MARCOS FERNANDES G. DA
SILVA
“Há máquinas de felicidade dispendiosas, que
funcionam com enorme desperdício, e há outras econômicas, que, com as migalhas
da sorte, criam alegria para uma existência inteira.”
Joaquim Nabuco
“A justiça pode irritar-se porque é precária.
A verdade não se impacienta, porque é eterna. “
Ruy Barbosa
Advertência: calma,
muita calma leitor anti-petista ferrenho, pois neste segundo de três artigos
não defenderei que tudo o que os governos Lula I e II e o governo Dilma I e
mezzo 2 fizeram foi inútil, mentira, errado. Na verdade, quase tudo, mas não a
totalidade das ações e políticas de governo.
A Grande
Ilusão. A Grande Ilusão (1949) talvez seja
um dos mais subestimados filmes americanos do imediato pós-guerra, mas se trata
de obra fundamental. Não somente pela reflexão nua e crua que faz da evolução
da vida de um político idealista que se transforma num pulha corrupto, mas como
uma obra de arte em si.
All the
King’s Men, título original, assim como sua tradução no Brasil, não reflete bem
o conteúdo do filme. Em outros países e idiomas, ele ficou melhor, tal são os
casos de Portugal (A corrupção do poder), França (Les fous du roi), Espanha (El
Político) e Argentina, México e Chile (Decepción).
A
estória é simples, mas a forma como é narrada, dramática. Um advogado Willie
Stark (Broderick Crawford), a princípio sem intenções políticas – ou
aparentemente – dedica-se à defesa dos direitos em geral de minorias e grupos
mais pobres da comunidade. Tal atuação dá-lhe fama e prestígio, de defensor dos
direitos civis e contra os poderosos. Sua reputação passa a ser – e o era – de
cidadão honesto, trabalhador, low profile e defensor desinteressado
dos mais fracos.
Stark
conquista a simpatia de boa parte do eleitorado e das massas em geral, em boa
parte devido ao seu trabalho, mas também por sua forma simples, meio red
neck caipira, um tanto populista também. Entretanto, com o passar do tempo,
o advogado popular coloca para si outro objetivo: a carreira política. Stark
torna-se muito poderoso e, dramaticamente, vê-se abraçado pelo abuso de poder e
corrupção.
Na
verdade, o filme, pelos títulos atribuídos nos países acima, poderia ter um
subtítulo: o desapontamento com relação a um político corroído pela
corrupção e pelo poder. Essa é a estória, em parte, da grande ilusão pela qual
passamos aqui no Brasil, entre 2003 e 2013. O governo Lula começa com uma
farsa, a de atribuir o problema do Brasil a uma suposta herança maldita de FHC
e que não havia programas e gastos sociais antes de Lula. Do lado criminal, a
farsa tem manchas de sangue: o assassinato de Celso Daniel, a sina, a marca da
maldade genética do lulopetismo.
A
política econômica de FHC foi a melhor possível, dentro das restrições externas
– Lula nunca pegou uma sequência de crises como FHC. De fato, a reação contra a
grande crise de 2008 foi correta, mas somente foi possível devido à existência
das políticas macroprudenciais praticadas por FHC e herdadas pelo governo Lula,
dado o pragmatismo dele e Palocci, e a escolha de uma equipe econômica – e um
ministério nas áreas-chave – de elevada qualidade.
Vamos
lembrar um pouco o que acontece logo que Lula começa a montar sua equipe, uma
vez vencidas as eleições. Para os mais jovens, aqui vai uma estória sobre a
arrogância dos economistas campineiros e da Federal do Rio de Janeiro (não
todos, mas a dos grupos hegemônicos nestas academias). Contei parte deste
enredo no artigo passado (A Grande Farsa); agora agrego detalhes
sobre as sórdidas negociações de bastidores.
Um passo
atrás, contudo. Quando Ciro Gomes sai do páreo, no primeiro turno das eleições
de 2002, ficam Lula e Serra. A agenda econômica de Ciro foi elaborada por
economistas qualificados. Ainda no primeiro turno, José Alexandre Scheinkman
aceitou convite de Ciro Gomes para elaborar uma agenda econômica e social para
o Brasil. Scheinkman lecionava em Princeton na época e não queria se dedicar
integralmente. Como conhecia Marcos Lisboa, na época professor da Escola
Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (EPGE/FGV), pediu
para ele o ajudar na tarefa.
Palocci,
pragmático e racional, diante da reação negativa ao “programa” de Lula e a
todas esquesitices e anacronismos alardeados por anos sobre dívida externa,
pública e política econômica, literalmente pega a agenda de Ciro e com ela,
Marcos Lisboa eoutros colegas.
