Felippe Hermes
Pintar o
meio-fio das calçadas, capinar as praças e tapar buracos em ruas e avenidas.
Obras como essas povoam as cidades brasileiras, grandes e pequenas, em ano
eleitoral. Em 2012, o prefeito de uma delas, a pequena Caririaçu, no interior
do Ceará, achou que seria uma boa ideia deixar-se fotografar cortando as fitas
de entrega de um orelhão na zona rural do município. A imagem rodou a internet
e o prefeito decidiu acusar a oposição de tentar difamá-lo. Ao contrário desta
cena, no entanto, outras centenas de obras inúteis pelo país geram não apenas
risadas ou boas histórias, mas prejuízos milionários.
Pontes
que ligam o nada a lugar nenhum são mais do que comuns por todo o país. Obras
mal planejadas, mal executadas ou mesmo completamente desnecessárias dominam a
paisagem tanto das grandes capitais, quanto do interior. Em uma delas, em
Cuiabá, a segunda obra de mobilidade mais cara da Copa do Mundo, um Veículo
Leve sobre Trilhos (VLT), ainda em construção, foi planejada para ter 23
quilômetros – o que, já considerando as composições reservas, demandaria 32
composições. Durante a licitação, porém, o governo decidiu comprar 40, deixando
8 delas, com 56 vagões, inutilizadas. O prejuízo? R$ 120 milhões.
Para
fiscalizar estas obras e zelar pelo patrimônio público contamos com um batalhão
de auditores fiscais, contadores e outros funcionários gabaritados que integram
órgãos como o Tribunal de Contas da União. Em 2015, apenas para manter os 27 TCE’s (Tribunal
de Contas dos Estados) e o TCU,
investimos R$ 10,8 bilhões. Em resumo: para cada R$ 7 investidos pelo
poder público, gastamos R$ 1 para fiscalizar e punir. E o valor ainda é
insuficiente. Foi também somente em 2015 que o Supremo Tribunal Federal
entendeu que o TCU poderia julgar e punir quem desvia dinheiro público, sejam
eles funcionários públicos ou não.
Sem
controle e com uma fiscalização insuficiente, obras das mais variadas se
espalham pelo país ignorando princípios básicos de planejamento. De norte a
sul, não é raro encontrar projetos parados há décadas, ou mesmo obras
construídas que possuem pouca ou nenhuma utilidade. Para impedir casos como os
do estádio Arena do Amazonas, cujo campeonato estadual possui público
incomparavelmente inferior à capacidade do estádio erguido para a Copa, tramita
no Congresso Nacional o PLS 739, que passaria a demandar “viabilidade
econômica” e “demonstrativo de utilidade” de obras públicas. O projeto se
encontra parado, como tantas obras país afora.
Como
exemplos nunca faltam, listamos abaixo 10 obras cujo prejuízo e os motivos que
as fizeram ser construídas vão fazer você rever sua fé nas administrações
públicas do país.
1. O PARQUE EÓLICO QUE CAIU COM O
VENTO (PREJUÍZO DE R$ 300 MILHÕES)
Um dos
maiores complexos de energia eólica do país, o Cerro Chato, que se divide em
mais de 7 parques com dezenas de aerogeradores no Rio Grande do Sul, foi palco
no final de 2014 de uma cena inusitada. Construído para gerar energia a partir
do vento, com um custo estimado em R$ 300 milhões (na
maior parte recursos da Eletrosul, subsidiária da Eletrobrás na região sul), o
parque teve 8 torres derrubadas e até 27 aerogeradores afetados por uma
ventania.
A
estatal realizou o investimento contratando a argentina Impsa, fabricante dos
aerogeradores, para operar o parque. A empresa também ficou responsável pela
manutenção deles (que funcionam em regime de caixa-preta, ou seja, apenas
a fabricante pode operá-los). Meses após construído o parque, a empresa
argentina pediu falência no Brasil, abandonado as obras à própria sorte.
