Luiz Carlos Azedo
(*)
As delações premiadas da Operação
Lava-Jato não estão colocando em xeque a nossa democracia, estão desnudando as
mazelas do nosso sistema partidário e do Estado Leviatã
O neologismo que intitula a coluna é uma invenção de Rui Barbosa, na sua campanha eleitoral de 1919, contra Epitácio Pessoa, na qual foi derrotado. Ele havia se insurgido contra as heranças do passado escravocrata e colonial, que ameaçavam a sobrevivência do regime republicano devido à corrupção e ao patrimonialismo das elites, que ele chamava de “taras hereditárias” e de “vícios inveterados”.
Patrono
do Senado, Rui Barbosa fora o grande artífice da Constituição de 1891, que
acabou capturada pelas oligarquias. Já septuagenário, a segunda candidatura foi
tão memorável como a da Campanha Civilista, de 1909, quando se batera contra o
marechal Hermes da Fonseca, por acreditar que os militares deveriam ficar longe
da política, com toda a razão.
Quase
cem anos depois, seu discurso é atualíssimo: “República? Isso não! Nem de
longe. Reprivada. O Brasil não é uma República: é uma Reprivada; privada em
todos os sentidos. Não existe o vocábulo? Pois força a cunhar o neologismo. Na
República, a administração é coisa do público.
Na Reprivada, é coisa de privança, é domínio dos privados, é logradouro privativo dos que privam com os açambarcadores do patrimônio comum, e exercem privadamente a tutela da nação, reduzida à pupilagem. Entregue, assim, à absorvência do interesse privado, sobreposto em absoluto ao interesse público, a República se desnaturou à Reprivada.”
Na Reprivada, é coisa de privança, é domínio dos privados, é logradouro privativo dos que privam com os açambarcadores do patrimônio comum, e exercem privadamente a tutela da nação, reduzida à pupilagem. Entregue, assim, à absorvência do interesse privado, sobreposto em absoluto ao interesse público, a República se desnaturou à Reprivada.”
A
Operação Lava-Jato desnuda uma situação que nos remete ao passado secular. Qual
a causa mais profunda dessa resiliência? Talvez uma pista esteja no próprio pensamento
de Rui Barbosa. Seu projeto nacional era uma espécie de liberalismo de Estado.
Embora constitucionalista, esse pensamento político tem origem pombalina. Já
havia impregnado a Constituição outorgada de 1824, de D. Pedro I, e não sofreu
uma ruptura com a proclamação da República; pelo contrário, foi reforçado pela
influência positivista da Escola Militar da Praia Vermelha.
Esse
liberalismo de Estado predomina até hoje e subestima o papel da sociedade na
preservação dos valores republicanos. O liberalismo radical de origem francesa
e norte-americana nunca teve vez no Brasil. Era uma ameaça às elites
escravocratas e conservadoras, na Inconfidência Mineira (1789), nas rebeliões
do Rio de Janeiro de 1789, dos Alfaiates da Bahia (1798), nas revoltas liberais
de 1817, 1824 e 1831, nas insurreições regenciais de 1842 e na Revolução
Praieira (1848).
Na proclamação da República, o povo ficou de fora e os políticos liberais, também; em sua maioria, eram da vertente pombalina, monarquistas e escravocratas.
Na proclamação da República, o povo ficou de fora e os políticos liberais, também; em sua maioria, eram da vertente pombalina, monarquistas e escravocratas.
Desde então,
talvez a única oportunidade de existência de um governo liberal no país tenha
sido perdida com a morte de Tancredo Neves. A ideia do Estado como tutor da
sociedade e indutor do desenvolvimento pautou a Aliança Liberal, na Revolução
de 1930, que desaguou no Estado Novo e na Era Vargas.
A Constituição de 1988, por exemplo, deu mais ênfase ao papel do estado na garantia dos direitos sociais do que aos direitos civis e à liberdade dos costumes, que são a garantia real da participação popular, das conquistas sociais e do regime democrático.