A Carta ao Povo Brasileiro, de PT-Lula,
cuja função era pacificar os mercados e boa parte da Nação, já tem em si mesma
os princípios de política econômica que seriam implementados, de fato, no
início do governo Lula. Nesse interim, contudo, Maria da Conceição Tavares,
reconhecidamente leve e educada ao falar, ataca Marcos Lisboa e toda a equipe
ao redor. Baseado na agenda, Palocci anuncia logo ao início de 2003 o documento
“Política Econômica e Reformas Estruturais” e Conceição (representando o
“pensamento” da UFRJ e satélites) chama Marcos de débil mental(sic), com sua
habitual delicadeza e educação, vocacionada para a humildade. Bem, eu já fui
vítima de MCT, conto isso num artigo do JOTA, quando em 1988, em pleno Instituto de
Estudos Avançados da USP tomei uma “microfonia” (microfonada: ser atingido por
um microfone deliberadamente atirado por alguém de forma intencional). Por
fora, a UNICAMP, Instituto de Economia, atacava por outro flanco, tentando
emplacar Ricardo Carneiro.
Graças a
Deus prevaleceu a sabedoria política de Palocci e Lula. As políticas, micro e
macroeconômica, estavam bem guardadas e foram aperfeiçoadas, se comparadas ao
período FHC. Na área social, contudo, José Graziano da Silva e equipe de
petistas patinava na política social prioritária, o Fome Zero. Como prenúncio
da Grande Mentira que viria mais tarde com o discurso da crise de 2015,
que é de 2014 em diante, na verdade, e da narrativa “Num vaiê tê Golpi”, os
petistas “esqueceram” que quem salva a política social de Lula e carro chefe do
lulopetismo, o Bolsa Família, é Ricardo Paes de Barros, com o aval do
desprezado e imperialista Banco Mundial.
O
programa foi dado de presente a Lula e Ricardo Paes de Barros vai aperfeiçoar,
com Marcos, os programas herdados de FHC, unificando-os, reduzindo assim custos
de transação (gestão) e focalizando o gasto social, que é, no caso do Bolsa Família,
condicionado a incentivos, para evitar os tortos e maximizar o objetivo do
programa: alimentação e educação.
Qual foi
a reação da esquerda, na época inclusive com políticos que viriam depois a
formar o PSOL? “Política social neoliberal” foi a qualificação mais polida.
Mais uma vez, a economista líder, o farol da sabedoria do petismo e do
esquerdismo pateta nacional, Maria da Conceição Tavares afirma: “A
focalização foi experimentada e empurrada pelo Banco Mundial na goela de todos
os países e deu uma cagada”. Cagada, e de proporções inimagináveis, dá em tudo
em que o lulopetismo, sem a prudência econômica, toca, como viríamos mais
tarde, com a Grande Mentira (objeto do derradeiro artigo desta
sequência). Necessitamos de pesquisas em coprologia avançada para decifrar todo
este pensamento econômico.
Logo, a
política econômica não foi petista, nem a social. Mas, claro, o mérito de Lula,
não dos petistas, foi colocar o combate à fome – lembrem-se sempre de Betinho,
“o irmão do Henfil” – e a luta por
justiça econômica e social (direitos civis para minorias) na agenda. E isso não
é pouca coisa num país ainda com uma elite econômica reacionária, em muitos
casos, que acha que Bolsa Família é mero “dar o peixe e não ensinar a pescar” e
que “nordestino e pobre não sabem votar”. Afinal, o primeiro Presidente que
veio mesmo a representar todos nós – e fincado na maioria da população, foi
Lula. Pena ter se traído e produzir uma profunda decepção.
Logo,
embora seja mentira dizer que “nunca antes na história deste país”
investiu-se no social, pois o gasto social cresce mais exatamente em FHC,
pode-se afirmar que Lula tem o mérito inquestionável de colocar na agenda, como
política de Estado, combater as desigualdades e pobreza. Sim, é mentira com
todas as letras afirmar que não houve gasto social durante FHC I e II, mesmo
pois isto seria impossível, pois a constituição começou a ser implementada. Vamos
lembrar que nunca se assentou tanto como em FHC.
Em
termos de taxas – nunca esqueça de logaritmo e de derivadas – é claro que
cresceu muito o gasto social em FHC, dado que saímos de um patamar muito baixo.
Mas se
pegarmos os dados sobre desigualdade e pobreza observamos que elas caem a
partir de 2003. Isso quer dizer que o índice de Gini viu que Lula assumiu o
poder e falou para si mesmo “ops! É hora de cair”? Não, a queda na pobreza, que
é uma coisa, e da desigualdade, que é outra, têm várias razões, algumas
fortuitas (em termos, veremos), outro resultado de política econômica racional
e responsável e, em parte, políticas sociais do governo Lula, basicamente
neoliberais, como eles, petistas e psolistas, gostam de dizer.
Mas,
como esta parte da estória tem relação com a Grande Mentira, isso ficará
para nosso próximo artigo. Veremos a cartada de mestre (Ace in the Hole) do lulopetismo e do
dilmismo, sua versão degenerada, temperada pela marca da maldade da corrupção e do
crime de responsabilidade que, com justiça, custaria colocar a cabeça de Dilma
a prêmio.
A balada
de políticos corroídos pela corrupção e pelo poder ou a balada de Lula Stark
Dirceu da Silva.
MARCOS FERNANDES G. DA
SILVA, pesquisado
associado de políticas públicas (CEPESP/FGV), professor de microeconomia, ética
e governo (FGV/EAESP e Escola de Direito de São Paulo da FGV) e economista da
Fundação Getulio Vargas - marcos.fernandes@fgv.br
Terraço
Econômico
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