O
temporal que atingiu Santana do Livramento, a localidade onde se encontram os
parques, não é incomum para a região. Ainda sem explicar a razão, a Eletrosul
buscou com a agência reguladora do setor elétrico, a ANEEL, a troca do conjunto
de torres (que juntas gerariam 54 Mw de energia). A agência, no entanto, negou
a substituição, colaborando para que todo o investimento se perdesse
literalmente ao vento.
Trata-se
do maior incidente com parques eólicos no mundo. De longe superando o segundo
colocado, uma queda de 3 torres no norte europeu. Mais uma conquista para a
administração pública brasileira.
2. OS PARQUES EÓLICOS QUE ATÉ GERAM
ENERGIA, MAS NINGUÉM PODE CONSUMIR (PREJUÍZO DE R$ 4 BILHÕES)
Com
quase 166 parques eólicos construídos até 2015, o Brasil é um dos países que
mais investe em energia eólica no mundo. Apenas em 2016 serão R$ 26
bilhões, suficientes para construir quase 5 mil MW, ou 1/3 da energia gerada
pela usina de Itaipú.
Para
gerenciar e coordenar tudo isso, o governo tem se empenhado em ampliar o poder
da ANEEL, a agência reguladora do setor elétrico. Cabe à ANEEL, por exemplo,
licitar a oferta de novas geradoras de energia, além de contratar a execução de
obras como linhas de transmissão.
E é
justamente nesta segunda parte que mora o problema.Segundo o TCU, o atraso médio na construção
de usinas é de 10 meses, em 88% dos casos, contra 14 meses de atraso médio nas
linhas de transmissão. Dos 166 parques, 34 não possuíam as linhas necessárias
para escoar a produção de energia em 2015.
Como
venderam a energia independente da entrega, as geradoras recebem por parte das
distribuidoras o valor cheio, ainda que elas não repassem a energia. A conta
claro, fica para os pagadores de impostos. Só em 2014 o prejuízo do setor no
Nordeste foi de R$ 283 milhões.
Somando todos os casos em que tais erros ocorreram, o TCU chegou ao valor de R$
4 bilhões.
3. A DRAGAGEM DO PORTO QUE NUNCA FOI
USADA POR FALTA DE AUTORIZAÇÃO (PREJUÍZO DE R$ 196 MILHÕES)
Aprofundar
o calado do porto de Rio Grande era parte das obras incluídas no PAC, ainda em
2009. Segundo o projeto, o canal do porto deveria ser aprofundado de 14 para 16
metros, em uma obra orçada em R$ 196 milhões. Com a
obra, os navios que atracassem no quarto maior porto do país, por onde escoam
90% das exportações gaúchas (o terceiro maior exportador do país), poderiam
levar 20 mil toneladas a mais por viagem.
A obra
foi realizada pela empreiteira Odebrecht e pela belga Jan De Nul, e ficou
pronta em um ano, mas desde então jamais foi de fato utilizada. O motivo? A
Marinha, responsável pela segurança dos navios, jamais homologou a obra, e
portanto os navios nunca a utilizaram.
O
governo está agora encaminhando uma nova dragagem no porto. Desta vez ao custo
de R$ 387 milhões.
4. A OBRA PARA CAPTAR ÁGUA DE UM RIO
SECO (PREJUÍZO DE R$ 29 MILHÕES)
Feita no
conjunto de obras para combater a seca na represa do Cantareira, a transposição
do Guaió deveria levar até mil litros de água por segundo até a represa do
Taiaçupeba, em Suzano, na grande São Paulo, em uma obra que deveria em
tese beneficiar até 300 mil famílias.
Quase
dois meses depois de concluída a obra, porém, o rio Guaió continuava sem poder
entregar a vazão prometida pelo governo paulista de Geraldo Alckmin durante o
processo de inauguração da adutora. A razão? Ele estava seco.
