília, e
não de sono.
Não se
conhece ainda completamente como a hipnose altera as funções cerebrais. Uma das
teorias atuais é que ela afetaria os mecanismos da atenção, em uma parte do
cérebro chamada substância reticular ascendente (SRA), localizada na sua parte
mais basal (tronco cerebral). Essa área, que também tem muitas funções
relacionadas ao sono, ao estado de alerta, e à percepcão sensorial,
"bombardeia" o cérebro continuamente com estímulos provenientes dos
órgãos dos sentidos, provocando excitação geral. A inibição da SRA leva aos
estados de sonolência e "desligamento" sensorial.
E a
sensibilidade à hipnose, é geral ? Sim. Cerca de 90% das pessoas é hipnotizável
pelo menos a nível das necessidades de terapêutica médica; alguns podem não
sê-lo para etapas mais profundas, como de pesquisa pura. Esses 90% têm graus
diferentes de sensibilidade: todos eles podem ser colocados sob hipnose, mas
isso depende do médico, que tem que realizar um esforço maior ou menor em seu
trabalho. E os outros 10% ?
Bem,
como a hipnose depende do estímulo da palavra (débil, rítmica,
monótona
e persistente), só não entrarão na hipnose os surdos e os totalmente inaptos a
compreender a essência mínima do que lhes esteja sendo dito.
Hipnose na Psiquiatria
Entidades
como Associação Médica Britânica, Associação Médica Americana, Associação
Médica Canadense e Associação Americana de Psiquiatria reconheceram a força da
hipnose como modo de diagnóstico e tratamento de problemas específicos em
Psiquiatria. Assim, pesquisadores e serviços universitários organizaram-se no
estudo mais profundo de seus fenômenos e na utilidade a ser dada às suas
técnicas peculiares de diagnóstico e de terapêutica. Fundou-se uma sociedade
internacional, que edita até hoje uma revista de elevado padrão científico
visando à difusão de conhecimentos. Nos diferentes países, surgiram entidades
nacionais, filiando-se à Sociedade Internacional. Para o estudioso da hipnose,
a cada dia e a cada descoberta, ela é um mundo novo que se abre, no sentido de
somar novos elementos à neurociência, da pesquisa ao diagnóstico e ao
tratamento.
No
entanto, ainda assim não ganhou a total credibilidade dos médicos, uma vez que
é pouco disseminado o embasamento neurocientífico da hipnose.
Indicações da Hipnose
A
hipnose tem muitas indicações específicas em Psicologia, Psiquiatria e em
Medicina Geral.
Tirar a
dor é uma das suas indicações básicas. Na verdade, como não se pode mentir ao
paciente sob hipnose, a sugestão não é a de que a dor deixou de existir, mas
que ela se vai transformando progressivamente numa sensação tolerável de
formigamento ou de calor.
Outra
área de aplicação da hipnose médica, com bons resultados, ocorre no controle
das doenças psicossomáticas, tais como a asma, o colon irritável, e os
problemas psicodermatológicos (como eczemas).
O
controle dos impulsos é outra excelente área de atuação para a hipnoterapia.
Ela se revelou de grande valor para o tratamento de distúrbios das condutas
dependentes do controle de impulsos, tais como:
as alterações de comportamento
alimentar (obesidade, anorexia e bulimia);
os impulsos inibidos ou exacerbados
da sexualidade e a correção de suas disfunções em todas as faixas etárias;
o controle do impulso do jogo;
as diferentes dependências químicas,
do alcool ao "crack", passando pelo fumo.
A
hipnose também tem valor quando usada para complementar outras formas de
psicoterapia, tais como no tratamento dos medos fóbicos, no domínio sobre os
instantes de desencadeamento da doença do pânico, no controle da ansiedade e
dos componentes emocionais da depressão, no controle do impulso suicida e
reativação dos valores da vida, etc. Em muitos desses casos, ela é acompanhada
também do uso de medicamentos apropriados (como antidepressivos).
Hipnose e Pseudo-Ciência
A
aproximação da "New Age" e a incrível capacidade do paciente
apresentar fenômenos de hipermnésia (exacerbação da memória) levou a uma maior
exploração das técnicas de regressão às fases infantis e de adolescência, para
instigar terapeutas pouco conscientes a buscar regressões fantásticas a outras
dimensões, vida fetal e até...outras vidas, jogando esta séria técnica médica
ao limbo do esoterismo. Pessoas até vivem e "revivem" outras vidas.
Esqueceram-se os pseudo-terapeutas, que, entre as incríveis propriedades desta
técnica, existe a deliriogênica, capaz de transformar fantasias latentes do
paciente e bem-elaborados delírios de autoreferência.
O único
perigo da hipnose, de fato, é o seu mau uso: querer "navegar" por
outras vidas, formar delírios e neles acreditar. Tornar a difícil vida de hoje
em um inferno pior ou, no mínimo, ingenuamente mergulhar numa fantasia irreal,
sem chance de retorno. Abrir para si mesmo, com a ajuda de um profissional
aético, as portas da percepção de uma psicose de difícil controle.
Para saber mais:
Auto-treinamento da hipnose (pela
Sociedade de Hipnose Médica de São Paulo)
Veja uma lista (em inglês) de
recursos na Internet sobre hipnoterapia
Vladimir Bernik, MD.
foi
professor regente de Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas de Santos
(até 1995) e presidente da Sociedade de Hipnose Médica de São Paulo e
vice-presidente da Sociedade Brasileira de Hipnose Médica. É Organizador da
primeira diretoria do comitê de Psicoterapias Clínicas (em formação) do
Departamento de Psiquiatria da Associação Paulista de medicina. Editor e
editor associado da Revista Paulista de Medicina da APM. Editor e presidente do
Conselho Editorial da Revista Brasileira de Clínica e Terapêutica e editor da
edição Psiquiatria da Revista Brasileira de Medicina.
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