A Constituição de 1988, por exemplo, deu mais ênfase ao papel do estado na garantia dos direitos sociais do que aos direitos civis e à liberdade dos costumes, que são a garantia real da participação popular, das conquistas sociais e do regime democrático.
Colapso do sistema
Voltemos à Reprivada. As delações premiadas da Operação Lava-Jato não estão colocando em xeque a nossa democracia, estão desnudando as mazelas do nosso sistema partidário e do “Estado Leviatã”, em meio à maior recessão desde 1929 e ao impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Confirmam o esgotamento do sistema de financiamento dos partidos, demonstram a captura do Estado e suas políticas públicas pelos grandes interesses privados e impõem a discussão de uma reforma partidária e eleitoral que possibilite a renovação dos costumes políticos, o surgimento de novos partidos e a emergência de novas lideranças. Essa agenda, porém, implica em rediscutir o papel do Estado brasileiro na vida da sociedade.
Voltemos à Reprivada. As delações premiadas da Operação Lava-Jato não estão colocando em xeque a nossa democracia, estão desnudando as mazelas do nosso sistema partidário e do “Estado Leviatã”, em meio à maior recessão desde 1929 e ao impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Confirmam o esgotamento do sistema de financiamento dos partidos, demonstram a captura do Estado e suas políticas públicas pelos grandes interesses privados e impõem a discussão de uma reforma partidária e eleitoral que possibilite a renovação dos costumes políticos, o surgimento de novos partidos e a emergência de novas lideranças. Essa agenda, porém, implica em rediscutir o papel do Estado brasileiro na vida da sociedade.
No debate
sobre o impeachment, salta aos olhos o fato de que os defensores da presidente
Dilma Rousseff, ao reiterarem a narrativa do suposto golpe de Estado, agregam a
esse discurso a defesa de direitos sociais e interesses nacionais que foram
volatizados pela crise econômica que eles próprios provocaram e pela crise
ética.
Tratam como política de Estado gastos que não cabem no Orçamento da União e que foram anabolizados pela corrupção, pelo fisiologismo e pelo patrimonialismo. A Lava-Jato nos revela que nada disso é republicano e democrático. Pelo contrário, é o caldo de cultura da Reprivada.
Tratam como política de Estado gastos que não cabem no Orçamento da União e que foram anabolizados pela corrupção, pelo fisiologismo e pelo patrimonialismo. A Lava-Jato nos revela que nada disso é republicano e democrático. Pelo contrário, é o caldo de cultura da Reprivada.
Luiz Carlos Azedo
Jornalista,
colunista do Correio Braziliense
DefesaNet
(*)Comentário do blog:
“Essa
agenda, porém, implica em rediscutir o papel do Estado brasileiro na vida da
sociedade.”
“Confirmam o esgotamento do sistema
de financiamento dos partidos, demonstram a captura do Estado e suas políticas
públicas pelos grandes interesses privados e impõem a discussão de uma reforma
partidária e eleitoral que possibilite a renovação dos costumes políticos, o
surgimento de novos partidos e a emergência de novas lideranças.”(L.C.Azedo).
1.Uma
vez rediscutido o papel do Estado na vida da sociedade, o que teria que ser
feito pela própria sociedade
2.Discussão
de uma reforma partidária e eleitoral
3.Que
possibilite a renovação dos costumes políticos
Pergunto:
4.Uma
vez rediscutido o papel do Estado pela sociedade
5.A
renovação dos costumes políticos
6.O
surgimento de novas lideranças
- Por
que tudo isso tem que ser entregue a novos (???) partidos políticos ? A
democracia não precisa deles para se afirmar, para evoluir.
Entregar
novamente o trabalho desenvolvido pela sociedade a partidos políticos, é jogar
fora todo esforço despendido. Voltaremos à estaca zero.
Precisamos,
isto sim, de um sistema eleitoral, democrático, que permita a participação de todos interessados, porém capacitados, no processo político.
O que não se pode mais aceitar é a imposição
dos candidatos pelos partidos políticos.
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