Segundo
apurou o jornal O Estado de São Paulo, em períodos de estiagem, como aqueles em
que a obra deveria operar, a vazão total permitida pelo rio sequer chega à
metade do valor prometido.
5. O PAPÓDROMO FEITO PARA SER
UTILIZADO APENAS UMA VEZ, NA VISITA DE JOÃO PAULO II (PREJUÍZO DE R$ 30
MILHÕES)
A visita
do papa João Paulo II ao país no início dos anos 90 foi a segunda e mais
duradoura estadia do papa no Brasil. Durante 9 dias, o papa percorreu 10
capitais brasileiras, de norte a sul. Em uma delas, Maceió, acabou discursando
para dezenas de milhares de pessoas, em uma estrutura montada especialmente
para sua visita.
O espaço
cultural João Paulo II, erguido com uma estrutura metálica e vidros blindados,
tinha por objetivo garantir conforto ao papa e aos fiéis que o acompanhavam.
Após a passagem do líder máximo da Igreja Católica pela capital alagoana,
porém, o espaço foi abandonado, como encontra-se até hoje. O custo da obra? R$ 30 milhões (em
valores atualizados). E não foi pra conta do papa.
6. A PONTE QUE NINGUÉM PODE CRUZAR
POR FALTA DE AUTORIZAÇÃO (PREJUÍZO DE R$ 118 MILHÕES)
Iniciada
sua construção ainda nos anos 90, pelos presidentes do Brasil e da França
(Fernando Henrique Cardoso e Jacques Chirrac), a ponte que liga o Brasil à
Guiana Francesa, oficialmente parte do território francês, deveria ser um
símbolo de integração entre os dois países.
Sua
conclusão, porém, aconteceu apenas em 2012, 15 anos após a primeira conversa
entre os dois presidentes. Mas não se engane. Apesar de concluída, a ponte
nunca foi aberta. A razão?Faltam documentos que
atestem a conclusão.
O custo
de R$ 118 milhões é equivalente à metade de toda a economia do município de
Oiapoque. O motivo de preocupação para os moradores, porém, é outro. Cerca de
200 famílias da região vivem do transporte com o município fronteiriço de Saint
George, na Guiana. Ninguém pode atravessar a ponte enquanto os papeis não
chegam.
7. O PIER QUE NÃO PODE RECEBER
NAVIOS (PREJUÍZO DE R$ 72 MILHÕES)
A ponte
Newton Navarro é um dos maiores símbolos de Natal. Com 55 metros de altura e
mais de 2 km de extensão, a ponte tornou-se um cartão postal da capital
potiguar. Para receber turistas com maior conforto, a cidade inaugurou
recentemente um pier turístico, ao custo de R$ 72 milhões. Só há
um problema: os navios de cruzeiro que deveriam desembarcar no pier, não
conseguem passar por debaixo da ponte.
Achou
bizarro? A altura média de 65 metros dos navios que circulam pela costa
brasileira, não é o único problema do turismo na cidade. Para o Secretário de
Turismo, navios de cruzeiro são inúteis, pois não pagam ICMS e ISS, além de não
gerar empregos como os hotéis da cidade (uma declaração que seria apenas
estúpida caso não fosse também oportunista – o próprio secretário é dono de um
hotel em Natal).
8. AS PONTES QUE LIGAM O NADA A
LUGAR NENHUM (PREJUÍZO INCALCULÁVEL)
A ponte
sobre o rio Água Fria, em Medeiros Neto, no sul da Bahia, deveria desviar o
trafego pesado de caminhões do município, garantindo uma passagem mais rápida
para as rodovias estaduais da região. Quase R$ 2,3 milhões depois,
a prefeitura percebeu que para completar a obra teria de construir cabeceiras
que demandariam o desalojamento de quase 40 famílias, algo que demandaria muito
dinheiro e inviabilizaria o projeto.
Sem
poder concluir o processo, a prefeitura abandonou a obra, que agora paira sobre
o rio, sem qualquer possibilidade de acesso.
