sexta-feira, 17 de junho de 2016

O dogma da luta de classes

Luiz Carlos Azedo

Maniqueísmo político é a marca registrada da esquerda no poder, que fracassou à frente dos destinos do país por seu voluntarismo econômico, político e social

Uma das dificuldades da esquerda brasileira para compreender e se posicionar de maneira responsável no processo político é o dogma da luta de classes como motor da história. Essa ideia está no cerne do pensamento do anarquista russo Mikhail Bakunin e do socialista utópico francês Pierre-Joseph Proudhon, mas foi consagrada pelos revolucionários alemães Karl Marx e Friedrich Engels no primeiro capítulo do Manifesto Comunista de 1848: “A história de toda sociedade existente até hoje tem sido a história das lutas de classe”.

A existência desse dogma alimenta a narrativa petista perante a esquerda brasileira, varrendo para debaixo do tapete todo e qualquer questionamento em relação à prática política de seus dirigentes e militantes e aos governos Lula e Dilma, principalmente nessa crise que o país atravessa. Recessão, inflação, desemprego, deficit fiscal, mensalão, petrolão, tudo é secundário para os setores que levaram o PT ao poder e se recusam a admitir que erraram feio. A culpa é sempre do imperialismo, da direita e da burguesia; que seriam um entrave ao desenvolvimento nacional.

Acrescente-se a isso o “glamour” da luta armada contra o regime militar, que foi um lastimável equívoco, principalmente por intelectuais e dirigentes políticos que chegaram ao poder com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, muito bem representados pela presidente Dilma Rousseff e o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, ambos ex-guerrilheiros. Seja através da literatura seja através do cinema, figuras como Carlos Marighella e Carlos Lamarca ganharam uma importância na luta contra a ditadura militar que nunca tiveram, em que pese o heroísmo pessoal, pois optaram por formas de luta que não tinham a menor chance de dar certo.

Maniqueísmo político é a marca registrada da esquerda no poder, que fracassou à frente dos destinos do país por seu voluntarismo econômico, político e social. Agora, diante do próprio isolamento político, procura resgatar a memória da crise que levou à deposição o presidente João Goulart, comparando-a ao processo de impeachment em curso no Congresso, o que é falso, até porque ignoram os erros cometidos pela esquerda como fatores decisivos para o sucesso do golpe.

Propor a reforma agrária na marra e estatização das empresas estrangeiras, ignorar a maioria do Congresso, a Igreja Católica e os sentimentos da classe média, e até mesmo fomentar a rebelião de marinheiros foram equívocos gravíssimos. E ainda havia articulações para mudar as regras do jogo nas eleições de 1966, que visavam a reeleição de João Goulart, como pretendia o então secretário-geral do PCB, Luís Carlos Prestes, ou viabilizar a candidatura de Leonel Brizola, seu cunhado, como queriam o PTB e outros setores à esquerda que viam a candidatura de Juscelino Kubitschek como ameaça de retrocesso político.

A burguesia
Além de ignorar os próprios erros, esses setores de esquerda ainda hoje argumentam que os militares somente conquistaram o poder, no qual permaneceram por 20 anos, porque não houve resistência armada, houve “capitulação na luta de classes”. Foi com essa lógica que a maioria dos líderes estudantis de 1968 se desgarrou da oposição democrática, na vã ilusão de que a queda da ditadura se confundiria com a revolução socialista por obra da guerrilha urbana e rural.

Quem lutava pela redemocratização do país e apoiava o MDB nas eleições era da “oposição consentida” e legitimava a ditadura. Agora, uma geração de jovens que não participou da luta contra o regime militar e recém despertou para a política está sendo convocada às ruas para lutar contra um golpe de Estado que não existe, banalizando conceitos como os de Estado democrático de direto ou fascismo. O que farão se o impeachment de Dilma Rousseff for aprovado? Apelar para a violência, como ameaça o MST?

O impeachment da presidente Dilma Rousseff só será possível de acordo com a Constituição. Quem julga crime de responsabilidade é o Congresso; em caso de afastamento do presidente da República, quem assume é o vice-presidente da República. Nova eleição para a Presidência somente pode ser convocada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em caso de crime eleitoral ou de renúncia dos eleitos. Por cláusula pétrea, eleições gerais são inconstitucionais.

Voltando ao começo da prosa: mitificar o proletariado e atribuir a seus líderes poderes de semidivindade é tão equivocado quanto subestimar o papel da burguesia no desenvolvimento da sociedade, que é muito bem retratado no Manifesto Comunista: “A burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os meios de produção e, por conseguinte, as relações de produção e, com elas, todas as relações sociais (…) A revolução contínua da produção, o abalo constante de todas as condições sociais, a eterna agitação e incerteza distinguem a época burguesa de todas as precedentes.”
 
Luiz Carlos Azedo
Jornalista, colunista do Correio Braziliense


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