Como
esta, existem outras dezenas de pontes espalhadas por todo o país. A ponte
de Tutóia, no Maranhão, é dos nossos casos mais peculiares.
Segundo
a Polícia Federal apurou durante a operação Navalha, a empreiteira Gautama,
junto com políticos locais, teriam apresentado um projeto falso de construção
da ponte apenas para repartir o dinheiro público. Após denúncias ao tribunal de
contas, no entanto, a empreiteira acabou sendo forçada a construir a ponte – e
acabou por fazê-la sem qualquer preocupação com utilidade. O resultado é uma
ponte abandonadano meio do nada, em
um município cujo pib per capita é de R$ 2,5 mil, ou 10% do nacional.
9. A PONTE POR ONDE NÃO PASSA ÁGUA
(PREJUÍZO DE R$ 10 MILHÕES)
Antes
mesmo de tornar-se nacionalmente conhecida pelo vazamento de áudios da operação
Lava Jato, Maricá, tão queridapelo prefeito do Rio, Eduardo Paes, já havia
circulado pela internet por conta de uma obra pouco usual lançada na cidade.
Margeando
a praia, a prefeitura decidiu construir uma estrada – e para complementar,
decidiu fazer uma ponte. O problema do projeto, que contou até com um show de
inauguração do cantor Dudu Nobre (ao custo de R$ 200 mil), foi que, ao
contrário de outras pontes, nesta não havia um fiapo d’água que
passasse por baixo. Para arrumar o problema, e evitar que a obra se tornasse um
desnecessário viaduto, a prefeitura decidiu abrir um canal pelo qual a água do
mar pudesse entrar.
Concluído
o disfarce e quase três anos de obras depois, a prefeitura inaugurou o
projeto (contratando novamente Dudu Nobre, desta vez por R$ 350 mil, além da
bateria da Grande Rio, que havia recebido uma singela contribuição de R$ 3
milhões da prefeitura para o seu carnaval).
Segundo
ambientalistas, caso permaneça aberto, o canal pode se tornar um crime
ambiental, terminando por secar todo o sistema lagunar.
10. A ESTATAL BRASILEIRA DE CHIPS
QUE LEVOU 12 ANOS PARA PRODUZIR CHIPS (PREJUÍZO DE R$ 670 MILHÕES)
Com mais
de 55 estatais criadas apenas nos governos dos últimos três presidentes,
incluindo aí empresas como a estatal que deveria cuidar do trem-bala, uma
fábrica de camisinhas criada para agregar valor ao látex produzido no Acre e
uma estatal para explorar o pré-sal, descobrir o que faz cada uma das 125
estatais brasileiras é um desafio e tanto.
Criada
em 2000, a estatal brasileira de chips (também conhecida como CEITEC) faz
parte de um plano para reduzir os custos do país com a importação de
semicondutores. Com R$ 670 milhões investidos desde então, a empresa investe na
aquisição de equipamentos e contratação de pessoal – são 195
funcionários (53 deles com mestrado).
O
resultado da empresa, porém, tem sido decepcionante. Desde que começou a
faturar em 2012 – ou seja, 12 anos após sua construção – a empresa ainda não
ultrapassou a barreira de R$ 6 milhões em
faturamento – leia-se: ainda é considerada uma empresa de pequeno
porte.
Dentre
os produtos desenvolvidos pela estatal se encontra o “chip do boi”, que em tese
deveria ajudar a registrar o rebanho bovino brasileiro, algo até agora sem
grande sucesso.
Com R$
31,2 milhões de prejuízo apenas em 2015, a privatização ou uma parceira público
privada já foram temas do futuro da estatal. Com o PcdoB no comando do
Ministério de Ciência e Tecnologia, a questão havia sido descartada. A
privatização agora volta à pauta.
Nunca
fez tanto sentido dizer que o Brasil é o país da piada pronta.
SPOTNIKS
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